voraz

desentender binarismos. a oposição mato x asfalto, ou mato x cidade, é somente um artifício para entrar num assunto latente, que insiste em se meter em tudo o que faz. porque está na paisagem. entra pelas narinas, invade os olhos, preenche todos os cantos da imagem, se impõe de maneira voraz.

em 27 de dezembro de 2013 eu saí para ir meditar no interior (de um estado, dentro), depois me voluntariar num instituto de permacultura e aprender bambus, o que chamam de bioconstrução. depois não sabia. sabia que não queria voltar logo, que não tinha pressa, nem exatamente um rumo fixado. decidi pesquisar e viver permacultura e experimentar viver doutros modos, entrar noutras instâncias, redesenhar o percurso um pouco, desviar. ir visitar uns amigos, encontrar outros pelo caminho.

voltei para o rio só duas vezes, bem pontuais, a primeira no carnaval, cinco dias absurdos, de misturar bloco com afetos e tudo junto, família, amigos, sei lá, a cidade nonsense desenfreada, quase calada de políticas públicas insurgentes (não esperava), lixeiros em greve e o povo ajudando, era isso, caotizar.. de novo fuga, interior, amigos, uns dias mais, volto.

enumerar fatos sempre diz pouca coisa, desinforma, às vezes norteia mas pouco faz. é um modo de começar.

existem uns cadernos, cinco filmes de fotos, talvez mais. experiências acumuladas que se diluem no fluxo corrente de tudo, caí aqui e já estava a participar de um processo singular e potente chamado vocabulário político para processos estéticos, de novo intensidades.

andei lendo o hakim bey e ele fala de gente que vive a migrar entre intensidades, zonas autônomas temporárias, festivais, e talvez este seja um modo de vida, há outros. um desses que condensa mundos magias afetos coragens em um sempensar de caminhos, modos. compõe, constrói, mas entende que o contexto não dá conta ou não quer dar trabalho para dissidências fixas, pormenores, reescritas memórias por escrivãos sem vontade, embora gostaríamos, seria justo, indexar os atalhos que merecemos, todos nós e todos eles, sejam quem forem os envolvidos na história.

o percurso nós escrevemos, compomos anagramas, migramos de lugares, de países (e o que são essas invenções vorazes, cheias de exércitos e normatividades múltiplas?)

é preciso voar, só isso, o voo por si só já é um rumo

desenfrear-insigne-eu-ir2

(compêndio de anagramas, irá. esse aí é o primeiro espirro)

entulho naborda do mar

função:
dessalientar.

(constroem engenhocas tão loucas
tapumes
invenção
esses que vivem tão próximos do asfalto–
azuis, eles vivem, contudo)

//

“é preciso chamar as bruxas para estragar o conto de fadas”, dizia o bruno cava sobre a inauguração do MAR, aquele museu mumificado que se posta ao lado do atual “buracão da praça mauá”, futura via subterrânea que estupra o centro histórico do rio de janeiro. em tudo agressivo, inclusive na sua alvidez (é alvo, é ávido) que, tentando ser moderno, quer misturar prédio histórico com nuvenzinha e vidros, programação visual e desejos nefastos de apagar seu entorno.. o programa espacial do governo deseja polir as arestas, e o faz sem a menor sutileza de modos. em algum lugar bem distante daqui, provavelmente no alto de prédios (com vista para a favela) eles aprenderam as maiores técnicas de violência, pois poder se conquista com violência e expropriação. aprenderam que o mundo nunca seria para todos, e portanto decidiram garantir o seu naco da guerra. salve-se quem puder. é tão deprimente que não há palavras precisas; aqueles que se importam com os reais agentes dessa cidade e todos os os esforços feitos com dignidade entram em conflito, pois com os meios todos tomados (inclusive as ruas, pulverizadas de policiais à paisana ou em farda), uns acreditam que se pode ocupar então os espaços que há, em toda sua violência, mesmo que no timing perfeito para as campanhas publicitárias e eleições, mesmo com banco imobiliário de remoções, mesmo que..

sérgio bruno martins, que desconheço, faz apontamentos bastante precisos sobre toda a controvérsia que circunda esse novo estorvo monumental da cidade, a partir da visita que começa, turisticamente, no terraço do edifício. e não se trata de questionar o MAR por ser um museu, se precisamos de mais um museu, como diz o curador-chefe, mas sim, no caso, está em questão todo o teor “maravilhoso” (no sentido surreal) daquilo que ele quer representar, o que ele simboliza, como ele se coloca, e toda a ocasião de inauguração, toda a politicagem envolvida, num terreno de povo silenciado e política de sorrisos.. o que faz essa política representativa, funcionária exultante do não-pensar, todos os dias, dói tanto que dá vontade de vociferar, quando voz há. e se isso não adianta, procuramos outros meios, colocamos estacas no chão, usamos brilho, chão e máscaras, até mesmo escapamos para outros lugares. a guerra é estética, ideológica, insensata, brutal. todos os dias, está aqui, agora mais evidente que nunca. ainda povoada de disfarces. ainda procura verdade nos lugares errados. guerra de discursos, disputa estética, escadas, tapumes, invenção, sobrevivência, vultos, milagres.. uns tentam rir da desgraça, colocando um selo nas costas. e todo o perigo protuberante de se deixar fagocitar os discursos, torná-los brincadeirinha/alegoria dentro do quadrado branco, mais um objeto fonte de especulação na arte.. não nos deixemos afundar na lama política que nos envolve, ainda que seja duro, que não haja lugar. e, ainda assim, um cartaz.

está lá, e, posto que está, discuto, vou para a rua, bato latas, grito, visto máscaras, danço, abraço, caio em desespero, recupero, também não tenho onde morar. posto que está lá, precisamos discutir. produzir sentido sobre aquilo que nos atinge é a última ferramenta possível. é nisso que me apoio na hora de erguer cartazes, povoar. ativar um sentimento de solidão que em tudo está, que a tudo se impõe de forma violenta, combater isso – por grupos, enxames, ocupações.

não é possível estar em todos os lugares. mas é preciso defender o direito de acessá-los. todos. sempre. quem quer que seja. é preciso defender o direito da própria existência, já que esse vetor é constantemente violado, foco de ameaças, arrombado. por tudo isso, diante do estado vândalo que só quer solfejos, erudição e sangue; assumindo toda a controvérsia envolvida, de amigos e amigos e discussões e coiserrantes, ideias turvas, violência, vontades, espaços e desejos, estou lá. ainda assim, na rede, no papel – que o espaço físico inclui outras flexões de lugar.

na borda // vazadores // entulho

+

o que coloco é um trabalho de 2012 em verso, foto, recorte. é sobre existir e sobre estética também. lado a lado há textos e ensaios em dissenso, não formam conjunto, não são conjunto, mas têm em comum a fala sobre um espaço. reconhecimento de arestas, talvez a procura de um espaço, embates políticos, existência e arte. o que faz esse entorno seria talvez a voz plural que buscamos, mas que às vezes se faz calar.

e sobre potência, assunto que subjaz e vem à tona – ação política é o quê? votar? escrevi algo assim, sobre, concomitante às discussões que antecedem essa edição. agora, em tempos de repressão policial desenfreada, de estado surdo, duro, perseguições sem sentido e tantas cores que tentam silenciar, faz tanto sentido. ler hannah arendt a cada dia faz mais sentido. para evitar loucuras e totalitarismos, só por meio da ação.

potentia // reflete-se sobre ação e não-ação. governo e trabalho. antiguidade e modernidade. discurso. política. rebelião. o escopo visível se limita ao livro de hannah arendt, que não é nada limitador. expande tanto que foi feita uma varredura pelos capítulos, a fim de amadurecer a questão. era inevitável. influências externas invisíveis são da ordem da ação política local (leia-se: rio de janeiro), coletivos de arte-ativismo, atritos internos e externos, porto maravilha, expropriações contemporâneas. por isso, dispersão. os discursos se complementam.

travesti

travesti é amor. aqui, outros nomes, uma apropriação. mídia travesti de asinhas de fora, se faz de amiga, quer assaltar as máscaras de multidão. violência de estado corrompeu nossas ruas. contação de alertas, gente no chão: pensamento difuso, escreve-se para fagocitar os termos, desentranhar os caminhos por entre as nervuras do acontecimento.

derivaceleste:

saber emaranhar os acasos nas estranhas lágrimas provocadas pelos anteriores.

o medo, a sede, a luta e o sossego se contaminam uns aos outros até não existirem mais.

não há permutas, marmotas, percepções inertes ou qualquer outro sentido além daquele visível, ainda que tão turvo, paspalho:

serão neves, tudo ao inverso. ou talvez não, coisadura. não serão fascistas a nos buscar nas casas, senhora no batente, senhor na multidão (infame ilógica inerte que perdura). enxame de refugiados na tijuca, naquela rua perto do estádio, encurralados no próprio quintal de casa. ninguém entende o assunto em voga, há tanta confusão.

de voz em voz uns tentam pintar as cores todas de verde e amarelo, as janelas de inferno, as lutas de brincadeira e então desvalorizam o todo, a própria multidão. em processos, recessos e mistérios, porque são muitos e mil-ações.

não tem jeito de cessar o grito porque vem de longe, de muitos, muitos anos, adormecido que estava nos pulmões de tantos, expelido enfim por aqueles que puderam se manter vivos de alguma forma. e não é caso de impeachment, sem surto. isso é tudo lorota turva, e muito simples, um caso de apropriação:

(explicaremos primeiro a oposição)

reacionário (adj.) é aquele que é contrário a quaisquer mudanças (sociais e/ou políticas); que se opõe à democracia; antidemocrático. sinônimos: antidemocrático, antiliberal, retrógrado e ultraconservador.

(nada como um be-a-bá das curvas)

tampouco nos iludamos com o liberal (s.m.), isto é, aquele que é partidário da liberdade em matéria política ou econômica. no plano econômico, é um perspicaz enganador, astuto defensor das desigualdades e do dinheiro no bolso dos indivíduos (sic) de bem.

nenhum deles representa um perímetro maior que o próprio umbigo. talvez, e digo sem muita convicção, sejam capazes de estender algum apreço a familiares e uns poucos semelhantes, pelo puro louvor conferido à família e à propriedade, ambas instituições tão intimamente conectadas. compartilham regras, egoísmos e convenções.

campo minado! acabaram nossos montes, direi. poderia ser – a crise já se estende por tanto tempo que mal é possível morar na cidade, e então lembramos de tantos problemas interestaduais e tão mais antigos: a polícia militar.

(militar é um órgão capaz de eliminar todos os outros, e, por isso mesmo, deve ter sua existência sumariamente questionada)

e então os bondes, as cores. os trios elétricos que se não estivessem cercados de tantos políciais (e nunca entenderemos tantos policiais) seriam carnavalescos, polivalentes quaisquer-uns com tanto orgulho de enfim existir. sua manifestação nada mais é que uma afirmação da própria existência. decidem ter voz. depois de tanto tempo que não se sabe ao certo de crença forçação velada em crer num sistema de números, morfemas, eixos temáticos e não se sabe ao certo e nunca em quem votar – requisito infame de uma política de delegações.

hannah arendt diz que quando há autoridade, não há ação política: o poder de agir, nesse caso, é outorgado ao governante ou pequeno grupo que governa. pois então expliquemos, para fazer frente os confusos, gente que confunde totalitarismo com revolução (soa surpreendente, mas vive-se num mundo de disfarces, e nem é tão nova a ideia)

desacredita no sistema em ritmo contagiante de alienação // os espaços abertos são ricos em propostas e experimentos // há aqueles (e são muitos) que procuram lideranças/desejam lideranças/querem depor o lugar // me pergunto se precisamos de lideranças em qualquer lugar // o plural é importante // não se trata de verde e amarelo // bandeiras vermelhas representam grandes articulações coletivas por direitos sociais, nunca se esqueça disso // mídia golpista, que termo sensacional // veja, minhas máscaras foram usadas por outrem // ela foi às ruas e não sabia porquê // os discursos mudaram e continuou seguindo a marcha // mudaram o rumo e alguém ficou?

aqueles que pintam de branco são aqueles mesmos que desejarão eliminar todos os que não puderem se vestir da mesma cor.

você quer ser eliminado? ou espera obter uma fatia do bolo?

política de recortes, de cartas marcadas, de confusão. publicidade, política de imagens, vote no cara legal! os códigos binários e seus comandantes esperam somente respostas de sim-ou-não, são surdos de formação. no ministério das cartas altas, há interfaces e intermeios, ideias que protegem outras, surtações sim, mas muita blindagem, tanto de gentes quanto de informação. as curvas se contaminam, se misturam, não existe pureza no sistema: política de disputas, muita gana, fica um lembrete: a política é dura, mas é negociação. é perigo quando não se definem os temas, fica azul de imensidão

(sabe, aquele que preenche as arestas, cega no horizonte e se deixa engolir no sifão)

baderna é nossa aliada mais vasta, sim, posto que: vândalos são os policiais e seus mandantes. mas se nos chamam todos vândalos, se inserem vândalos entre nós, se vandalismo é a última moda da passeata multicolor da esquina, se qualquer passante é um vândalo em potencial, se o opressor é quem tem razão, se dão vazão às armas, tratam rua de cartazes como batalha campal, em suma, se nos bloqueiam, e atacam, seja nas ruas, em casa, em todo lugar, se não pode tanta coisa, se a fifa pode, se os donos podem, se a tevê pode, se o jornal quer convencer a sua mãe do nosso vandalismo, então sim, somos todos vândalos, vândalos venceremos, vândalismo vão de caminhar na rua, correr do gás, cair no chão..

curioso notar que as bandeiras do começo eram pelo pleno direito de circular – de andar! pois se cortam as pernas e cobram caro pelas próteses, cobrem tudo de cimento e aqui só passa carro blindado!

que espaço é esse forjado sobre tanta argamassa de minérios e gente que veio porque acredita que precisa trabalhar, que não come se não tiver sangue pra derramar, massa de manobra e ahhh.

faltam dores cores palavras pra dizer o porque dos tormentos, a coisa é tudo menos plana, vigente mas cheia dos interstícios estelares e sem muitas rotas de fuga (antes houvesse – a rota maior pede uma passagem de volta, pagamento no cartão, endividamento)

roda de chão sem voltagem, rebobina tudo, eu não quero levar porrada de policial.

acordar com helicóptero, quintal de casa como campo de batalha.

celebridades felizes na televisão, todos canarinhos.

esporte é travestimento de exploração.