• corpóreos

    preto pretofurar vermelhobases1 vermelhobases2 vermelhopilaresimagem

  • reverberar o entrave estilhaçar em mil formas

    é não esquecer como ver o trabalhos das pessoas inspirava os meus
    como cresci vendo arte vivendo floresta eu vou me tornando elas também
    que a tristeza do mercado a correria das horas não estrague o brilho que é
    perambular
    que o corpo levante saiba se fazer errante
    de novo

    reverberar o entrave estilhaçar em mil formas

    eu não sou anzol
    eu não sou cobaia
    sou colheita

    sou processo envenerado composto de um tanto de pilhas obtusas
    que sabe sair de si
    sabe cavar
    sabe inventar novelo de árvore sabe
    encontrar os amigos

    e fazer consigo
    um mar vasto um milhão
    de reais

  • a boa ação das borboletas desviantes

    a rota de colisão traçada pouco a pouco revela uma chance inacreditável.

    no ar se encontra, com os pés bem fincados no chão, observa: necessidade de agir.

    a boa ação configura um ápice, o momento máximo de entrega e não-mais-questionamentos.

    restam o pó, as árvores e alguns objetos cortantes.

    cá embaixo um caracol enauseado rodeia, rodeia e não encontra um final feliz.

    seria um bug de software, um emaranhado de situações?

    pensa em dormir, dorme.

    a boa ação foi subordinada a uma idéia, duas, por fim já não era mais dela: pretendia pertencer ao mundo, mas este é um conceito ultrapassado.

  • feitura

    esse texto não é meu.

    a reclusão não foi premeditada.

    férias é comum, quase todo mundo tira. mudar de espaços é normal.

    procurar ordenação no caos, todo mundo faz. melhor que jogar pela janela (e se janela houvesse para).

    não pode parar e procurar tudo de novo, achar que com vazio reconstrói tudo? talvez. mas é difícil que dói.

    – se doía antes!

    – sim, doeu.

    joalheria. cor de joelhos e açúcar e lentidão.

    – tem amigos artistas, mas se é artista?

    – tudo questão de concepção.

    – assim como conceito?

    – como conceitura, de feitura, processo.

    – ah.

    – você não entendeu.

    – como você sabe?

    – dá pra ver.

    – tura. tinha um parágrafo grande do cortázar sobre as turas. eram muitas. grandiloquentes. importantes pra vida. talvez inevitáveis. olha, estou relendo cortázar.

    – reconstrói e relê cortázar?

    – reedito vídeos também. ou melhor: reedito ideias antigas em vídeo. às vezes nao sei se elas querem ser vídeo ou outra coisa. mas tento vídeo, que como texto pareciam ter menos dimensão. existiam, lá, na página do caderno. se uma ideia é boa ela merece talvez mais que uma página de caderno, não acha?

    – depende do caderno.

    – com certeza, mas é uma questão de dimensão. e de envergadura, de quanto tempo eu passo olhando para ela, até que se transforme em outra coisa.

    – parece que é importante construir esses espaços de visibilidade, não é?

    – sim, mas, também, de certa forma já houve o tempo (esses primeiros meses) para se dedicar às aspirações, contornos e toda essa papucaia. em suma, à hibernação. com ela vieram uma série de coisas, que talvez pareçam inconclusas à quem primeiro ver. pois não é melhor aceitar logo duma vez que todas as coisas sofrem de incompletude, em maior ou menor grau? porque podem sempre prolongar uma membrana, deixar nascer mais um elefante entre os dedos. se faz mal? pode fazer, depende de como você ordenar. como um enxerto de planta. se mistura, tem que cuidar pra não corromper. senão, o braço cai.

    **

    e outro dia alguém me pergunta:

    – você nunca fez chá de fita, inês?

    – …

    que coisa é essa que faz a gente decretar abandono de umas coisas frágeis que um dia fizeram parte do que somos? pois se ainda somos, ainda fazem parte. talvez umas coisas com imagem, travessuras, modismos e construções. sim, é isso: você de repente se dá conta de que precisa construir, e para isso invariavelmente irá deixar de lado algumas coisas. curadoria, seleção. com justificativa e conceito, que vai se formando. procura uma imensidão em coisas súbitas, se traveste, muda de grupos, joga tudo o que tem no quarto fora. precisa viajar pra saber ver de novo, para saber ouvir. precisa chorar distante, às vezes, precisa pegar um avião e dar umas boas gargalhadas, se sentir leve outra vez.

    – ver nuvens e malhas molhadas. nunca me esqueço de veneza, vista do avião. umas terras alagadas. as pessoas falam, é claro, mas ver de perto é outra parada. eu fui lá, pôr o pé numas terras alagadas. vinha dos países baixos, que também têm uns tantos canais e se constróem em artifício sobre um terreno que é abaixo do mar. que loucura, esses artifícios. no meio do caminho atravessei as planícies enquanto lia moinhos de vento pela janela, e minha carona que só tinha sorrisos para comunicar. foi bem feito, 10 horas de trajeto porque tinha trânsito, e possivelmente a única viagem de carro da minha vida em que não enjoei. e nem podia, não tinha curvas! que loucura, esses países de planícies sem curvas. concluí que burger king devia ser o graal de lá.

    – esses seis meses eu vou viajar bastante. não sei manter esses fios tortos abaixo dos pés – faz sentido?

    – se faz. e você pode viajar?

    – como disse: é uma questão de envergadura. preciso dar dimensão. tem vezes em que as distâncias daqui ficam curtas, dóem demais porque perderam o traço ao caminhar. dureza de transportes, de decidir, de coisa morta. círculos concêntricos que me medem as pernas, às vezes caem. daí que é só mover uma folhinha amarela que pronto, talvez assim a máquina volte a funcionar.

    **

    para participar da representatividade das coisas sólidas, apareço. talvez só seja possível o jogo dentro dos espaços, mesmo que – mesmo que tudo. fincamos o pé, não se sabe por quanto tempo, para mais um rolê dos espasmos coletivos. entre vozes alertas e absortas, inundados de travessuras e comércio.

  • ponte

    uma cidade que começa com uma ponte
    ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
    um monumento ao espaço.

    ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

    escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

    vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

    terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

    para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

    são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

    bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

    aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

    a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

    porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

    teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

  • brilho

    sobreposição de montes, desta vez novidade;

    aprender a mover os montes um por vez. os cascos.

    astutos montes concedem abraços.
    acolhi.

    acolhedores cantos de tanta lucidez,
    sem firulas,
    com respiros,
    sem bocados,
    entredentes.

    acolhedores montes de tantas mantas
    cem invernos
    toalhinha

    praia no inverno entrecantos
    – um ritual de chão,
    lá em casa.

    escopo de porventura
    sossego
    se entende o que vem e deixa o que vai.

    sem erro.

    compreensão do esforço e do zelo
    cada qual se encaixa
    aquece
    por merecimento

    o tamanho das palavras
    e todos os silêncios imagéticos
    mesmo os sem imagem:
    só silêncio
    às margens.

    vento que tem campo
    e canto
    aberto à construção de
    flores
    e à recepção de
    sementes

    construção
    invento.

  • roupa

    ritmo, tessitura de tempo reverso.

    composição de nervura; processo.

    lavar roupa como prática artística. lavar roupa como gestual de braço, força pequena, corpo em riste cotidiano. lavar roupa como prática subestimada em todos os tempos de correria urbana. lavadeiras, seres rurais.

    – por que você não compra uma máquina, inês?
    – mas e sentir o processo, o fazer? o tempo é outro, não?

    (isso vale para tantos degelos de dobras, tantos variantes da mesma partitura)

    testo um ritmo; leveza. quando pesa revejo os trejeitos, penso se cabe um pouco lá, por fim cedo. às vezes o rumo é ceder, sem invalidar o processo.

    um ano inteiro lavando roupa na mão. arreguei por duas vezes bem esparsas: levei roupa pra lavar no rio de janeiro, carregando na mala. não tenho tempo, aquela frase tão sem vazão.

    não ter tempo é não dispor de si mesmo, não ordenar bem as coisas, priorizar sem saber como.

    (sabedoria de tempos mutantes, sempre se faz, se recomporta)

    aprendo tanto com gestos cotidianos, uma casa que se faz, precisa se fazer do zero, ponto de partida mirim para tantos gestos maiores, relutantes, aprendizes gigantes.

    mais difícil entender o que vem pronto, o que chega benfazejo de durezas de formas e poucas brechas entre azulejos para composição. gesto é composição, é cuidado, olhar o terreno e entender como ele te abraça.

    como se faz um abrigo? com que autonomia posso cuidar de um sustento?

    (não será com braço alheio, não será sem chão)

    (é quase música; repito, enveredo)

  • conto coletivo (na lapalumiar, amigos)

    até hoje, enquanto estive lá fora
    as era tão estranho que não ousaram pronunciar e
    do ponto 0 talvez seja possível chegar à ebulição
    que era da mesma maneira que tudo se refletia ali

    o casal causou na praça
    num espetáculo utópico de satisfação e deleite, quando num susto…
    um, dois, às vezes três…

    tudo começou a ficar turvo, até que não restou nem a sombra no asfalto quente
    fazendo da lua a sua pele preferida

    pestanejou.
    e nua correu por campos precisos e verdes…

    por: lu-lu-in-an-lu-?

  • a bailar (xilofones)

    caçadores de mentiras
    espalham-se como ratos, como pássaros
    ululantes em céus de verão
    e em invernos.

    o ano todo
    a expor suas criações inéditas
    fugidias e pretensamente
    despreocupadas.

    costuro idéias
    de cores celofanes, bem longe dali
    todos os dias
    todos os dias
    pra espantar as memórias
    inóspitas.

    lembrar de futuros distantes
    onde histórias
    são criadas para entreter furacões
    de infâncias perdidas
    gastas em preocupações
    tão corriqueiras.

    ideias de gênios passantes
    com cachorros a tiracolo
    animais pitorescos
    fantasiados de carnavais
    por vir!

    xilofones de montão
    pra entreter
    tanta gente.

    (!)