sozinho a gente não vale nada // casa comum

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As calçadas são desfeitas e refeitas todos os dias. Enormes pedregulhos por onde passaram talvez cem anos são desenterrados, expostos e triturados. Em seu lugar, o concreto que chega. Seu pó entra por todos os poros e frestas, sobe em uma névoa tóxica e deixa todos embriagados. Manchas de asfalto e entulhos desenham padrões geométricos ao acaso. Uma fila de manilhas ocupa a fachada há semanas. Diz-se que um dia elas irão para o subsolo. Talvez por elas passarão parte dos rios desmembrados e confinados desse Rio de Janeiro. Talvez elas se explodam na próxima enchente. A Casa Comum acabou por pousar no meio do canteiro de obras da cidade calamitosa, a mais recente entre tantas reformas que buscam maquiar a vista para o turista, e acabam por sepultar nossas memórias. Se o Estácio é uma encruzilhada, nós somos o despacho. Somos a pólvora que abre caminhos e se espalha em todas as direções. Somos o caos e a crítica em mensagens, faixas, paredes, gatos, tetas, carros de som e árvores cortadas. Somos também uma faísca de otimismo na horta, na fogueira, no encontro lisérgico e na desobediência urbana. Nada do que acontece se esgota. E o que fazer se os bordões marginais da década de 60 ainda nos servem, sem que nos caiba nostalgia alguma? Seguimos caminhando por superfícies superfraturadas.

O corpo do coletivo comum não tem nada de inteiro. É desmembrado e retorcido. Cada pedaço segue seus desejos, e eles acabam por se encontrar nas junções mais inusitadas. Foi bom, pois abandonamos de vez o romantismo e partimos para o assalto à cidade. O mapa astral diz muita terra, mas talvez queira dizer concreto, ou asfalto. A Casa Comum imaginou-se residência artística e juntou André Anastácio, Bella, Inês Nin, Iroshi Xanai, Tiago Sant’Ana, Juliane Peixoto, Traplev, Rogério Marques e Germano Dushá dentro da casa Ibriza, com Lis Kogan, Mari Fraga, Eduardo Bonito, Chica Caldas, entre outras trocas. Apresentamos aqui parte dos trabalhos, processos e encontros, cientes que o imensurável e imaterial continua a se propagar na cidade e no corpo. Adentre o espaço aberto dessa casa que é, a um só tempo, terreiro, baldio e ninho. A casa está aberta. Laroyê Exu!

[texto por Marina Fraga]

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12Sábado e domingo de 14h às 21h _ a casa estará aberta à visitação com trabalhos em foto, vídeo, impressos, instalações, performances.

Cosmoanalog, Tudo passa, Anunciação, Atravessando Estácio, Fundanga, Desígnio, Comum Concreto – Dispositivo Portátil de Trabalho e Moradia, passeio cinema, P.A aberto comum, kit comum, Santetíssima Trindade, Marcha das Cem tetas, Corte picadinho, Teta à espreita, Samurai de Jardim, Buraco Fundo, Delírio Concreto!! 9 artistas e uma obra superfraturada, Abalo sísmico, Carro de som, Propinoduto, 00//4rvor[é, refúgio, laboro ergo sum, perimetral, sem título, Parede comum, Estácio Encruzilhada e outros registros de ações do grupo durante o período da residência.

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sobre azuis nessa noite gélida de dois mil e dezesseis.

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(a primeira pessoa do singular se faz plural; quer se desintegrar e se fundir ao vasto mundo múltiplo. o sítio, o sítio viaja e vai ali se reinventar) >>

azuis, um projeto que iniciei em 2013, de início é sobre identidade, sobre existir para além das bordas de instituições e representatividades, existir além-números, para além de rastreamentos e coordenadas, normatizações.

a existência se fortalece ao passo que se ramifica, se fortalece pelas bordas. desenha começos e meios e singularidades não apreensíveis nas superfícies, cria novos mundos, e talvez aí, quando esbarra na necessidade de fazer lugar e abrigo, é que se reconhece: o que acolhe não está normatizado. não segue os padrões da norma, que cada vez mais delira em suas vigilâncias e amortizações, linhas retas e práticas de exclusão.

o que vem da mata cresce em rede, tem ligadura, raízes fortes, micorrizas. surpreende porque não é codificável plenamente nem quer dominar o que está em volta. é natureza e por isso complexa, e por isso múltipla, embate, disputa: selvagem e acolhedora ao mesmo tempo.

penso na necessidade de reconhecimento dessa nossa existência em rede, sistêmica, que busca reentender as melhores maneiras de agir, se integrar e retribuir tudo o que recebemos a esse meio tão devastado, que faz parte de nós, tudo o que ele nos dá. por isso sementes. por isso venho aqui.

[*não é no foicelivros, gente linda. aqui é só eco, espectro. vigoramos noutros campos, em muitos]

ativismo hacker e ética da permacultura

no dia 9 de maio deste ano tive o grande prazer de participar de um debate sobre ativismo hacker e ética da permacultura, ou hacktivismo e permacultura. éticas, noções e práticas de autonomia, vivências, educação e diferentes perspectivas sobre tecnologias, fazeres e política permearam o efusivo debate. agradeço profundamente ao instituto casa da cidade pela abertura do espaço, à maisa martorano pelas trocas e sobretudo à nadia recioli pelo convite, pelas conversas e por tudo o que ainda vamos fazer.

debate continua na rede e ainda irá se espalhar e muito por outros espaços.

“sempre foi sobre união de mundos” 🙂

o pessoal da casa da joanna registrou o encontro, e que seja esporo para ramificações várias o/

ações para desaparecer: condivíduos, máscaras e personas fugidias

personagens forjadas, autores de quem não se sabe direito o paradeiro, pseudônimos, heterônimos, indivíduos coletivos, figuras ficcionais, imagens construídas. seriam maneiras que pessoas encontraram de camuflar suas “verdadeiras” identidades, ou simplesmente outros modos de agir? contra a política de nomes e números, que rastreia, mapeia e monitora indivíduos, propomos a criação de personas, anedotas, versões variantes de um paradeiro, imagens, estratégias, ações, respostas absurdas. importante é confundir.

~~ realizada em mesa circular de debates ruído experimento vozes subjetivas em meio à CRYTORAVE 2016 

programação completa //

eis a carta montanha, escorrendo pelas mãos:

escrevi isso numa tarde, depois de ruminar por uns dias. procurar olhar para os acontecimentos com outros olhos. pensei muito nisso de enviesar o olhar, tentar observar sob outro canto, de outros lugares.

carinhosamente, buscando outros modos de encontrar, comunicar. um escrito longo. um fôlego, alguns. chove forte lá fora, de novo. quase tudo é água aqui. respirar.

corpo que se levanta, também. que observa.

seja o que vier, não segura, não

sejamos grandes

você é

 

 

evocar todas as forças em uma. temos várias.

te sinto amor e abraços, corpo, espírito, trocas infinitas.

a despeito do quanto duraram nossos encontros, chamo todos infinitos. talvez porque houve plenitude, cotidiano, afeto.

amor grande estou, aqui dentro, agora observo. o mundo em volta e como nele me situo.

é verdade que a gente carrega tudo consigo, sim é claro, mas às vezes ao se deslocar variam também os ruídos, podem mesmo diminuir.

um dos maiores ruídos com o qual não sei lidar é internet. por isso tenho limitado os acessos.

aqui funciona, estava até melhor do que previa, mas ontem choveu e deve ter dado algo com a antena. logo volta, dizem. fato é que caiu um raio bem perto, eu vi, depois o estrondo foi tão gigante que tremeu a casa. estou no sótão, terceiro andar. uma caverninha quase escondida donde se vê as coisas do alto. teto baixo, inclinado. me sinto acolhida e me escondo.

tem muitos pinheiros em volta, me encho do cheiro que emanam e isso me faz feliz. ainda caminhei pouco, até agora, estou a me entender com os dentros e os modos de andar. pé machucado, em subjetivo, o corpo tentando se reentender na dança. que na verdade é inventar uma dança, posto que me encaro sempre em começos. um exercício gigante, e supremo, esse de memória. olhar para o caminho percorrido e tentar reentender o novelo, desatar os nós que forem possíveis de desatar, seguir adiante. tem muitos novelos embolados aqui, uns mais protuberantes que outros. uns brilham, têm diversas cores. em certa medida escolho com quais quero lidar.

um abraço em novelo, um abraço com zelo e afeto em nome de tudo o que passou.

tenho que reconhecer os meus medos partidos, as vontades de sair, toda a tormenta que saiu daqui e que depois que passa não lembro mais como nem quando, não com detalhes. estar no presente, em especial se esse pode ser mais alegre e de ânimo recomposto, me traz também uma espécie de esquecimento do que já foi. fazer esse exercício de retornar ao que já foi e como fomos, como agimos e tudo o que provocamos, qual foi o desenrolar das coisas até aqui, é difícil, mas importante para entender como fluir. uma vez que estou em relação, não é suficiente eu elaborar comigo quais são as minhas prioridades supremas e acreditar que o mundo simplesmente irá me abraçar de novo como se não houvesse outra vez. é bobo, mas é isso que tenho vivido. a cabeça anuviada em desespero, de tempos muito custosos, dolorosos, incomodamente insanos e sem espaço para existir um em si que se faz pleno antes de estar com os outros. e como isso é importante.

me lembro muito de escuta, que no primeiro e-mail que vc me enviou quando ficamos juntas você falava de escuta, que havia escuta, e eu lembro que não faz muito tempo me enamorei da palavra. estudava então escritos sobre som, ruído e escuta, nos quais a parte da percepção e do silêncio sempre se destacaram. eu já conhecia alguns deles havia muito tempo, mas ao organizar encontros em torno da escuta em 2014, junto a uma amiga, comecei a pesquisar todos os usos e flexões da palavra, e entendi que para a dança que me interessava era tão essencial escutar o corpo da/o outra/o. para estar no mundo é também necessário escuta. escutar a si mesmo, profundamente, é meditação. algo que tantas vezes não conseguimos, dado o ruído não só do mundo mas aquele que está na gente mesmo. encalacrado lá no fundo, mas também manifesto na superfície, latejante, e de verdade, se deixamos.

peço que você leia esse e-mail como uma carta, escrito fora da rede, fora dos tempos enlouquecidos de imediatez sem escuta. eu preciso de tempo para escutar, às vezes. a mim mesma. preciso desses esconderijos forjados, muito, e não raro acho difícil me dar a essas aberturas (ou fechamentos) estando junto, estando em relação, seja ela qual for. e estando no mundo, por isso fui morar só! mas não pretendo estar só, não é meu desejo não estar em relação, não fazer junto, mas o contrário. e quando falo em antes e depois, sobre existir só primeiro para depois existir junto, me lembro que esse é um movimento que acontece em ciclos, ciclos diários talvez, ciclos de minutos, ciclos mais longos às vezes. claro que o mundo nem sempre se transforma no ritmo em que nós nos transformamos, de modo que nunca sabemos que estado de coisas e de pessoas encontraremos ao enfim sair do esconderijo. e aí entra outro desafio, outra espécie de prontidão de corpo que se apresenta, que é estar em sintonia, em sincronia em tempos variantes.

daí, a dança.

penso em chute no ar. em pedra. colisão, sim. movimento desordenado. como antes de algo adquirir forma, ele corre sem rumo, arrisca, atira, colide. deixa sair o que há, que pode variar entre afeto e dor. é desordem. desordem que sai, não precisa sair junto, às vezes melhor elaborar só, mas tem coisa que só se vê e se lida se aparece, daí, quem sabe, junto. bicho informe, acho que aquilo de que vc mais tem medo. movimentos desordenados colisão.

é a sociedade que, polida, quer ver polidos todos os seus membros. um modo de manter a ordem, mas também de manter as pessoas distantes, com começos e fins bem delimitados entre elas, lugares.

eu gosto de fazer, procurar, estar junto. gosto de me dar ao caos do não saber e dançar junto, de me dar às proezas. estar junto sempre desafio, e não é estar junto qualquer pessoa, de qualquer jeito.

procurar um abismo onde deixar as coisas duras, vê-las colidir consigo mesmas, sumir. não dar atenção a elas.

te gosto, sinto um amor bonito nas coisas da gente junto. te acho tão bonita quando te vejo que das últimas vezes evitava olhar. porque estava ali toda a tormenta, todos sentimentos guardados, bonitos e feios, e uma vida que via você tocando, de modo ou de outro.

talvez um movimento entender e olhar isso de fato, num primeiro momento, pela alegria de toda essa troca em potência, e também pela conversa que se deu de fato em

 

nuvem, visconde de mauá, janeiro de 2016