enquanto aguardamos a tempestade, um avião cai. nesta semana soube de tantos mortos, afetos de amigos, amigos, afetos, atropelo, atravessamento, suicídio, morte súbita. não tenho todos os nomes, nem todas as informações precisas como se pediria saber, não quero falar sobre morte. estão aí. os acontecimentos.
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sinusite
silêncio e mídias sociais
como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.
existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.
silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chip intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.
mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.
se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cámbios, cámbios.
e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se fala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.
fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.
sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.
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versão dos presentes
é preciso uma calma. te entendo. e como dizer que, isso, agora? é. é bonito, também. apaguei na rede da sala, hoje à noite, cansada. que domingo..
me parece que a resposta, o breve vacilo, o medo/desejo surge com mais força quando chega a resposta do outro. que já era resposta antes, é um belo embate.. feedback, trocas. coisa alegre crescente cheia dos seus potenciais. então recuo, ponderação, releitura. são os tempos.
vontade carrega seus riscos, talvez seja isso que pretendemos controlar. mas oh, os riscos. são o frio na barriga!
acho que digo que sou tranquila se contar que os mundos se criam. eles não precisam obedecer padrões, são sistemas independentes e podem variar, são desenhos em papel em branco.. e mesmo que cada um tenha seus padrões e um repertório de ideias sobre o mundo, as coisas, as pessoas e como agem, é, é, as coisas não são estáticas. lembra quando eu falei que tenho um milhão de modelos e teorias, claro, mas que preferia não falar deles? com o tempo às vezes me rendo e acabo falando, e eles sempre me soam insuficientes, parciais, gastos.. ajudam a entender as coisas, mas talvez por definição as encerram numa totalidade. e isso é problemático, por isso que elas estão sempre sendo reescritas, ou não-ditas, por ora, aceitando metamorfoses.
[03/05/2010, 1:41 am]p.s. intensidade, ah.. dizem que existe um certo equilíbrio, e é isso que se busca, aperfeiçoa a busca, é bom buscar. se busca coisas novas, reinvenção, e todas as boas não são intensas? tudo uma questão de tempos. de ter calma correndo riscos; o tempos, eles são alegres
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miolo
costurava vozes e engasgava ruídos em sonho e em situação. sim, sonhei em situação, que se estendia até transformar algo potente em intensidade demais, ruído demais, então acorda. corpo dolorido, vai se reconhecendo nas dores, resgatando cada processo que enfim desembocou em – massagem. curvas que doem e fazem barulho, e assim cura, processo de cura, retorno às espirais que tanto me cultivam e me fazem estar em prumo. não tem persistência na aula porque mensalidade, mas o corpo vai aos poucos ganhando memória.
da última vez que caí de bicicleta fez uma surpresa meu corpo – ele já sabe girar e se esquivar ao máximo da queda, aproveitando o impulso pra subir. rolamento, das aulas de contato-improvisação e kinomichi. ecos de aikido, que ainda não conheci em estado puro.
obviamente me questiono sobre as divisões do tempo que faço e as relações que estabeleço. sonho que estejam próximas de algum zelo que não faça demorar demais. ninguém deseja que. ainda que o reconhecimento de que alguns processos demandam uma duração mais contínua, outros mais desenfreada, e por fim os processos lentos, lentos e fundamentalmente importantes na composição da narrativa.
costuro. começo a costurar. da manutenção básica de tempos em tempos, necessária para o bom funcionamento das máquinas, óleos – eu só queria um cotidiano silêncio carinho gato afago comida quentinha e correr, pra sentir os músculos um pouco. sem fumaça de carros. qualquer lugar.
só existem específicos e apontados com muito afinco, nada mais.
memorar todos os dias.
o sonho em matéria de chão era bem aberto, talvez excepcional, ou algo de excepcional ocorria. união entre lugares, referências, pessoas de esferas austrais e música. em tudo de excepcional haverá música (ou silêncio)
braços abertos \o/
mentiras vocês contam toda vida, e então acreditam nelas. um buraco asfáltico assim se cura? pontaria. tentam muitos, assistimos, criamos mídias bocados para silenciar e para vociferar, todas medidas. tornam mentiras também, as mídias. sobrepõem em camadas.
o corte, o corte é a medida. meio de existir em camadas mas saber acessar – onde estará – a curva
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nadando contracorrente, tranquila, de costas; o fogo aceso; os amigos presentes; a comida farta; o céu estrelado; os livros e projetos em prumo; as estórias; os jogos; as cores; as crianças; o tecido de pendurar; as danças, a rede, sambasadashiva; passado, presente, futuro; björk; os mapas; os tempos porvir; os vínculos alegres; o cultivo; a busca; o cuidado; o carinho; as estradas abertas; os rumos; as bagagens; as cartas; a mata; o rio, o rio, o rio
foto da Luiza Cilente no canto mágico da Luar, em boas-vindas ao 2020
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reverberar o entrave estilhaçar em mil formas
é não esquecer como ver o trabalhos das pessoas inspirava os meus
como cresci vendo arte vivendo floresta eu vou me tornando elas também
que a tristeza do mercado a correria das horas não estrague o brilho que é
perambular
que o corpo levante saiba se fazer errante
de novoreverberar o entrave estilhaçar em mil formas
eu não sou anzol
eu não sou cobaia
sou colheitasou processo envenerado composto de um tanto de pilhas obtusas
que sabe sair de si
sabe cavar
sabe inventar novelo de árvore sabe
encontrar os amigose fazer consigo
um mar vasto um milhão
de reais -
limiar
engole velocidade
luminosidade das bordasargumento
apalavra não cede
não é objetoabre
cosmologia da boca:
gosma faladaàs vezes, constelação
que se compõe
pelas calçadas
no fim de tarde
e de manhãquando cessam as vozes
e as buzinas
se transformam
em árvores -
sublevação
o gosto das coisas. o pensamento.
gosto de correria sem forma. gosto de lamento.
e refuta. e refuta. e refuta.
argumenta cinquenta vezes.
cadê meu gosto pra escrever.
gosto de cascalho. gosto – melhor que carro.
qualquer coisa melhor que carro.
qualquer coisa melhor que arguta. memória
.
.funcionário de empresa não sabe o que fazer com as férias.
tiraram-lhe a vida – só lhe restam as férias. marcadas uma vez ao ano.
agendadas com todo esmero, cinquenta mil meses de antecedência.
a empresa detém todo seu escárnio. a empresa é dona de suas botas.
pagou por elas.
o instituto dormente lhe diz para esperar, esperar que as coisas vão mudar
que vai chegar a aposentadoria e tudo será diferente.
engrenagem. pra quê.
funcionária vendo coisas para comprar na internet. qualquer coisa.
afinal, o dinheiro tem de servir de algo.
próximo passo, arranjar uma casa. tomar banho de praia.
.
.a lama nos meus calçados não vem da empresa. vem do solo.
o sol lá fora não ecoa na empresa, pois janelas fechadas, argamassa
ar condicionado, luzes brancas: muitas luzes
pintura nova, limpeza constante
funcionárias uniformizadas da limpeza sempre ao redor dos banheiros
(que vida)
pergunto a mim mesma o que faz um sujeito viver nesta condição
é claro que temos os dados sociais, estatísticos
sim, conhecemos umas vidas, umas histórias, mas
o uniforme da empresa
e a rotina e o ritmo de trabalho
e a total rendição do sujeito em troca de – um troco –
suas horas válidas
não vale um pelejo
.
.sublevação
supremo
instinto
de alguma coisa
(existir)
alguma coisa
que seja
vivo
respire
de portas abertas
e saiba o valor do solo
e das botas
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dirigir
eu respiro embaixo d’água
faço casulo comigo
desconheço onde habito
me faço em rasgorompante de primavera
a refazer articulações
quadradas, desmemoradas
creque, creque, fazem as pernas
o torso, o pescoço
tem caroçostremoço, tremeliques
da sampaula envergada
as memórias tantas
passearam por aqui
nos sonhos vagos
da membranacápsula que não se conecta
flutua, enxerta
uma cidade um quarto um telhado
um cantinho no mato, bem afundado
escárnio do dono
negacionismo no quintalas conexões enteladas
os olhos secos de luminosidades
eu sei que vocês sentem
também isso
reinventar
a vida o cotidiano os laçosmas a estrada
a estrada a estrada
compõe minha espinha dorsal
não o carregar tralhas infindável
da minha avó
a incompletude herdada como meta finalé um movimento em espiral
que torce a membrana
faz das costas um eixo
abre espaço
respiraa voz entalada
atochada e engolida depois de
se atrelar a uma circunstância
um velho sagaz um jovem professor
machocentrismo
não tem vezo macho que se hospedou
e trouxe uma pamelaânderson
a fazer sexo de porta aberta
o outro macho na sala
a casa toda povoada de machos
saíentreguei a casa
devolvi o dinheiro pro pai, um macho
que te ama, mas autonomia, meu bem
movimento, destino, caminho, método
quem pode escolheras rodas na estrada
não verás por aqui
não poderás pilotar
dizer tua vezquem governa é o rei
tarô me deu o imperador
patriarcado não tem vez
na minha voz entalada
patriarcado inventa
uma voz sem nome
e corre feliz
empossado
inglório