escuta

entre outubro e dezembro de 2014 organizamos eu, maya dikstein e clara lópez menéndez, encontros que denominamos ESCUTA, que aconteceram no espaço da residência artística casa juisi / phosphorus, da qual a maya estava participando. maya e eu já havíamos escrito projeto juntas, e trocado experiências sobre nossos processos, enquanto que clara, curadora espanhola radicada em nova york, também estava fazendo residência artística em são paulo na mesma época. a ideia de se encontrar para ouvir, e não para ver algo, muito me seduziu, e faz todo sentido em um momento em que, por diversos fatores, venho me debruçando sobre estudos e temas sonoros. clara também trazia na bagagem pesquisas em torno de feministas, enquanto que eu e maya nos aproximamos no encontro (feminista) enkkontrada, na nuvem – estação rural de arte e tecnologia, em 2013. juntas quisemos trazer um pouco dessa percepção e pesquisa para compartilhar com amigos. os encontros foram pequenos, intimistas, silenciosos, nos quais recebíamos as pessoas à meia luz e nos deitávamos em colchões, rede ou mesmo no chão para ouvir.

 

ESCUTA nº 1: GALÁXIAS de HAROLDO DE CAMPOS

Isso não é um livro de viagem, 01h09m26s,
(gravação do poeta, 1992 / escrito entre 1963-1976)

Maya Dikstein, Clara Lopez e Inês Nin convidam para uma escuta coletiva, um encontro semanal em que nos juntamos em silêncio para escutar.

A escuta é aberta. Começa com este poema, mas também convida a propor objetos, elementos ou situações a cada vez. Todxs são bem vindxs a sugerir o que será escutado na próxima.

Propomos uma escuta porque estamos um pouco cansadas de VER sempre. Queremos exercitar a escuta como uma ação em si mesma, um lugar de momentos que não acontecem ao mesmo tempo que outros.

A escuta também se apresenta como uma oportunidade de desaceleração entre a produtividade que nos possui.

Esta ESCUTA se oferece como um instante para escutarmos juntxs, sem mais razão.

A escuta se organiza em encontro demarcado num SILÊNCIO, sendo o silêncio quem marca o início e o final do escutado. Habrá habla e palabra depois da escuta, mas sempre haverá um silêncio que deixará falar o espaço.

Desejamos experimentar uma escuta que não precise de reação.

Um ato social, não de comunicação.

Os encontros acontecem dentro da residência que Maya está realizando no projeto residência de moda Casa Juisi – Rumos Itaú Cultural 2014.

Quinta-feira, 20h, na Sé. Rua Roberto Simonsen 108.
Bem vindxs.

Maya, Inês e Clara.

 

ESCUTA nº 2

Pathways to Grandmothers, Pauline Oliveros, 1h 29′ 24″
Broadcast on KPFK, Close Radio, January 5, 1978
A meditative accordion concert by the musician who started the “deep listening” movement.

Sexta-feira, 31 Outobro, 20h
Casa Juisi / Phosphorus
Rua Roberto Simonsen, 108, Sé

 

ESCUTA nº 3

Terceiro evento de escuta organizado por Maya Dikstein, Clara Lopez Menendez e Inês Nin dentro del marco de la residencia que Maya esta realizando en Casa Juisi / Phosphorus.

En esta ocasión se propone la escuta de un material encontrado, una cita cassette de origen incierto que sirve de paisaje sonoro para un encuentro silencioso, un almorço.

Se convida a la gente a acompañarnos para comer escuchando esta sexta feira. Las afitrionas proporcionaran algunos manjares pero se invita a los participantes de la escuta a traer aquello que ell@s deseen disfrutar como manjar.

Sexta-feira dia 14 de Novembro as 13:30 horas na Casa Juisi / Phosphorus. Rua Roberto Simonsen, 108, Sé

 

ESCUTA nº 4, quinta-feira 20 de novembro, feriado de Zumbi dos Palmares

Fragmentos sonoros de Stela do Patrocínio e de Audre Lorde + discos (pode levar um que lhe seja querido, a vitrola estará aberta)

Inês Nin, Clara Lopez Menendez e Maya Dikstein

 

ESCUTA nº 5: Luísa Nóbrega

Para a nossa próxima ESCUTA convidamos e temos o prazer de acolher a Luísa Nóbrega.

São tentativas, experimentos de alargar possibilidades de escuta, de permanência no ato de receber sons e sermos atravessadas, redimensionar resistências.

A voz humana insiste em trair a linguagem, dizendo mais, talvez, do que ela gostaria de de significar. A voz joga um jogo duplo, tecendo uma ponte improvável entre biologia e cultura, entre as vísceras e o espaço aéreo e elástico que nos separa dos outros.

Propomos aqui um convite para escutar explorações vocais que se desenrolam numa zona limítrofe, incômoda, não linguística, na fronteira entre o gemido, o grito, a glossolalia e o canto.

Aguardamos vocês na próxima sexta-feira, dia 5 de dezembro, às 20h, na Residência Artistica Casa Juisi.

Inês, Maya, Clara e Luísa.

espaços de silêncio

em 2007, nos juntamos eu, dally schwarz e laura geyer com ideias de produzir uma peça sonora para pensar o silêncio. exercícios de audição e observação já vinham sido feitos, com apoio de autores como r. murray schafer, para refletir sobre as paisagens sonoras das cidades. segue o texto de apresentação e, em seguida, o áudio:

espaços de silêncio

ao propor um estudo do som a partir do silêncio, um dos elementos constituintes da linguagem da mídia sonora, nos aproximamos do conceito de paisagem sonora, estabelecido por r. murray schafer no livro a afinação do mundo. procuramos observar os silêncios nas coisas e entre elas: os espaços de silêncio.

exploramos estes espaços partindo do ambiente da cidade e de seus ruídos, uma vez que o silêncio com o qual temos contato na maior parte do tempo é na verdade um conjunto de sons fundamentais; sons estes que constituem ambientes e nos ajudam a identificá-los.

aproveitamos para, através de locuções, músicas, efeitos sonoros e, claro, silêncios, contruir uma peça sonora que possa transportar o ouvinte para diferentes espaços, permeados por sons macios e que procuram trazer um pouco das diversas concepções possíveis de silêncio.

nossa viagem parte da praia, passa por dentro de nós, busca respostas bem lá fora, ou onde for que a prece esteja, será que vamos encontrar? é uma longa caminhada de introspecção, de passos cuidadosos, de atenção para os mínimos detalhes.

estamos à procura daquele recorte de tempo quase mínimo, que é o espaço da reflexão, do constrangimento, da respiração, da hesitação, da dúvida, do branco, do vazio, de tanto. pois em tudo há silêncio, mesmo que ele esteja expresso em ruídos.

agora aperte o play e feche os olhos! 🙂

p.s. dois anos mais tarde, apresentei um artigo no encontro de música e mídia da usp falando de outro aspecto da experiência sonora em grandes cidades: a hipersaturação de estímulos, que se faz presente como influência no som de alguns artistas de música eletrônica recente. o resumo deve ser encontrável pela rede, mas decidi republicar o artigo aqui, em três partes: 1/32/33/3

inquietude

– a gente tem essa necessidade de espaços vazios. dentro de casa, menos móveis, menos informação. provável que seja consequência dessa vida urbana, superlotada. de gente, publicidade, fumaça, carros ou coisas. prédios. informação mesmo. maravilha é quando alguém encontra espaço vazio todo para si. abraçar o universo. na praia, vendo só o céu, areia e mar. 360 graus, a linha do horizonte.

– e se morasse no mato, seria diferente?

– talvez. se tudo fosse preenchido de silêncio e calmaria, ou quase tudo, não acho improvável que algum ruído se fizesse necessário, nem que fosse pra desestabilizar. os excessos paralisam, às vezes. ou talvez seja tudo uma questão de inquietude.

03032013

sinusite

silêncio e mídias sociais

como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.

existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.

silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chips intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.

mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.

se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cambios, cambios.

e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se cala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.

fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.

sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.