fizemos um filme

frame de courage: azul (naipe de paus), 16mm, porvir

o primeiro em película. 16mm. parque da aclimação, são paulo. liberdade, são paulo. temos escritório no rio de janeiro. temos atelier no rio de janeiro. as ruas urgem por justiça, as pessoas estão atordoadas, o clima fere a notícia, fere a pele dia a dia, fere as pessoas em sua existência. a política enviesou e se afirma torta: agora serão explícitas as cartas marcadas. agora se tornará evidente, a cada dia, as vozes decrépitas e funestas que se apoderam de direitos. a direita não aprecia direitos. a direita não respeita direitos. a direita não se importa com sangue, só vê lucro, lucro em cima de pobreza. seja dito: isso não será mais tolerado. seja dito: a liberdade tem lado. seja dito: eu, que nunca fui a favor de polarizações, sempre sim e não ao mesmo tempo heráclito, heráclito, meu amor, não querem que leiamos livros. espalham-se fragmentos. reavivados tempos que não pensaríamos capazes, tamanha a pobreza dos argumentos, pulsões de morte. pois estamos vivos, estaremos vivos, vivos seguiremos, com respiros, gana, afagos. união.

este naipe é símbolo que encontramos em uma casa onde há um laboratório e abraçamos num gesto de entusiasmo, energia, alegria e força tenaz. argumento, ferramenta, pesquisa. fogo, tarô. em que busca a água no parque e um caminho selvagem no meio da grande cidade, no parque cujo formato me lembra a áfrica. em que caminha e reencontra seu passo, reinventa, deita, se confunde com o lugar. cor, mistura e as vestes: acidente e composição. parceria, invenção. rastro de investigação: assim ocorrem os trabalhos.

grata à disposição e dedicação da maravilhosa dupla distruktur – melissa dullius e gustavo jahn. grata aos colegas participantes da oficina subversões fotoquímicas, a primeira, e tudo o que fizemos juntos, os encontros porvir. rodrigo de sousa e sousa, isabel veiga, vinícius campos, pedro ivo carvalho, paulo suriani. roger sassaki, acolhimento, equipamentos, atenção. gratos seguiremos. já subo um teaser, quero ver exibição.

façamos mais. façamos juntos. pés no chão, direto na terra, andar.

k

algo me diz que talvez sejam só pessoas. algo diz, também, que pode ser que seja só vida. sussurra no ouvido, enquanto vem a mão e bate.. um mosquito? você pensou em mundos magníficos, estranhos, obscuros, distantes e doutra forma: sim e não. a vida: sim e não. careta, serena, monogâmica, viajêra, absurda, fugaz: sim e não. some e dá voltas, quem sabe te escreve uma carta: sim e não. aceita a carta, aceita o job que não era aquele que você quis? sim.. ou não. ora é vez de decidir. todo o tempo, aliás. costuma trazer coisas sem chão, pra depois compor a bagagem, erguer as paredes, pensar que cachoeira no fim seria melhor. mas arranja, arranja um envelope bonito, uma caixinha envernizada, porque sem ela não vão ver. aqueles da tua espécie padecem duma espécie de capricho processado, em que a coisa tem que ser codificada, e num código assaz conhecido, caso contrário não é vista. ocorre que todas as fases pelas quais passa esse processo condizem com a quase diluição do que eram as ideias difusas magníficas dos mundos invenção, para que caibam, para que possam ver. e leva tempo, ô. dar aos visíveis do mundo. sim e não.

§

me contaram histórias de árvores.

elas esgarçavam suas botas para alcançar o outro lado do oceano. obviamente disse galhos, não botas. espasmódicas botas, digo galhos, costuravam versões de si próprias em novelos, e a cada vez lançavam ao oceano.

lançaram muitas vezes, ao longo dos anos. tantas, que foi formando um monte, depois uma montanha, e então uma ilha, que soterrava baleias por baixo de suas raízes. digo superfície.

o objetivo era chegar na outra margem, e, sem sombra de dúvida, não afundar. mas afundaram até gerar uma outra terra, ainda incógnita e não mapeada por nenhum satélite.

uma proeza, diria. astutos modos capazes de enfim criar algum norte. quase em literalidade.

o próximo passo seria tentar observar de longe para entender suas dimensões. mas não por satélite nem nenhum dispositivo digital ou eletrônico. alçaram lentes inseridas num tubo, disposto em tripé no alto de um longo mastro de navio. que era em si mesmo uma árvore de raízes flutuantes e galhos muito compridos, cuidando de modos de nevegar.

para o alto do mastro, muitas lentes foram coletadas de sucatas, do chão. formaram uma grande luneta, quase um telescópio, e assim enfim pôde bradar-se: terra à vista!

o próximo passo foi pôr as raízes, de aprendizado elástico, a locomover-se lentamente até esse território sem nome. as árvores assumiram seu caráter de teia, que enevoava-se entre elas a trocar substratos, e em mutirão, transmutaram-se em gigantescas aranhas para conseguir alcançar o navio.

se maior fosse o bando, poderiam mesmo ter criado modos de prescindir da navegação, fazendo de seus galhos e teias uma longa ponte que levasse até a terra inventada. contudo, era um caminho arriscado, pois certamente rastreadores de média capacidade notariam tamanha intervenção. portanto, optaram por lançar-se aos mares.

a árvore é o navio que é a aranha, composta de muitas teias e galhos, alcançando altas dimensões e podendo avistar longas distâncias.

uma lupa, você disse. para criar aproximações.

nenhum dispositivo de alta precisão. nenhum cálculo consciente foi feito. ângulos e indicações das estrelas guiaram o caminho, as árvores resolutas, todo um ecossistema a se criar a bordo.

o objetivo em si era ir ou chegar? o habitar o navio?

não esqueceriam as botas; a essa altura elas já estavam incorporadas. construíam com zelo muitas mantas, e geravam muitos frutos, que seriam colhidos em terra firme.

ali, seria criado um novo eixo para dele se deslocar. uma espécie de centro, em ramificação. acentrado, contudo, em que caminhos teriam de ser tecidos nos emaranhados, e descobertos dentro deles.

as práticas de jogos eram encorajadas, todos deles de bastões, anéis tortos, pedras ou cartas. nada que não fizesse parte da terra seria incorporado, nem exageradamente processado.

somente cortes, anzóis, fermentos e conexões. equilíbrios de cores, composição de zelos e memórias, reunidas conjuntamente.

os silêncios tornaram-se sagrados, um acordo de muitos, assim como as dissonâncias.

ninguém era medo, ninguém era chão. todos seriam navios, podendo lançar-se e laçar-se quando fizesse sentido. inversões celestes e cantos alhures, todas celebravam. e narravam novas histórias, entremeadas. §