• casco

    lentidão,
    como é bonita
    a tua terra

    como tece o teu segredo
    entrementes
    toda vida

    como constrói
    um arbusto
    tão sereno
    que tudo percebe

    silencioso
    arbusto

    todavia
    carrancudo
    lento,

    ameno
    tão seguro de si
    tão tormenta

    terminaria todos os afetos
    encurralando aquilo mesmo que vi
    que vivi
    em um ato

    sereno,
    contudo

    um domingo
    no campo asfalto
    se nem montanha

    amor
    sobe
    atravessa
    todas as pontes

    desato

    desalinha
    os montes

  • sinusite

    silêncio e mídias sociais

    como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.

    existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.

    silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chip intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.

    mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.

    se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cámbios, cámbios.

    e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se fala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.

    fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.

    sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.

  • diversas formas de respirar

    o nó da saliva no canto
    da boca o gosto do resto
    na bexiga o canto
    ouvido aos pés e
    encanto
    brisa

    sabe o que eu queria
    mesmo era comer você

    você sabe, saberia, sempre
    poderia saber

    mas sempre
    acaso sempre
    esgote o bocado
    o entusiasmo mesmo
    que tanto toca
    a ferida o quero
    bem eu fiz por saber
    onde está

    ferido canto abrigo
    quem saberia
    você

  • olhos caídos em dezembro

    uma festa que não deu certo. um desejo contido. sufocado entre quatro paredes.

    duas imagens:

    (1) um quadro triangular, em 4:3, dentro dele uma escada velha de madeira, à esquerda. ao fundo, uma parede desgastada pelo tempo.

    (2) menina vai ao banheiro e ouve uma senhora falar. sai da cabine e continua a ouvir, ela fala de estrelas e lugares perdidos. e completa dizendo que os jovens tendem a confundir fantasia e realidade, o que pode ser perigoso e a preocupa. finaliza com uma satisfação: admira o trabalho dos jovens, e é tudo graças à tecnologia. À TECNOLOGIA.

    **

    o tempo me pede para escrever sobre o tempo que me consome e o tempo vasto que se perdeu nas memórias e que se sente na música que faz parar o tempo e bailar em voltas em saias que se confundem com meias que se confundem com beijos na boca. o tempo futuro é o que eu não sei mas os livros todos eles especulam, eles falam de crenças perdidas e espaçonaves, de andróides e mentes fora do corpo, os anos oitenta foram tanto. só suprimiria todos aqueles exageros banhados em laquê e centropeitos e mesmo alguns sintetizadores.

    o tempo em que durmo é que é passado em bocados, horas não sentidas, sussuros, cafunés-em-mim-mesma. acordo de lentes – que é pra inaugurar estas novas – e logo percebo; o quanto em vão, quantas vontades, e atropelos.

    resolução de fim de ano dá nisso, eu não ia fazer uma. eu precisava discorrer sobre o tempo e seria tão bom falar desse farfalhar das árvores daqui do bairro ainda que com o sol TÃO forte; do canto das cigarras não só ao entardecer mas várias vezes por dia. tem som de silêncio.

    falar sobre a aceleração neste fim de ano que é tão acelerado; na pressa se perde o sentido, na pressa as coisas vão caindo pelo caminho. dezembro cheira a nada, eu insisto mas não consigo, só tem som de cigarras porque eu ignoro os carros agitados e as compras intensas. por toda a volta.

    caio no mar. dou meia volta.

  • nos confinaram num planeta incerto

    gozar pelos caminhos

  • descaminho

    algumas coisas convergem para não colidir. an island shakes. universo florido num pedestal. glórias. desalentos. celebração numa floresta de cabos, demônios, inversões, acasos. invernos somos uns para os outros e tudo o que exalamos são vozes. imersões não consigo, tão fundo.

    eu deixo linkar e aqui não é lugar de esconder, mas expor, fazer. pressão demais. abre, mas abre pouco, que é pra continuar tendo aquele lugarzinho lindo que não sabe nomear, inventa, investe, coerção. de novo, o mergulho. ele se revolve. o som é uma mistura de muito do que eu faria e não faço, agora mesmo. simbólico caminho que trilha, esboça, atinge um caleidoscópio.

    não age e não procura. velozes vozes atravessam, não sei lugar. iria, mas iria mais bruto, embora desalinhe os abraços e admire mesmo a coisa como está. não é eco, se compõe um vocabulário de danças.

    tinha um mapa de lisboa na sala. intuito, acaso, descaminho. pegaria o avião. será fastio, desafio, vespa? impreciso de bocejos, gorjeio, minhas memórias. conheci o tejo, pelo mapa. dava margem e corpo a algo que nem imaginei, só esbocei em sonho. devaneio.

    existiam vozes que tocavam bateria, nozes diminutas que não permitiam porque ou assunto, mas faziam festa a cada vez que fosse notável, encontro. transformaria em obra, o encontro. mas nunca os tijolos iriam comparecer. faltava tijolo, diziam. só em outro país.

    o tejo, descaminho. as danças. eu vi você olhar e vi você buscar um lugar. eu estive aqui. migrei, mas sempre arbusto. perecível, passível de voltas.

  • casita armar

    casitaarmar

  • sublevação

    o gosto das coisas. o pensamento.

    gosto de correria sem forma. gosto de lamento.

    e refuta. e refuta. e refuta.

    argumenta cinquenta vezes.

    cadê meu gosto pra escrever.

    gosto de cascalho. gosto – melhor que carro.

    qualquer coisa melhor que carro.

    qualquer coisa melhor que arguta. memória

    .
    .

    funcionário de empresa não sabe o que fazer com as férias.

    tiraram-lhe a vida – só lhe restam as férias. marcadas uma vez ao ano.

    agendadas com todo esmero, cinquenta mil meses de antecedência.

    a empresa detém todo seu escárnio. a empresa é dona de suas botas.

    pagou por elas.

    o instituto dormente lhe diz para esperar, esperar que as coisas vão mudar

    que vai chegar a aposentadoria e tudo será diferente.

    engrenagem. pra quê.

    funcionária vendo coisas para comprar na internet. qualquer coisa.

    afinal, o dinheiro tem de servir de algo.

    próximo passo, arranjar uma casa. tomar banho de praia.

    .
    .

    a lama nos meus calçados não vem da empresa. vem do solo.

    o sol lá fora não ecoa na empresa, pois janelas fechadas, argamassa

    ar condicionado, luzes brancas: muitas luzes

    pintura nova, limpeza constante

    funcionárias uniformizadas da limpeza sempre ao redor dos banheiros

    (que vida)

    pergunto a mim mesma o que faz um sujeito viver nesta condição

    é claro que temos os dados sociais, estatísticos

    sim, conhecemos umas vidas, umas histórias, mas

    o uniforme da empresa

    e a rotina e o ritmo de trabalho

    e a total rendição do sujeito em troca de – um troco –

    suas horas válidas

    não vale um pelejo

    .
    .

    sublevação

    supremo

    instinto

    de alguma coisa

    (existir)

    alguma coisa

    que seja

    vivo

    respire

    de portas abertas

    e saiba o valor do solo

    e das botas

  • kinomichi (linhas)

    volante
    volátil

    kinomichi_1

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    kinomichi_10

    kinomichi_11