atravessamentos de lugar, chão: habitação, exílio e afetos

No dia 22 de agosto de 2019, a amiga Laura Burocco convidou a mim e Amanda Costa para uma conversa sobre nossos trabalhos, relacionando-os com as mudanças pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro nos últimos anos. O eixo, ou gancho da conversa, foram as obras do VLT nas zonas portuária e central da cidade, documentadas por Laura e amigos ao longo de algum tempo. Eu e Amanda partilhamos desse processo e trouxemos também outras experiências próximas.

A conversa ocorreu no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no centro do Rio, no contexto da exposição Gentrilogy, da Laura Burocco, que estava em cartaz.

 

Como parte da programação da Exposição Gentrilogy : Trilogia da Gentrificação convidamos por uma conversa sobre a ação de mapeamento fotográfico do VLT realizada em 2016 dentro do programa do Capacetando : Verão Combustível. Mariana Paraizo realizadora do trabalho BANCO estará conosco por falar sobre o seu trabalho em dialogo com Braamopoly.

A seguir,  Amanda Costa e Inês Nin – artistas que participaram do mapeamento – apresentarão projetos próprios em dialogo com a cidade e experiencia urbana.

15.00 | 16.00 visita da expo + apresentação do Mapeamento do VLT / Capacetando

16.00 | 16.30 BREVIÁRIO

 

 

caminhada pelo percurso do VLT em obras >> fotografias e imagens que produzi no rio ao longo do período estendido do rio de janeiro em obras, de 2013 a 2016, em localidades do centro e da zona norte (praça varnhagen, estácio, manguinhos, carioca) >>

reuni alguns trabalhos que fiz e que surgiram afetados por esse processo de transformação da cidade, gentrificação e desdobramentos, além de alguns textos, dos quais trago pequenos trechos >>

do vocabulário político para processos estéticos, org. cristina ribas, eu escrevi o verbete para a palavra “lugar” – e o livreto da exposição começa com essa palavra >>

as impressões têm um cunho um tanto pessoal, mas são processos atravessados por esses escombros. andei refletindo sobre o que decorre dessas escavações num sentido subjetivo, traçando paralelos >>

falo de uma fuga e de uma volta ao lugar

 

vista do morro da conceição, coletivo ipê, 2011

 

obras na praça varnhagen, 2013

 

obras olímpicas em frente à residência casa comum, estácio, 2016

 

implosão da via perimetral, 2014

 

registros em lomo fisheye das obras do VLT, 2016

 

endereço 04 ou mudanças, obra-processo de 2013

 

still de cena final do filme “Cemitério do Esplendor” (2016) do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul: entre memórias do lugar, camadas de solo, escavadeiras e futebol, me lembra a cidade do Rio

 

tamanho

– “como você se amplifica?”

– processo. lentidão, depois tamanho. como a carta em que diz (não diz) onde está a chave do tamanho (você descobre, no
porvir, ao passo do movimento)

– onde está – ?

– acaso o movimento te percorre, te dá voltas, te brinca de inventar duzentas formas, e enquanto isso, enquanto isso,
percebe, envolve, envolve o movimento, envolve a dança, envolve os morfemas, as pessoas, o que há de vir

o que amplifica é o mesmo que move? não sabemos, mas envolvemos uma pá de lembranças enquanto procuramos, e encontramos quando não pensamos, lapsos de segundos vitais e sem números, afásicos, sem modo de existir que seja legível, na terra onde as formas têm nome

e pés grandes, que é o modo como se locomovem: a engolir montanhas. e se montanhas me agem, fico enorme. as montanhas daqui são escusas, abismais construídas por entre as gazes, que cobrem meus olhos e então posso viajar por entre as nuvens

membranas, muitas e resignadas nos envolvem, ora em fúria de gessos e rasgos

não me dobro, invento um passo para além dos pés e no entanto pequenino, que pode dar conta de e inclusive existir
sem que se perceba o caminho que se desenha, e no entanto ele se faz

acaso dança, vem compor uma comunidade, de códigos inventados diferentes destes que por aí ouvi, vindos de um lugar onde não medem montanhas, elas nos engolem, as engolimos, e juntas convivemos, somos crianças e vozes vidas que muitos crescem, lá talvez soe como o mesmo que fazem, engolir, mas não se pode engolir montanhas sem antes ouvi-las, como se faz uma união, cheia de ritos, cheiros e bocados. são sensitivas, elas. só se pode engolir montanhas uma vez que a elas se une, numa celebração, com profundo afeto em ambos os lados. então inventa um modo de caber dentro delas, e que elas te caibam assim de repente, enormes, como são, mas bem mansas vêm devagarinho inventando rumos, te abrem as encostas para que escale, pé ante pé, mão subindo, deslizando, pois quando te recebem, ir para o alto é quase como cair

e então serás tu montanha, engolir montanhas como uma vez me contaram que saberia, quando chegasse o momento, sereno, cheio de névoa, como um dia de sol que se fecha e abre, dependendo da direção dos ventos e da tua vontade

 

 

 

(reunido para uma convocatória, agora reaberto)

..

 

em dois espaços distintos ­- o salão
nobre e o jardim lateral do casarão,
aos pés da floresta ­- foram propostos
dois movimentos para orientar a
exploração dos espaços:

1­. girar, rodopiar
2.­ andar em linha reta, como em
corda bamba

 

realizada na mostra ‘arte ação’ na EAV parque lage
rio de janeiro, fevereiro de 2016

sairlugartrans

vocabulário político para processos estéticos >>

“como falar dos processos estéticos que nos transformam em nossos cruzamentos com a política?”, diz o vocabulário. ritmanálise, incita o vocabulário. precisa de escuta, escutamos. processo coletivo, publicação em curso. o lançamento oficial é neste dezembro corrido (e corridos são os dezembros, todos, desde a invenção do calendário). ou no janeiro que o segue.

dezembros e janeiros quentes como hão de ser os vivos gerados de reuniões cariocas, compostas de vozes múltiplas, em vibrante consonância de mosaicos, diagramas. reflexões muitas, começos, trajetórias, pensamentos sobre manifestações e em ruas manifestas, saídas a campo, percursos, comida, festa: tudo isso, e tanto. logo sai, taí.

contribuí em presença, um site e três textos feitos à mão para o vocabulário (sair, lugar e trans – um radical livre que possui dobras, desdobramentos). mais um entrou e se chama travesti (lá são manifestações: travesti), já publicado neste espaço. escrito nos calores de julho do ano anterior.

abaixo, replico um pouco dessa contribuição. claro, lembro, a forma livro, o texto em coletivo, o composto político estético que formamos é outra coisa, força em riste, objeto e ação ao mesmo tempo. é fala. aqui, cabe um mero registro, um fragmento:

sair
lugar
trans

//

sair

Inez saiu dizendo que ia comprar um pavio
pro lampião
Pode me esperar Mané
Que eu já volto já
Acendi o fogão, botei a água pra esquentar
E fui pro portão
Só pra ver Inez chegar
Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra rua feito louco
Pra saber o que aconteceu
Procurei na Central
Procurei no Hospital e no xadrez
Andei a cidade inteira
E não encontrei Inez
Voltei pra casa triste demais
O que Inez me fez não se faz
E no chão bem perto do fogão
Encontrei um papel
Escrito assim:
– Pode apagar o fogo Mané que eu não volto mais

(adoniran barbosa, apaga o fogo mané, 1974)

 

baratinada, atordoada pelas constantes mudanças e transformações. ao mesmo tempo entusiasta, enxame de possibilidades geradas pelo tempo que abre uma nova camada de espaço/lugar, novos planos, desandos, perambulâncias e afazeres locais.

sair é intimamente ligado a lugar, sair como espécie de fuga premeditada, sair como vontade de sair do lugar (“mexe essa bunda da cadeira”), sair como solução aparentemente fácil (esvair-se da presença, não lidar com); sair é ir, é partir(-se em pedaços? pulverizar), algo referente a circunstância, uma necessidade, um meio.

sair como uma intenção de lugar. realocar o corpo ou um estado, o sujeito, para refazer sua potência, para entender-se de novo, para alhear (imensa necessidade de alheamento, tantas vezes se faz)

sair implica em movimento: mover-se pelas próprias pernas. tomar iniciativa de, encontrar ou procurar um rumo, pôr-se a caminho

(duros empenhos em sair do lugar)

lidar com a hipótese de fuga é de algum modo mais fácil que lidar com a ação. que precisa de tempo para compreensão, implica em processamento (de dados, de mudanças, de estados de corpo e cansaço). zerar as possibilidades é um fetiche que, diante de algo duro, se refaz constantemente.

– e se eu, simplesmente, saísse daqui?

sair como ação impensada, tomada de posição, absurda ação mesma que não se define, como se simplesmente sair se faz

(e então, estado presente que atormenta, algo a que se quer abandonar)

pontapé para o infinito, atadura. semmãos, semmedo, mmordedura. coragem, aquilo de que tanto falam os clássicos romanescos sem era, que se sobrepõem a uma realidade turva, demasiado complexa para nossos contos de fada caninos. anacronismos de infância, maus adestramentos. depois de um tempo, os embalsama todos e transforma em leituras de maniqueísmos diversos, notícias sem profusão nem densidade, as quais só se lê às partes. reitera discursos ou cria coisa alguma, mas segue algum rumo estrito que supostamente se concretiza. ou não, engole a rebelião e bate ponto no escritório, todos os dias, eis o método que seu pai lhe ensinou.

fuga estaria adoecida pela vontade de escapar, impulso dormente que não tem lugar? abstrata palavra sair, enquanto que fuga apresenta forte oposição (como fugir de – ou fuga, substantivo, algo que acontece ou se sucedeu). a fuga antecede a memória, esvazia-se em ato: simplesmente ir, fugir da coisa, sair do sistema, remodelar ou implodir tudo em fato

(esvair-se do sistema é algo absolutamente sedutor e iminente; difícil concretizar)

da vontade de sair e do semmedo da história, da fuga que tem por desejo existir, há em tudo uma propensão a um fora, um desejo de alhear disso que aqui está

(como um estado de coisas que se altera por uma ação, por mais que esta se faça em abandono)

o truncado está aí, pois se sistema nada faria para tornar fáceis as medidas, codificáveis os modos:

– e quiçá existe um fora?

ou o fora ele mesmo já está dentro? faz parte de um comum que a tudo se esquiva e penetra?

entranhas nervuras e atravessamentos, outrora solfejos, coisas que não têm lugar

permeios e sucessões esquivas irá, irá, encontrar um morcego em um lugar sem hora, sem memória, fora de linha e calado de números, talvez,

liberdade turva só acontece quando não se vê, quando alegre mentira costura sossegos onde quer que se vá.

sair, contudo, ainda é um meio que se faz.

nem que seja para alterar lugares, contaminar uns com os outros, colher um a um. e não deixar lugar.

(identitárias vontades explodiram no ar)

**

lugar

1. se existe alto e baixo, direito e esquerdo, frente e verso, existe um lugar. 2. se onde havia uma coisa e existe agora uma outra, existe um lugar. 3. se há um corpo, há um lugar. 4. se cada corpo está situado em um lugar próprio, existe um lugar.

[sim, aristóteles. recorrer às bases, mesmo que as sobrescreva depois.]

artefato. povo construído. lugar errante.

de imensidão só lhe restam as botas, de tantas viagens por aí que gastas as lembranças fico, paro com o intuito de me recompor.

imaginar um terreno que não seja matéria de composição mas desastre, atraso, atalhos mesmos que furtivos só guardo em memória. as técnicas de sobrevivência variam tanto. o lido com os lugares, o tratamento, o embate cotidiano e as danças.

é de madeira o chão, telhado inclinado, construído com as próprias mãos. prever o mínimo de interferência no ambiente, de verdade. floresta quando penetra a casa e transforma ela mesma em um labiríntico desafio que traz conforto, diverte. põe para secar ao sol o que sobrou de antemão, enche de água o que se quer cultivar. observa.

para os estoicos, o problema do lugar está ligado ao problema do movimento. um lugar é concebido pela transição dos corpos que por ele passam. tal como em aristóteles.

( )

delimitações. um lugar é um intervalo? uma posição.

territorialistas dirão, este é o meu lugar. distinção por entraves, catracas, limites desenvolvidos arbitrariamente, gerando a noção de propriedade. lugar tem dono?

diria a terra. um pedaço de terra, um lugar. matéria pura, compreendida em consonância com o que há em volta. música. estrutura, movimentos sistêmicos que cumprem rotas em variação, caminhos, danos, elevação. cíclicas voltagens, antes mesmo de construir.

do limite surge o referencial. talvez, de um terreno preciso. para ele são traçadas rotas, mapas, são criados mitos, memórias. formam-se famílias, redes e articulações organizadas por sistemas de parentesco, continuidades. talvez então isso: ao invés de cercas, noções de assimilação em grupo. contiguidades, modos de fazer e habitar.

um dia, emitem um protocolo, pisam em qualquer noção de hábito, mesmo cuidados. alheios são aqueles, os que não decidem os rumos do lugar. montantes outorgam demolição do terreno, inventam de substituir as construções. dizem: “é a modernidade!”. despropositadas ferraduras, racham o chão.

os sem medo, enfrentam. “é por uma noção de pertencimento, pelo direito que chutam a pontapés. e onde construir, então?” umas vidas. uns sossegos. uns hábitos, que elétricos, flutuam. atravessam paredes, rompem territórios, emanando flores por onde passam.

**

 

TRANS-

conceber um SAIR do LUGAR implica sob certo sentido em uma superação. como ir além da experiência anterior; um ponto que impulsionado por MOVIMENTO gera uma outra situação.

transcender um momento disforme, pouco funcional, mambembe. desfazer uma certa dormência, reentender todos os processos. misturar a disposição dos intelectos.

uma bússola revirada, e revigorada.

em viagens recentes fiz questão de carregar uma bússola, companheira tão amiga quanto a lanterna e uma mochila gordinha, um pouco alta. apetrechos úteis, talvez neste caso ainda mais úteis enquanto ideias de viagem, desejos de nomadismo. vontades de incorporar um personagem explorador: expedito azuis, aquele que age, despachado viajante. procura caronas, aprende a voar. povoa de cores e florestas uma paisagem, ela mesma enquanto imagem de sossego e desafios, abrigo, localizada mais DENTRO do que FORA, para falar de coordenadas. desejos, como as praças e os lugares, se confundem. nada é só um mesmo, coisa afável e distinguível das demais.

ir além implica em transitar. na contramão dos engarrafamentos*, caminho sem pressa, atravesso pontes e escalo prédios. se trata de superar expectativas, por adquirir rumos truncados, incertos demais para especular. nada mais que um treino, até que saiba não existir em espera nem planejamentos complexos, mas sim em processo, corrente, que flui e escorre das calçadas, só anda a pé.

de uma precisão de rejuntes: extrair a simplicidade das coisas. descomplexificar, como um processo químico. para tal, é necessário desprogramar, repensar todos os sistemas e métodos vigentes. desordenar. haverá necessidades de; e se fizer de outro modo; se é verdade que preciso tanto; o solo mesmo não se refaz? composição. assimilar as cores do local, a partir dele construir e só. em volta, são tantas as coisas que estimulam a perda sem rumo, o caminho mesmo do cristal, do arranha-céu com tv de plasma e correrias.

transição. transitivo transitar dos entes mistérios, minérios, ritmos próprios constituintes da tábula rasa da monotonia. monotipia, rumos em vão: tantas técnicas e só vejo uma cor. ruído de voltagens, confunde nossos cérebros.

x

trans é um radical queer. que se situa para além dos sistemas, da compreensão costumeira dos entrecoisas. costura bordados e ri do próprio desatino, desconversa, nunca se saberá ao certo onde vai. pode assumir caracteres absurdos, atravessar a amazônia, se transformar.

transtornos são possíveis, aspectos sinceros que vêm à flor da pele, se perdem. água e animais, super gêmeos ativar, sempre outra coisa que não a esperada. x, que não tem gênero nem classe, assume formas variadas de acordo com a situação. estratégia faz parte de sua estrutura desestruturante – preparada para transcender as maiores crises, entrar em transe, alucinar.

 

* processos lúdicos que implicam em engarrafar carros e pessoas, como consequência de um equívoco histórico. são intensos, memoráveis e até mesmo hilariantes, tão presentes no cotidiano de cidades populosas. paradoxalmente, quando se procura saber a respeito do estado dos engarrafamentos locais, fala-se em informações sobre o TRÂNSITO.

coisa

um contador de miniaturas. para poder antever tudo o que se dará, daqui pra frente, nunca atrás.

contável porque coisadura, mercado, minérios, vastidão de mundos domesticada numa única pílula tátil, apartamento.

adentrei o prédio, era possível; o possível que conseguia visualizar diante de tantos desejos de nomadismo e floresta, de construção, viagens. não havia permanência em viagens, nem sustento, somente vontades: braço que não alcança as frutas nos galhos superiores.

necessária suspensão das correntes, ainda que (tanto), furtivos invernos, forjados em verões que voltarão, um dia.

construção. intento de construir uns grandes monumentos, começando por pouco, um espaço, um fluxo de chão. aulas, algo com que sei lidar, aprendo a lidar, lido – está na fala e nos gestos um pouco de imensidão, de conhecimento. aprendizagem é algo que só se faz em curso, assim como mostrar: tornar visíveis processos, saber responder perguntas, localizar as pesquisas e tornar embates as vontades críticas, os permeios do sistema, e uns tantos modos de construir misturas. voluvear.

grav_foguete

gravmatriz_raio

entulho naborda do mar

função:
dessalientar.

(constroem engenhocas tão loucas
tapumes
invenção
esses que vivem tão próximos do asfalto–
azuis, eles vivem, contudo)

//

“é preciso chamar as bruxas para estragar o conto de fadas”, dizia o bruno cava sobre a inauguração do MAR, aquele museu mumificado que se posta ao lado do atual “buracão da praça mauá”, futura via subterrânea que estupra o centro histórico do rio de janeiro. em tudo agressivo, inclusive na sua alvidez (é alvo, é ávido) que, tentando ser moderno, quer misturar prédio histórico com nuvenzinha e vidros, programação visual e desejos nefastos de apagar seu entorno.. o programa espacial do governo deseja polir as arestas, e o faz sem a menor sutileza de modos. em algum lugar bem distante daqui, provavelmente no alto de prédios (com vista para a favela) eles aprenderam as maiores técnicas de violência, pois poder se conquista com violência e expropriação. aprenderam que o mundo nunca seria para todos, e portanto decidiram garantir o seu naco da guerra. salve-se quem puder. é tão deprimente que não há palavras precisas; aqueles que se importam com os reais agentes dessa cidade e todos os os esforços feitos com dignidade entram em conflito, pois com os meios todos tomados (inclusive as ruas, pulverizadas de policiais à paisana ou em farda), uns acreditam que se pode ocupar então os espaços que há, em toda sua violência, mesmo que no timing perfeito para as campanhas publicitárias e eleições, mesmo com banco imobiliário de remoções, mesmo que..

sérgio bruno martins, que desconheço, faz apontamentos bastante precisos sobre toda a controvérsia que circunda esse novo estorvo monumental da cidade, a partir da visita que começa, turisticamente, no terraço do edifício. e não se trata de questionar o MAR por ser um museu, se precisamos de mais um museu, como diz o curador-chefe, mas sim, no caso, está em questão todo o teor “maravilhoso” (no sentido surreal) daquilo que ele quer representar, o que ele simboliza, como ele se coloca, e toda a ocasião de inauguração, toda a politicagem envolvida, num terreno de povo silenciado e política de sorrisos.. o que faz essa política representativa, funcionária exultante do não-pensar, todos os dias, dói tanto que dá vontade de vociferar, quando voz há. e se isso não adianta, procuramos outros meios, colocamos estacas no chão, usamos brilho, chão e máscaras, até mesmo escapamos para outros lugares. a guerra é estética, ideológica, insensata, brutal. todos os dias, está aqui, agora mais evidente que nunca. ainda povoada de disfarces. ainda procura verdade nos lugares errados. guerra de discursos, disputa estética, escadas, tapumes, invenção, sobrevivência, vultos, milagres.. uns tentam rir da desgraça, colocando um selo nas costas. e todo o perigo protuberante de se deixar fagocitar os discursos, torná-los brincadeirinha/alegoria dentro do quadrado branco, mais um objeto fonte de especulação na arte.. não nos deixemos afundar na lama política que nos envolve, ainda que seja duro, que não haja lugar. e, ainda assim, um cartaz.

está lá, e, posto que está, discuto, vou para a rua, bato latas, grito, visto máscaras, danço, abraço, caio em desespero, recupero, também não tenho onde morar. posto que está lá, precisamos discutir. produzir sentido sobre aquilo que nos atinge é a última ferramenta possível. é nisso que me apoio na hora de erguer cartazes, povoar. ativar um sentimento de solidão que em tudo está, que a tudo se impõe de forma violenta, combater isso – por grupos, enxames, ocupações.

não é possível estar em todos os lugares. mas é preciso defender o direito de acessá-los. todos. sempre. quem quer que seja. é preciso defender o direito da própria existência, já que esse vetor é constantemente violado, foco de ameaças, arrombado. por tudo isso, diante do estado vândalo que só quer solfejos, erudição e sangue; assumindo toda a controvérsia envolvida, de amigos e amigos e discussões e coiserrantes, ideias turvas, violência, vontades, espaços e desejos, estou lá. ainda assim, na rede, no papel – que o espaço físico inclui outras flexões de lugar.

na borda // vazadores // entulho

+

o que coloco é um trabalho de 2012 em verso, foto, recorte. é sobre existir e sobre estética também. lado a lado há textos e ensaios em dissenso, não formam conjunto, não são conjunto, mas têm em comum a fala sobre um espaço. reconhecimento de arestas, talvez a procura de um espaço, embates políticos, existência e arte. o que faz esse entorno seria talvez a voz plural que buscamos, mas que às vezes se faz calar.

e sobre potência, assunto que subjaz e vem à tona – ação política é o quê? votar? escrevi algo assim, sobre, concomitante às discussões que antecedem essa edição. agora, em tempos de repressão policial desenfreada, de estado surdo, duro, perseguições sem sentido e tantas cores que tentam silenciar, faz tanto sentido. ler hannah arendt a cada dia faz mais sentido. para evitar loucuras e totalitarismos, só por meio da ação.

potentia // reflete-se sobre ação e não-ação. governo e trabalho. antiguidade e modernidade. discurso. política. rebelião. o escopo visível se limita ao livro de hannah arendt, que não é nada limitador. expande tanto que foi feita uma varredura pelos capítulos, a fim de amadurecer a questão. era inevitável. influências externas invisíveis são da ordem da ação política local (leia-se: rio de janeiro), coletivos de arte-ativismo, atritos internos e externos, porto maravilha, expropriações contemporâneas. por isso, dispersão. os discursos se complementam.