• importa

    composições de sufrágios. não conheço coisa alguma.

    engole o vento e sonha: alguns acasos fortuitos, memoráveis eventos, e então acordo.

    penso em percevejo sem chamas, só observo, atento a qualquer movimentação e também qualquer acalento.

    (só sai no caderno)

    expedito traz sossego quando eleva, porque a floresta também é quente, imensa, também se perde. precisa do embrenhar-se no sistema (da natureza) para se sentir desafio, para se ver forte, perseverar e criar coisas que construam sentido.

    o que parcialmente dá sono, e que também desanima, às vezes turva, é que tem tantas gentes sem intelectos, que usam quaisquer cores para se comunicar, e eu acabo tendo preguiça delas, algo vago como “neste mundo já estive aí, ou pior, isso é coisa de cá”.

    bêbados inertes também sonham, sim acredito, assim como publicitários e porventuras. instituições. cheiram cocaína todas as manhãs e assim mantêm o ritmo, tal como o relógio.

    as manhãs que conheço não têm nome, mal têm hora, mas acontecem quase sempre do mesmo modo: estou tranquila, acordo. o sonho é tão interessante que é difícil me desvencilhar dele. preciso dançar, correr, pois é frustrante constatar que aqui é o mundo “real” e perceber que o sonho, ao puxar tempo para si, refreia e come meu tempo das coisas reais.

    aquele meu tempo que espera. que de tanto misturar os corpos em vão sabe que é muita informação acumular tantos odores e tatos em um só quarto, pele, corpo ou dimensão. sempre escolho bem menos que quatro. nem sempre percebem assim da outra ponta que comunica. só quando há encontro.

    funciono melhor em acasos que combinações.

    pero, porém: sinto saudades.

    e: relembro que minhas incompletudes não são minhas, são memória; ausência de um algo que falha em se construir e ao mesmo tempo se faz: como construir de ausências um ente, como sempre; e lembrar que há tanto aqui, expedito.

  • o acúmulo depois de um tempo pesa

    o acúmulo depois de um tempo pesa
    passa
    atrasa os terrenos

    tempo curtido,
    escasso.

    o acúmulo que tantas
    coisas fiz
    (e de assuntos que não são
    memória)
    a glória
    é construção
    acaso
    limpa que se faz nos braços
    e abraços
    que se preza.

    a calma
    construída
    conhecida

    os lugares mesmos
    meus que não
    permito
    o aflito
    foi abafado em construção

    o ritmo
    das memórias
    das glórias e
    dos bocados bocejos
    cotidianos –
    trabalho

    todos os dias
    no metrô
    os abraços sem abas
    e os atos sem glória
    a história

    a construção do
    ritmo que não
    cabe na memória

    se faz
    nos movimentos
    de um braço queluz

    em cruz

    solfejo,
    tateio,
    alento.

    abre alas
    para um pouso incerto
    (e por isso mesmo,
    esperto)

    compõe bicicleta
    sabe os trejeitos
    da espreita
    e das composições
    das quais só vê
    um
    ou dois
    motivos

    um respiro
    é um começo

  • mar

    a praia é um santuário que as pessoas vão visitar. aquilo que fazemos quando estamos lá, em companhia de pessoas, é apenas tratar como comum o acesso a algo extremamente poderoso, extraordinário. la mer, poderosa, o mar, iemanjá. a força, a energia das marés, da água viva em movimento que é o mar é sentida no corpo por horas depois de ir. e segue. relaxa os músculos, ajuda a respirar, a curar feridas, assimilar contratempos, amar. se amar. amar a si, antes. emanar calmaria, resistência. mesmo quem não mergulha sente, já que a maresia permeia o ambiente, está no ar, arredores. mas, sem dúvida que mergulhar é mais intenso, mais forte.

    cachoeira também é um santuário. a floresta como um todo. mas as águas, as águas. fonte da vida, mesmo! o que o mar limpa em profundidade com seu sal a cachoeira vem avivar. dar risadinhas com as cócegas fortaleza das águas. respirar ar novo, pura vida.

  • das muitas esquinas um rasgo; um arroubo um baile alegria

    nós fomos ricos nós fomos serelepes nós fomos turvos nós nos divertimos um bocado nós celebramos nós choramos mas tantas vezes e tantas horas sem saber um ensejo um caminho por onde ir um altiplano uma subida na esquina um cantinho aberto para ver o campo todo sorrindo a galera toda cantando um lugar ao menos sem partir o terreno o suor correndo a memória o desejo tanto sofrendo o amor eu amo derrete

    mijar ali atrás meu encanto vem ser feliz de novo eu disse ela disse gritaram era louco gritaram não dá mais gritaram sem condição alguém lembrou que podia ser diferente e a gente abriu abriu ao largo na história fizeram rodinha fizeram dançar até o chão fizemos abraços múltiplos não é um sonho é construção meu amigo não romantize não tô romantizando tô vivendo amor

    é partilha
    é múltiplo
    é uma torrente de danos que depois de tanta luta meu caro é isso agora não é perfeito é o que há é caminho é luta é disputa é jogo é jogo meu bem não se incendeie mais

    eu incendiei a praça vinte vezes vocês viram?

    eu compus manchas coloridas no chão eram azuis

    pisotearam mil vezes apagou

    o rastro ainda está ali

    na rua naquele beco onde sonhamos era beijo era sonho não

    na beira

    num lapso de segundo

    num cansaço extremo alegria nem sei

    nem por um instante duvido

    do saber

    deste mundo

    é vivo

    é corpo

    é junto

  • risco

    ação de torcer, moer, extrair suco. até sentir dor. até subir no topo de alguma coisa, e de lá a reconfortante vertigem. a luta bruta.

    ataduras, nos pés e nas mãos. corpo torcido. cara bruta. cara resoluta. cume, abrigo.

    praticar a dança – eu te disse – praticar as expectativas e desconstruções. no chão da sala, nas frestas. remover com tinta vermelha o que há nas entrelinhas. escrever demais. desenhar todas as coisas, passado o vazio, passado o chão: depois de doer, reconstruir como se nunca tivesse feito a membrana.

    desenho, desenho, desenho.

  • descaminho

    algumas coisas convergem para não colidir. an island shakes. universo florido num pedestal. glórias. desalentos. celebração numa floresta de cabos, demônios, inversões, acasos. invernos somos uns para os outros e tudo o que exalamos são vozes. imersões não consigo, tão fundo.

    eu deixo linkar e aqui não é lugar de esconder, mas expor, fazer. pressão demais. abre, mas abre pouco, que é pra continuar tendo aquele lugarzinho lindo que não sabe nomear, inventa, investe, coerção. de novo, o mergulho. ele se revolve. o som é uma mistura de muito do que eu faria e não faço, agora mesmo. simbólico caminho que trilha, esboça, atinge um caleidoscópio.

    não age e não procura. velozes vozes atravessam, não sei lugar. iria, mas iria mais bruto, embora desalinhe os abraços e admire mesmo a coisa como está. não é eco, se compõe um vocabulário de danças.

    tinha um mapa de lisboa na sala. intuito, acaso, descaminho. pegaria o avião. será fastio, desafio, vespa? impreciso de bocejos, gorjeio, minhas memórias. conheci o tejo, pelo mapa. dava margem e corpo a algo que nem imaginei, só esbocei em sonho. devaneio.

    existiam vozes que tocavam bateria, nozes diminutas que não permitiam porque ou assunto, mas faziam festa a cada vez que fosse notável, encontro. transformaria em obra, o encontro. mas nunca os tijolos iriam comparecer. faltava tijolo, diziam. só em outro país.

    o tejo, descaminho. as danças. eu vi você olhar e vi você buscar um lugar. eu estive aqui. migrei, mas sempre arbusto. perecível, passível de voltas.

  • horizonte

    ativar o corpo para remexer o que tanto paralisa. reorganização de práticas, adquirir novas trilhas e novos sustentos, é o que chamo de enviesar. olhar doutros modos, refazer maneiras, procurar.

    o que pulveriza por aí que vem em textos acordes almeja uma montanha, um monte, um percurso. é por ora um sopro, às vezes no vendaval. ainda acredito na potência da fala mas sobretudo da fala enquanto solfejo, em que nem toda a forma é apreendida e assim ela de certa forma se defende, não se diz de quê, da apreensão coletiva automática per se. da imediata conclusão. da voz que detona mas não se dá à escuta. e, também, a tudo que se refere a um modo de ler que a tudo já dá por compreendido, como se todas as referências fossem elas mesmas já conhecidas, e não se pudesse crer ou criar.

    outra coisa. obviamente que isso não é tudo. há uma beleza, por vezes, e uma beleza lancinante, algo agudo e inexprimível talvez, naquilo que criptografa. no canto do quadro que não podemos ver, na obra que não sabemos acessar, naquela pessoa que tanto nos instiga e fala de mundos desconhecidos ou que se sabem inventos, sustentáveis quiçá, outro chão.

    é fato que o mundo saturado de fala e de imagem, muito mais do que é possível uma pessoa absorver e decodificar – e é saliente observar, que por pura repetição e senso de participação são tantas as gentes que sim se habituam a tamanha quantidade, e tamanha qualidade nula que acaba por ecoar destes eixos – esse mundo me cala. provoca uma qualidade paralisante e uma espécie de asfixia não passageira, que em busca de sentido e conexão, começa a destinar-se ao ar ele mesmo, esse que não é nada puro mas espalha asfalto e carbono, combustão.

    e então só falo de combustão. observo a matéria de que são feitas as coisas, e isso inclui o meu corpo. começo a pensar sobre práticas cotidianas e as pratico a custo para que sejam reais, para que aconteçam, que não residam somente no discurso.

    por vezes acusam isto de gesto extremo, que à cidade tudo se converte, tudo se relativiza. diante do capital tudo se torna flexível, e a ele adentra. a loja mais barata é grande, pertence a um grande bilionário ou até a donos de um conglomerado, desses que são donos de quase tudo, muitas marcas. até da água. mas sim, a água é o primeiro elemento básico a servir à vida, e a vida serve ao dinheiro. para garantir isso devemos nos apropriar da água. para que nenhum corpo, vivo, possa escapar.

    um mundo sem volta. é o que dizem uns. pois que descubro que ainda há sim sementes de milho no brasil que escapam à monsanto, que são orgânicas, livres de alterações genéticas e pesticidas – aleluia – e as posso acessar. isso principalmente porque estão justo com aquelas pessoas que a muito custo as distribuem, e as buscam, às vezes viajam para reuni-las. participam da coisa mais bonita, que é o devir comunitário. é a salvaguarda da vida e do sossego, não sem luta. é a comunidade que fortalece. as vidas que se unem e só usam um mínimo do capital para sustento, e sim, participam, mas primeiro se dedicam a existir enquanto organismo, sim com alegria, encontros e coligações.

    almoços coletivos, orgânicos, em que cada um lava sua louça e todos se unem para alternar-se entre todas as tarefas, sem que haja empregados, relações trabalhistas, compra e venda e exploração. há o que chamam de comércio justo e solidário, comecei a lhe dar ouvidos, aprendo e vejo. é claro que ao iniciar esta fala corre-se o risco de romantizar, de crer que não haverá relações abusivas, divisões questionáveis de tarefas entre homem e mulher, o peso das tradições, as instituições da família e da propriedade.

    no intento da construção de mundos em que se queira habitar e em que respirar não seja um ato sôfrego, que se possa escolher destinos e inventar poéticas com alguma liberdade, é também a construção de um mundo que não esteja aprisionado pelo sustento. que possibilite a criação de asas próprias e que isso não seja uma mera expressão metafórica, tão desgastada e publicizada, nem que venha a ser uma substância comercial a gerar essa sessão de euforia tonal e fugaz, cuidadosamente gourmetizada, artificalizada e em suma, ineficaz.

    não existe autonomia que passe pela compra de sensações e de relações de sustento e de ganhos. é preciso cavar mais fundo.

    resisto à forma de protesto quase sempre por de novo me sentir tolhida na fala, me fazer também. zumbido na fala, fala demais. e então as polícias de estados absolutamente surdas e gravemente repetitivas continuam a tacar bombas a quem quer que fale, ou quem tenha aparência de, ou simplesmente a quem esteja vulnerável. lidar com o estado vulnerável em público, encontrar uma forma em que se acredite e estar sempre suscetível a ir mais longe no que atos produzem, atos que produzem barreiras. mas também abrem brechas. craquelê.

  • miolo

    costurava vozes e engasgava ruídos em sonho e em situação. sim, sonhei em situação, que se estendia até transformar algo potente em intensidade demais, ruído demais, então acorda. corpo dolorido, vai se reconhecendo nas dores, resgatando cada processo que enfim desembocou em – massagem. curvas que doem e fazem barulho, e assim cura, processo de cura, retorno às espirais que tanto me cultivam e me fazem estar em prumo. não tem persistência na aula porque mensalidade, mas o corpo vai aos poucos ganhando memória.

    da última vez que caí de bicicleta fez uma surpresa meu corpo – ele já sabe girar e se esquivar ao máximo da queda, aproveitando o impulso pra subir. rolamento, das aulas de contato-improvisação e kinomichi. ecos de aikido, que ainda não conheci em estado puro.

    obviamente me questiono sobre as divisões do tempo que faço e as relações que estabeleço. sonho que estejam próximas de algum zelo que não faça demorar demais. ninguém deseja que. ainda que o reconhecimento de que alguns processos demandam uma duração mais contínua, outros mais desenfreada, e por fim os processos lentos, lentos e fundamentalmente importantes na composição da narrativa.

    costuro. começo a costurar. da manutenção básica de tempos em tempos, necessária para o bom funcionamento das máquinas, óleos – eu só queria um cotidiano silêncio carinho gato afago comida quentinha e correr, pra sentir os músculos um pouco. sem fumaça de carros. qualquer lugar.

    só existem específicos e apontados com muito afinco, nada mais.

    memorar todos os dias.

    o sonho em matéria de chão era bem aberto, talvez excepcional, ou algo de excepcional ocorria. união entre lugares, referências, pessoas de esferas austrais e música. em tudo de excepcional haverá música (ou silêncio)

    braços abertos \o/

    mentiras vocês contam toda vida, e então acreditam nelas. um buraco asfáltico assim se cura? pontaria. tentam muitos, assistimos, criamos mídias bocados para silenciar e para vociferar, todas medidas. tornam mentiras também, as mídias. sobrepõem em camadas.

    o corte, o corte é a medida. meio de existir em camadas mas saber acessar – onde estará – a curva

  • ras go na parede / ras par o chão

    há o viver espalhado nos cantos.

    composto de ataduras e nozes, que se emaranham em galhos, pois dedos; abraços.

    compor o que se expôs de vez. não tem mais volta. artemanhas, manhaduras, sobremanhãs sem hora e sem sossego, semdormir: aqui chove, enfim.

    antebraços, solfejos, cachoeiradura, caminho de horta. cidade gigante, sem vez. ano de finais brutos, de sobredomínios, de sobrevivências. de ambivalências vorazes demais sem rir. sem tempo para demoras. sem ávida lucidez. unsamigos.

    sem brutaforça e brutaflor feliz. sem sonhos. sem costumária luz que sustenta, respiros. no lugar disso, um abajour quebrado. cobranças.

    a festa foi linda!, foi, aqui se paga. é o comum enviesado. aqui se inventa modos. aqui se fabrica lucidez comprada em uma gourmet shop empacotada em papel reciclado. aqui se cobra caro.

    as flores, atrasam. as brigas chegam. cabem inglórias, por entre as frestas das plantas já sofridas, quase mortas. haverão de sobreviver. talvez tenham que pegar a estrada dali. comer poeira um tanto.

    as cores resvalam. parecem empobrecer.

    o ponto brota em porosidade infértil. agruras. refaz uns caminhos e traz de volta as mais tretas lembranças. soslaio.

    carece de literatura. para tecer pontos sem ar; aqui chove, agora.

    .
    .

    o solo começa a gerar, úmido.