fala


1. as mãos conversam em ações realizadas na cantareira, à ocasião da imersão do lab com carolina sudati, luciana freire d’anunciação e josé artur campos, cujos resultados foram em parte apresentados na troca dois, capital 35, em 29 de outubro de 2016. esta fotografia faz e não faz parte dos verbos.

2. ademais, vemos tudo ao contrário.

cerco.ligadura (entre árvores)

com uma linha azul, delimito uma região marcando pontos ao longo do percurso, com pregos grandes, no chão de terra e grama. tramas são traçadas, inventadas. caminhamos pelo espaço, caminho. a instalação fica lá até que algo ou alguém a encontre. um desenho semivisível no chão.

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ação realizada no parque do ibirapuera, são paulo
durante o MATO: sobrevivência e performance
10 de setembro de 2016

curvas

conjurar sistemas em meio às turvas águas de verão. chuva de verão é tão bonito.

faz seis meses que habito a cidade dos carros. me vejo atravessando viadutos gigantescos a cada dia, pensando em como construir mini cisternas em apartamentos, admirando casinhas num bairro bem perto daqui, de um mirante que traça a rota da horta comunitária descendo escadas preenchidas por graffitis coloridos.

não é só cinza a cidade dos carros. o caso é que me parece que tudo aqui se intensificou, e há mais tempo: há poucas brechas, nesse trajeto tão corrido, para refletir sobre os porquês dos sistemas vigentes. e, agora que quase não há mais água (no céu tem de monte), começamos a pedalar e cuidar de construir outros meios com mais afinco, a espalhar essas cores por aí. umas que, de fato, já lutam por seus cantos e contaminações lúdicas não é de hoje.

um embate confuso é: como ocupar as ruas (com passos, pedestres, ciclistas, crianças, festas, encontros, pessoas, vidas) sem que usem tais ações como alicerces para gentrificar. daí vêm aburguesamentos urbanos, progresso, terríveis prédios e demolições. gentrificação se tornou a primeira palavra de nossos dicionários de resistência, por necessidade, já faz alguns anos. para evitar a todo custo. sem deixar de ocupar.

[apropriadas serão todas as palavras: atentar para equívocos e truques ligados a ocupar e revitalizar espaços. e afins. e outros.]

de intensidades e reflexões: por mais que em distintas proporções, há bastante de ambas. corrijo. talvez, não necessariamente relacionadas. talvez o grupo de pesquisa só ande de carro particular. talvez umas figuras maravilhosas, ciclistas e horticultores, passem décadas de suas vidas gastando praticamente toda sua energia (física e espiritual) numa hipersaturação de festas ininterruptas, imagens ininterruptas, discursos fragmentários num fluxo sem fim. talvez, a ideia de tecnologia ainda demore muito para ser vista sob ângulos diversos, questionada a todo tempo sob o ponto de vista da necessidade (dentro da máquina de criar necessidades; no seu centro conflituado, cidade).

vista do edifício copan, são paulo, 2014

é demanda pessoal a confluência com florestas nesse percurso tão confuso, tortuoso, cheio de bifurcações. coloco assim para evitar questões maiores (mais silêncio, menos intensidades sem fim, pode ser uma necessidade de momento e pessoa, ou algumas pessoas e alguns momentos, enfim).

fato é que florestas são importantes para um sistema maior e mais fundamental de sustento da vida, algo visualmente tão distante, não raro, num cenário acimentado e controlado como este em que pisamos. por isso acontecem desconexões. interesse por natureza mediado por drogas sintéticas. interesse pelo capital que se sobrepõe a todos os outros. e inúmeras variações. em algumas delas, é possível um respiro, um ponto de fuga de onde emergem frutíferas ações.

enquanto isso, a cidade se expande, se mantém engarrafada, contínua. penso em como usar melhor o tempo durante essa estada, etapa de uma construção maior que talvez apontasse justamente para agora. ir para o olho do furacão, absorver e conhecer uns tantos interstícios e meandros nada simples. desse solfejo, da amálgama construída, gerar um sustento, encontrar abrigo, levantar faíscas, organizar.

08012015

sairlugartrans

vocabulário político para processos estéticos >>

“como falar dos processos estéticos que nos transformam em nossos cruzamentos com a política?”, diz o vocabulário. ritmanálise, incita o vocabulário. precisa de escuta, escutamos. processo coletivo, publicação em curso. o lançamento oficial é neste dezembro corrido (e corridos são os dezembros, todos, desde a invenção do calendário). ou no janeiro que o segue.

dezembros e janeiros quentes como hão de ser os vivos gerados de reuniões cariocas, compostas de vozes múltiplas, em vibrante consonância de mosaicos, diagramas. reflexões muitas, começos, trajetórias, pensamentos sobre manifestações e em ruas manifestas, saídas a campo, percursos, comida, festa: tudo isso, e tanto. logo sai, taí.

contribuí em presença, um site e três textos feitos à mão para o vocabulário (sair, lugar e trans – um radical livre que possui dobras, desdobramentos). mais um entrou e se chama travesti (lá são manifestações: travesti), já publicado neste espaço. escrito nos calores de julho do ano anterior.

abaixo, replico um pouco dessa contribuição. claro, lembro, a forma livro, o texto em coletivo, o composto político estético que formamos é outra coisa, força em riste, objeto e ação ao mesmo tempo. é fala. aqui, cabe um mero registro, um fragmento:

sair
lugar
trans

//

sair

Inez saiu dizendo que ia comprar um pavio
pro lampião
Pode me esperar Mané
Que eu já volto já
Acendi o fogão, botei a água pra esquentar
E fui pro portão
Só pra ver Inez chegar
Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra rua feito louco
Pra saber o que aconteceu
Procurei na Central
Procurei no Hospital e no xadrez
Andei a cidade inteira
E não encontrei Inez
Voltei pra casa triste demais
O que Inez me fez não se faz
E no chão bem perto do fogão
Encontrei um papel
Escrito assim:
– Pode apagar o fogo Mané que eu não volto mais

(adoniran barbosa, apaga o fogo mané, 1974)

 

baratinada, atordoada pelas constantes mudanças e transformações. ao mesmo tempo entusiasta, enxame de possibilidades geradas pelo tempo que abre uma nova camada de espaço/lugar, novos planos, desandos, perambulâncias e afazeres locais.

sair é intimamente ligado a lugar, sair como espécie de fuga premeditada, sair como vontade de sair do lugar (“mexe essa bunda da cadeira”), sair como solução aparentemente fácil (esvair-se da presença, não lidar com); sair é ir, é partir(-se em pedaços? pulverizar), algo referente a circunstância, uma necessidade, um meio.

sair como uma intenção de lugar. realocar o corpo ou um estado, o sujeito, para refazer sua potência, para entender-se de novo, para alhear (imensa necessidade de alheamento, tantas vezes se faz)

sair implica em movimento: mover-se pelas próprias pernas. tomar iniciativa de, encontrar ou procurar um rumo, pôr-se a caminho

(duros empenhos em sair do lugar)

lidar com a hipótese de fuga é de algum modo mais fácil que lidar com a ação. que precisa de tempo para compreensão, implica em processamento (de dados, de mudanças, de estados de corpo e cansaço). zerar as possibilidades é um fetiche que, diante de algo duro, se refaz constantemente.

– e se eu, simplesmente, saísse daqui?

sair como ação impensada, tomada de posição, absurda ação mesma que não se define, como se simplesmente sair se faz

(e então, estado presente que atormenta, algo a que se quer abandonar)

pontapé para o infinito, atadura. semmãos, semmedo, mmordedura. coragem, aquilo de que tanto falam os clássicos romanescos sem era, que se sobrepõem a uma realidade turva, demasiado complexa para nossos contos de fada caninos. anacronismos de infância, maus adestramentos. depois de um tempo, os embalsama todos e transforma em leituras de maniqueísmos diversos, notícias sem profusão nem densidade, as quais só se lê às partes. reitera discursos ou cria coisa alguma, mas segue algum rumo estrito que supostamente se concretiza. ou não, engole a rebelião e bate ponto no escritório, todos os dias, eis o método que seu pai lhe ensinou.

fuga estaria adoecida pela vontade de escapar, impulso dormente que não tem lugar? abstrata palavra sair, enquanto que fuga apresenta forte oposição (como fugir de – ou fuga, substantivo, algo que acontece ou se sucedeu). a fuga antecede a memória, esvazia-se em ato: simplesmente ir, fugir da coisa, sair do sistema, remodelar ou implodir tudo em fato

(esvair-se do sistema é algo absolutamente sedutor e iminente; difícil concretizar)

da vontade de sair e do semmedo da história, da fuga que tem por desejo existir, há em tudo uma propensão a um fora, um desejo de alhear disso que aqui está

(como um estado de coisas que se altera por uma ação, por mais que esta se faça em abandono)

o truncado está aí, pois se sistema nada faria para tornar fáceis as medidas, codificáveis os modos:

– e quiçá existe um fora?

ou o fora ele mesmo já está dentro? faz parte de um comum que a tudo se esquiva e penetra?

entranhas nervuras e atravessamentos, outrora solfejos, coisas que não têm lugar

permeios e sucessões esquivas irá, irá, encontrar um morcego em um lugar sem hora, sem memória, fora de linha e calado de números, talvez,

liberdade turva só acontece quando não se vê, quando alegre mentira costura sossegos onde quer que se vá.

sair, contudo, ainda é um meio que se faz.

nem que seja para alterar lugares, contaminar uns com os outros, colher um a um. e não deixar lugar.

(identitárias vontades explodiram no ar)

**

lugar

1. se existe alto e baixo, direito e esquerdo, frente e verso, existe um lugar. 2. se onde havia uma coisa e existe agora uma outra, existe um lugar. 3. se há um corpo, há um lugar. 4. se cada corpo está situado em um lugar próprio, existe um lugar.

[sim, aristóteles. recorrer às bases, mesmo que as sobrescreva depois.]

artefato. povo construído. lugar errante.

de imensidão só lhe restam as botas, de tantas viagens por aí que gastas as lembranças fico, paro com o intuito de me recompor.

imaginar um terreno que não seja matéria de composição mas desastre, atraso, atalhos mesmos que furtivos só guardo em memória. as técnicas de sobrevivência variam tanto. o lido com os lugares, o tratamento, o embate cotidiano e as danças.

é de madeira o chão, telhado inclinado, construído com as próprias mãos. prever o mínimo de interferência no ambiente, de verdade. floresta quando penetra a casa e transforma ela mesma em um labiríntico desafio que traz conforto, diverte. põe para secar ao sol o que sobrou de antemão, enche de água o que se quer cultivar. observa.

para os estoicos, o problema do lugar está ligado ao problema do movimento. um lugar é concebido pela transição dos corpos que por ele passam. tal como em aristóteles.

( )

delimitações. um lugar é um intervalo? uma posição.

territorialistas dirão, este é o meu lugar. distinção por entraves, catracas, limites desenvolvidos arbitrariamente, gerando a noção de propriedade. lugar tem dono?

diria a terra. um pedaço de terra, um lugar. matéria pura, compreendida em consonância com o que há em volta. música. estrutura, movimentos sistêmicos que cumprem rotas em variação, caminhos, danos, elevação. cíclicas voltagens, antes mesmo de construir.

do limite surge o referencial. talvez, de um terreno preciso. para ele são traçadas rotas, mapas, são criados mitos, memórias. formam-se famílias, redes e articulações organizadas por sistemas de parentesco, continuidades. talvez então isso: ao invés de cercas, noções de assimilação em grupo. contiguidades, modos de fazer e habitar.

um dia, emitem um protocolo, pisam em qualquer noção de hábito, mesmo cuidados. alheios são aqueles, os que não decidem os rumos do lugar. montantes outorgam demolição do terreno, inventam de substituir as construções. dizem: “é a modernidade!”. despropositadas ferraduras, racham o chão.

os sem medo, enfrentam. “é por uma noção de pertencimento, pelo direito que chutam a pontapés. e onde construir, então?” umas vidas. uns sossegos. uns hábitos, que elétricos, flutuam. atravessam paredes, rompem territórios, emanando flores por onde passam.

**

 

TRANS-

conceber um SAIR do LUGAR implica sob certo sentido em uma superação. como ir além da experiência anterior; um ponto que impulsionado por MOVIMENTO gera uma outra situação.

transcender um momento disforme, pouco funcional, mambembe. desfazer uma certa dormência, reentender todos os processos. misturar a disposição dos intelectos.

uma bússola revirada, e revigorada.

em viagens recentes fiz questão de carregar uma bússola, companheira tão amiga quanto a lanterna e uma mochila gordinha, um pouco alta. apetrechos úteis, talvez neste caso ainda mais úteis enquanto ideias de viagem, desejos de nomadismo. vontades de incorporar um personagem explorador: expedito azuis, aquele que age, despachado viajante. procura caronas, aprende a voar. povoa de cores e florestas uma paisagem, ela mesma enquanto imagem de sossego e desafios, abrigo, localizada mais DENTRO do que FORA, para falar de coordenadas. desejos, como as praças e os lugares, se confundem. nada é só um mesmo, coisa afável e distinguível das demais.

ir além implica em transitar. na contramão dos engarrafamentos*, caminho sem pressa, atravesso pontes e escalo prédios. se trata de superar expectativas, por adquirir rumos truncados, incertos demais para especular. nada mais que um treino, até que saiba não existir em espera nem planejamentos complexos, mas sim em processo, corrente, que flui e escorre das calçadas, só anda a pé.

de uma precisão de rejuntes: extrair a simplicidade das coisas. descomplexificar, como um processo químico. para tal, é necessário desprogramar, repensar todos os sistemas e métodos vigentes. desordenar. haverá necessidades de; e se fizer de outro modo; se é verdade que preciso tanto; o solo mesmo não se refaz? composição. assimilar as cores do local, a partir dele construir e só. em volta, são tantas as coisas que estimulam a perda sem rumo, o caminho mesmo do cristal, do arranha-céu com tv de plasma e correrias.

transição. transitivo transitar dos entes mistérios, minérios, ritmos próprios constituintes da tábula rasa da monotonia. monotipia, rumos em vão: tantas técnicas e só vejo uma cor. ruído de voltagens, confunde nossos cérebros.

x

trans é um radical queer. que se situa para além dos sistemas, da compreensão costumeira dos entrecoisas. costura bordados e ri do próprio desatino, desconversa, nunca se saberá ao certo onde vai. pode assumir caracteres absurdos, atravessar a amazônia, se transformar.

transtornos são possíveis, aspectos sinceros que vêm à flor da pele, se perdem. água e animais, super gêmeos ativar, sempre outra coisa que não a esperada. x, que não tem gênero nem classe, assume formas variadas de acordo com a situação. estratégia faz parte de sua estrutura desestruturante – preparada para transcender as maiores crises, entrar em transe, alucinar.

 

* processos lúdicos que implicam em engarrafar carros e pessoas, como consequência de um equívoco histórico. são intensos, memoráveis e até mesmo hilariantes, tão presentes no cotidiano de cidades populosas. paradoxalmente, quando se procura saber a respeito do estado dos engarrafamentos locais, fala-se em informações sobre o TRÂNSITO.

sustento: folha, linguagem

bambu0001

A ser executado em sítio específico, no período mínimo de dois meses

: Exploração. O ambiente, em seus aspectos imediatos e naqueles ocultos à primeira vista. Biblioteca, quarto, cama, comida, pessoas, trilhas, percursos, árvores, paisagem, conversas, textos, livros, ar, rotina, história, meios.

: Fabulação. Caminhos por entre as paredes? Antigas formas de comunicação? E se eu subir-? Mistura de tempos, memória evocada em camadas, gerando novas correntes. Fotografias. Desenhos. Vídeos. Colagens. Imersão em textos e caminhos. Criação de agentes; verbos que andam sozinhos, sobre duas pernas.

: Rumo. A experiência de estar em um lugar por um período definido, considerando o antes e o depois. Organização.

luz

: Vegetação. O primeiro livro de Hilda Hilst com que tomei contato se chama FLUXO FLOEMA. Em “residência” no IPEMA – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, fiz a conexão. Floema é o tecido das plantas vasculares encarregado de levar a seiva elaborada pelo caule até a raiz e aos órgãos de reserva. Ou seja, a seiva da planta flui pelas veias do floema. Fluxo, como sangue. O nome deriva da palavra grega para casca; o floema é parte do córtex ou casca primária da planta.

Fiquei pensando em cascas. Achei um ensaio do Georges Didi-Huberman que fala um pouco delas, na verdade, ele usa a ideia de casca para se relacionar com um lugar onde muita gente, dentre os quais seus antepassados, foi morta durante o Holocausto. Casca como solo, a última testemunha remanescente de um acontecimento terrível, no caso. A casca é a superfície com a qual nos relacionamos, à qual temos acesso. É permeável, e sujeita às ações do tempo. Assim como a nossa pele. Cascas são interfaces que carregam memória, às vezes se descolam com o tempo.

Curioso pensar sobre os solos. O que se passou por lá, quem passou, o que se sucedeu. Os caminhos e descaminhos que foram trilhados. E como nas cidades o solo primeiro, a terra, é quase sempre oculto, coberto de cimento. Solo de cimento. Solo-cimento é uma técnica de produzir tijolos.

solocimento

É possível construir uma casa, plantar comida ou escoar águas de chuvas com um solo de terra, mas por algum motivo (construção política ou regime de poder) eles vêm sendo ocultados. No lugar de solo, ou terra, cimento, que isola o sujeito e complexifica as estruturas. Não mais plantar, comprar. Casas de pau-a-pique são muito simples de fazer e usam terra, mas são proibidas em cidades. Imensos tanques de cimento, construídos com obras caríssimas e uso de escavadeiras, pretendem reunir as águas das chuvas.

Como diz Didi-Huberman: “Nada se parece mais com um chão de cimento do que outro chão de cimento. Mas, como é sabido, o arqueólogo defende outro discurso: os solos falam conosco precisamente na medida em que sobrevivem, e sobrevivem na medida em que os consideramos neutros, insignificantes, sem consequências. É justamente por isso que merecem nossa atenção. Eles são a casca da história.” (retirado de Cascas, ensaio publicado na revista serrote nº 13, março de 2013)

A ideia de estudar permacultura, agroecologia e sistemas agroflorestais, prática que dei início recentemente, deriva justamente dessa relação com o cimento. Antes, fiz uma série de trabalhos baseados em registros de deslocamentos em transportes públicos urbanos (seja de ônibus, trem ou barca). Em geral, eram trajetos casa-trabalho-casa, percursos estendidos e muitas vezes extenuantes. A necessidade de alheamento surge exatamente aí, na fadiga cotidiana dessa rotina que vai do cimento ao asfalto. Para chegar em casa.

Durante esse tempo, fiz diversas anotações sobre trabalho, que vão desde a manipulação de materiais até questões de rotina, cansaço e assuntos entremeados. Pesquei, ao mesmo tempo, relatos de canto de ouvido proferidos por pessoas amigas ou desconhecidos que cruzaram meu caminho. Percebi, também, que tinha diversos registros da ação “trabalho”, em vários modos diferentes. Decidi reunir essa memória, pesquisar outras formas de se relacionar com o termo e a prática, e transformar esse material, do mesmo modo com que procuro transformar a minha vida.

A vegetação de um lugar diz muito sobre ele, assim como os solos. Dado que as noções de “natureza” e “cultura” se confundem tão frequentemente, nos discursos de ontem e de hoje, praticamente pode-se dizer que não existem matas virgens, que não tenham sido manipuladas por humanos. Agri-cultura. A questão é que variam as formas de manipulação, e há algumas que não provocam estragos, ao contrário, recuperam solos, tornando-os mais férteis, e as espécies mais produtivas. Sem o uso de nenhum químico, muito menos queimas. Como as agroflorestas.

Quanto a jardins, sabemos que foram construídos, moldados para o desfrute humano. E também que há diversas maneiras de construir, a exemplo dos que imitam florestas, como o do Parque Lage, no Rio de Janeiro. São da necessidade de ar livre e puro, constraposta à saturação das cidades (em todas as suas instâncias). Por isso, estudar plantas. Encontrar seus fluxos e floemas. Unir plantas e literatura, material fértil, provocando mudanças e devaneios da vontade.

: Linguagem. Folhas, raízes, rios e seus afluentes, raios, e veias por onde passa o fluxo sanguíneo formam fractais, padrões comuns encontrados na natureza. Diversos outros padrões são formados, muitas vezes interpretados por matemáticos e físicos por meio de complexas ou simples geometrias. Números nunca dão conta inteiramente de interpretar a realidade, mas, como qualquer linguagem, produzem uma aproximação, com o fim de entender os meandros e particularidades do que fazemos parte e nos rodeia. Bambus não possuem linhas retas, como gostariam arquitetos de colarinho branco. Mas são maleáveis, formam estruturas.

Exploração da linguagem, unindo dois ou mais ítens nessa etapa. Todas se permeiam. Padrões, números, linguagem codificada. Decodificar membranas como quem transpõe barreiras assimétricas. Codificar de outra maneira, passaporte para percepções variantes.

: Livro. Exploração, fabulação, rumo, vegetação, linguagem. Cinco componentes formam um sexto, um livro, composição fabular a ser costurada à mão, incluindo o material produzido durante a residência, organizado de modo a formar uma unidade maleável.

Escritos, fotografias, percursos, desenhos. Com vários começos, vários fins. Em forma, inspirado em codex e outras anotações e linguagens antigas. Procura por escrita em códigos, jogos de linguagem, formas multilineares de leitura. E cotidiano.

: Além. Outras obras podem acontecer durante o caminho, tais como instalações temporárias, ações, ou vídeo.

 

fevereiro de 2014