• onde está (ii)

    antes de seguir viagem
    eu joguei todos meus mapas fora.

    era uma coleção de mapas
    analógica

    uma pasta se fazia de abrigo
    estático

    de tantas cidades
    movimentadas

    e alguns vilarejos
    em mapas caseiros rabiscados

    (que eu amo)

    mapas de papel
    como aqueles

    que se empunhamos na rua
    no brasil

    nos acusam “turista!”
    e pensam que temos dinheiro

    é mais barato que um celular
    um mapa de papel

    não depende de conexão, internet
    nem energia elétrica

    mas um mapa de papel
    é um emissário de algum tempo que partiu.

    eu guardava mapas
    há uns 10 anos

    de ljubljana, de mauá,
    amsterdam, são paulo

    são paulo nunca cabe inteira nos mapas
    e nem tentam, eles existem pelos bairros

    tão pequenos que não dá pra ler as ruas
    não parecem ser feitos para uso

    mapas de rodovias, eu guardei
    remanescentes

    de um desejo já caduco
    de pilotar estradas

    (a carteira de motorista, depois dos trinta,
    à família que quis me perpetuar criança, até hoje)

    não me lembro se tive de goiânia
    tinha esgotado florianópolis

    mas eu tive uma blusa da ilha do desterro
    quando ainda não conhecia o seu nome

    era pequena, e podia-se apontar um lugar
    na barriga

    eu não gostava
    nunca gostei de brincadeiras de toque

    intrometido
    ainda que jocoso, piada

    é um corpo
    que devaneia sobre cidades

    e sobretudo pensa em percorrê-las a pé
    todos os dias

    enquanto não cabem
    maiores montanhas

    e rodovias.

    gosto de subir aos ares
    ainda que isso custe combustíveis

    mas eu fiz o feito tão pouco
    que não integro estatística alguma.

    uma esporádica prática
    alimentada dia-a-dia

    de estar entre os lugares
    conhecer as conexões

    os caminhos
    o nada entre os pontos

    a ligadura.
    o eixo

    que se espalha
    pelos mapas.

    longe do turismo,
    as bordas

    o encontro
    descoberta.

  • fortalezas

    escrever sobre um não-dito. escrever sobre um partido. escrever sobre uma cara lavada, encontrada no meio da multidão tentando ir pra casa. descobrir no meio da estória que a personagem não tinha modos, não tinha um facão, para cortar todo o mato em volta que leva à passagem do caminho. o cantinho no meio do mato imenso na multidão.

    na canção falava de pessoas-árvore, de onde saía uma cobra e então dissolvia. abria outra variação. no sonho contava laços e obras, pulando de pedacinhos, dormindo numa caixa vermelha, abrigada da chuva num lugar estranho, temporário, porém amigo.

    desconhecia os vestígios. no meio de uma urgência poderia esquecer a bússola, o facão ou algumas memórias essenciais para se guiar e traçar o percurso por si. ficaria então vulnerável, exposta a fatos e acasos sem ao menos uma ferramenta. serão sempre chances de se descobrir um desvio, um atalho talvez, mas tampouco algo que se queira desejar.

    no campo de plantações que encontrara no outono anterior, poderia visitar mais vezes, todos os dias talvez, mas sempre um obstáculo as ladeiras, e as relações que foram tecidas dentre, e as imagens evocadas por cada um desses eventos. mesmo um vídeo, cheio de sorrisos afeto e movimentos-percurso, foi acontecido, de tal mutualidade e desprendimento que permanece na ilha de edição, aguardando talvez um repente que irá trazê-lo a todo custo à vida, enfim à vida, ao fluxo corrente, onde não há receios de existir porque sim importa.

    importa abraçar umas mil vezes mesmo que seja uma obra, mesmo que uma imagem em si quase dança, pesquisa e plantas. sem o calor de uma pessoa, sem mãos que se tocam, sequer palavras que se direcionam.

    o que fere, na cidade, é a diferenciação. é o tanto do mesmo que se encontra e por que mesmo não os considero mais divertidos; me enfastio com certa agilidade de modos e gestos que outrora talvez não dissessem nada.

    pois me dizem, um nada tão absorto em si que não tenho coragem de prosseguir na conversa. fujo dessas vozes, porém me pergunto por que então a cidade, se há tantos contras com que se lidar.

    ora, me disse um monge uma vez, lá no fim do asfalto: esses mundos imaginários só irão perseverar se assim persistir. e não se pode persistir sobre estradas abstratas, vencimentos colossais que não se sabe como, invenções de cotidiano e obras que só existem em planos astrais.

    se tens tu uma terra, ou tens tu um tempo, e tens tu uns amigos, podes inventar música, podes prescrever um cotidiano para si, mesmo que para isso seja o caso de adentrar outros caminhos, não saber responder todas as perguntas, mas desenhar com o corpo um descaminho pervertido, astuto e esbelto como só serão as cobras!

    holograma, pois subia entres as névoas, tal como em paranapiacaba, eu não saberia nomear os montes.

    sei de montes de mil relvas, mas não aqui. e daquilo que só sei de hábito, importado não sei de quem, ou do que só vi em foto: inventaremos, perspicazmente. mas no momento só me ocupo de inventar uma dobra.

    se haverá frestas, oh, sim, e frutas. será propulsão de um ninho, de um partido talvez, mas do tipo que vai à rua protestar e mil ocupas. e que sabe configurar cabana de modo a fundar um assunto. um plano de mil vozes e fortalezas, gestões compartilhadas, recolhimento de vacinas e pés que energicamente sobrepõem telhados. se o cimento chegar, vai ter floresta!

  • sei subir montanhas

    um boas vindas a toda energia pulsante. é engraçado que intensidades parecem passar como nuvens correndo pela janela do trem, deixando uma sensação de presença inexprimível em palavras. é que a inspiração espontânea passou, mas sei que ela está, sei que é de alguma forma constante e evanescente em sopro.

    desaprendi as formas de falar olhando pra trás. me soam como sutilezas, atitudes que não quero, e é só fechar os olhos e ir. não é tão simples dizer, mas tem algo de diferente no ar. não me sinto capaz de cair tão baixo quanto cairia seis meses atrás, um ano, 12 anos. sem datas precisas. era turbilhão, montanha, tragédias súbitas e rompantes, leite derramado, cadernos apagados e lágrimas de escorrer pelo chão. depois festinha, forte, súbitos. dor de intensidades.

    é um não pensar, mas é mais longe. uma espécie de sensação de ‘sei subir montanhas’ e as subo, medindo as horas sim, com esforço, pra não deixar passar. a descoberta da medida é conhecer o prazer de se orgulhar de si mesmo. não mais agruras, mas dimensões.

    aceitação das horas turvas. não tem melancolia, solidão. por quê? tem tanta coisa que eu quero fazer, tantas montanhas pra subir. are you experienced? i’m an expert. voilà.

  • zelo

    é bom que ele esteja na superfície. faz tocar.

    dongos, bongos, sinos. velhos sinais vultuosos de dormências profundas, de presença ainda que inerte. interage como ausente, ou quase, escuta – não lá.

    toque. vaz, vrum, vibra entre suntuosidades, chupa um grelo, eu sei lá, feliz.

    não pensei, fiz.

    assim se compõem todas as maravilhosidades que nos acometem. acontece. faz. há.

    extremo, voz dormente do sossego, que acorda e flerta com o gozo – alegria suprema, não toca. beira alguma coisa, ri, rotundas suspensas no ar

    beijo uma alcova, atenta,
    abraça meus galhos em total entrega, é bonito demais!

    some. vazia.
    algozes fariam, paratudo

    (diversões esmos festas contínuas compõem arestas, zelos. amigos, flui)

    música é só o que está vivo
    necessita
    pergunta o que faz além de –

    corte
    corre

    é tão paralelo que talvez nem
    compreenda

    ou se ocupe de
    exercer

  • sobre pronomes

    se sou como me vejo

    e o mundo me vê
    rapidamente,
    classificando por padrões

    – aquele, ou aquela
    – (?)
    (gosto tanto mais da confusão)

    a/o

    e – vi o dia em que, sim, alguém
    (no que parece) me vê
    !

    família não
    professores, não muito
    invisíveis pronomes
    coloquei, eu falo, tá lá

    do nome
    ou pelo nome
    apesar do nome
    com o nome
    com meu nome
    (que me deram)
    eu sou?

  • departamento de outridades bélicas

    departamento de ambiguidades & perseverança

    departamento ali (sem resposta)

     

    rio de janeiro: suor
    rio de janeiro: esperar acabar o verão para viver (ñ consigo trabalhar)

    moleza sobriedade queria estar transando queria estar na cachoeira dançando mil grau mas escrever também me preenche me alegra, SÓ QUE — ñ dispomos de ar condicionado, senhor

    a arte a lembrança a viagem a torrente a floresta os términos, os fins

    dry martini eu gosto festa sim já foi mais simples já

  • escrever para ninguém

  • eixo

    pensar o texto em termos de forma. “esse tem ondas”, “esse faz uma curva bem atrás”, “estrutura que parte de três tópicos, que na verdade são três manifestações diversas de um mesmo modo de pensar, em diferentes níveis, talvez”. tá muito abstrato? bora repensar.

    a emergência do novo. como se contamina.

    não dá pra falar da criação de mundos sem pensar que os elementos recombinantes devem fazer parte de um mesmo ambiente aberto. contexto.

    abraçar uma ideia: implica em quê?

    os conflitos são de certo modo reconfortantes, se os praticamos mansamente todos os dias. avançar.

  • marte em câncer

    mesmo com tantas imagens férteis

    ainda que solitárias

    se fechar é a única coisa que resta

    a quem estátua está

    encolho, maledicente, movediço

    fora do alcance

    que só se dá a dizer

    quando vem reclamar

    indivíduo

    uno

    guarda briga

    < uma cachoeira se ergue aos meus olhos está ali não é para mim tampouco a comunidade: sou um fantasma >

    um monstro que repara a dívida

    enquanto faz caminhar os prantos

    não sou alma que recolhe

    não sou arbusto

    sou caramelo informe

    alma que celeste

    chão duro

    voltagem

    entrelaçante, amante, lívido

    tuas costas não sabem o preço dos meus anzóis

    também pudera, nunca quiseste caminhar junto

    faltava desejo

    a mim sobrou vontade de novelo

    de festejo, mereço

    necessidade pulsante sortida

    perdida a disputa

    desalinho