ponte

uma cidade que começa com uma ponte
ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
um monumento ao espaço.

ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

vulto, melodia

e toda a vontade de
potência dessas matilhas,
subjugadas a sérios
consensos perante a maioria

inhotim mira a classe c

Poderíamos pôr abaixo todos os mistérios, celeumas tristes e demais internos.

Rodo de lugar não tem nome, não tem coisa, é pura função. Das 8 da manhã às seis da tarde nos reunimos, confeccionando aquilo que será exposto no museu dos largos, o parque ouvinte da classe militar.

Nosso grau de indiferença não tem nome, se converte em emaranhados de coisa alguma, fiação. As estruturas não serão visíveis, as estruturas não serão visíveis – permanecem, anulam-se, tão logo adentramos a sala expositiva.

(o convite para a inauguração esqueceram, ou foi visto pela mão de terceiros, à meia voz).

Qual é o corpo que comemora seus doces mistérios cantantes?

São tantas as vozes e mãos habilidosas empenhadas em construir sabe-o-que-isso-venha-a-ser. Entretenimento de pedais celestes, ferradura – mas por que mesmo fomos tornados invisíveis?

O gosto pela função; o amante que se importa mas não é tomado à cena. É visto no barracão da escola, em meio de muitos, e assim se reconhece. A única visão possível é a do ato sem fala (e todo o ruído da sala é vão, inevitável).

Seria doce se não fosse sincero. Meus aplausos aos artistas e seus castelos!

do entorno que nos enleva:

somente a notícia posta sobre
a mesa
ao lado dos livros
e da arte –
para nos lembrar em que
lugar estamos)

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