a cidade dos megaeventos: visibilidades

Essa cidade não te pertence mais. O prefeito mudou as regras, seu bairro ficou distante e há um plano multimilionário já em curso, que começa a mostrar suas garras e destruições. A lógica que vigora é a da substituição – do problema pela maquiagem, sustentada pela propaganda da prosperidade.

O clima de euforia com a perspectiva da vinda de pelo menos dois megaeventos à cidade do Rio de Janeiro – a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 – tem motivado uma enorme especulação imobiliária, expulsando gradativamente os moradores da cidade para bairros cada vez mais distantes. Numa cidade já conhecida por suas alarmantes diferenças sociais, cujos pontos turísticos mais conhecidos se localizam na área entre a Zona Sul e o Centro, mesma região que concentra comunidades lá presentes há décadas, um projeto de revitalização deveria ter como prioridade o fornecimento de estrutura necessária para os moradores que nela vivem. Isso seria o mínimo. Os planos das parcerias público-privadas firmadas para tal revitalização do terreno, que trazem como seu maior expoente o projeto do Porto Maravilha – a revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro – têm explicitamente como objetivo aumentar as atrações turísticas na cidade que já se encarrega de acumular todos os clichês brasileiros vendidos lá fora, tratando seus moradores como meros empecilhos para tal empreendimento. Para adivinhar quais os beneficiados, é só pensar nos empresários abastados de nomes mais conhecidos, que viabilizam os empreendimentos mediante a cessão de terras e facilidades pelo governo.

Remoções, desalojamentos, casas que amanhecem marcadas para serem removidas do dia para a noite tal como a marca nazista – mas é a Secretaria Municipal de Habitação! – são os mais alarmantes e evidentes efeitos colaterais previstos por essas reformas. Outras cidades do mundo passaram por processos semelhantes de reestruturação e obras de caráter permanente para abrigar as Olimpíadas, gerando impactos para a população. Mas o que sempre se esquece de levar em conta quando são exportados modelos bonitos e bem apresentados do exterior é o contexto local. Quais ganhos essas obras irão trazer para os moradores da Zona Portuária, por décadas abandonada e esperando receber atenção do Estado? Quando essa enfim chega, é para abrigar os novos usuários (mais que habitantes) da área, obviamente mais abastados financeiramente e muitas vezes visitantes de passagem, expulsando os antigos.

Se engana quem acredita que as remoções que vêm ocorrendo pela cidade se concentram nas ditas “áreas de risco” – ou uma casa fincada no topo do Morro da Providência há aproximadamente cem anos estava em área de risco, e só notaram agora? Não seria mais coerente reconhecer que as ameaças de remoção se direcionam a habitações indesejadas, por estarem na rota traçada pelo projeto de revitalização sem nenhuma participação da população? Cabe dizer ainda que, ao que os fatores indicam, aqueles que não forem expulsos por processos mais explícitos como esses, poderão o ser futuramente pela especulação imobiliária trazida com a euforia pela trasformações na cidade, que traz consigo a valorização do terreno.

Ao caminhar pela Av. Rodrigues Alves no último domingo, partindo da Praça Mauá em direção à rodoviária, o cenário era alegórico de tão discrepante: de um lado, em dois armazéns do Cais do Porto na altura do Pier Mauá acontecia a Art Rio – a primeira edição da feira internacional de arte do Rio de Janeiro, com seus estandes lotados entre turistas e possíveis compradores, alguns sentados em confortáveis sofás sorvendo espumante. Não é a primeira vez que um evento desse tipo acontece no local, por certo. Mas, em tempos em que a ocupação da antiga fábrica de chocolates Bhering por artistas que usam o espaço como seus ateliês é utilizada como parte da campanha do Porto Maravilha como pioneira na revitalização da área, a ocorrência da feira é simbólica, marcando talvez uma posição que certamente não todos os artistas ali presentes gostariam de ocupar.

A Av. Rodrigues Alves tem a visão do céu cortada pelo viaduto da Perimetral, que agora se tornará uma via subterrânea – reforma ainda ancorada prioritariamente no transporte rodoviário, praga da nossa modernidade local. Do outro lado dela, visitamos a ocupação Flor do Asfalto. Diferente da Bhering, eles se autodenominam um squat, no sentido do movimento global de ocupação de prédios abandonados, e são um grupo com uma agenda criativamente ativa nos campos cultural e político. O terreno, outrora da União, é parte das terras cedidas para as obras de revitalização da região. Os incomodantes que se mudem, é a posição do Estado. Não tem conversa.

Escrevo esse texto motivada pelos estudos iniciais feitos por algumas pessoas que têm se movido para tornar esses fatos conhecidos pela população. As mudanças pelas quais está passando a cidade afetam à grande maioria dos que aqui vivem, não são fatos isolados e muito menos distantes. Mesmo que o fossem, processos como esse têm efeitos profundos e demandam a participação dos que nela estão envolvidos: demandam diálogo, e não só festividades e campanhas publicitárias. Quem procura apartamento para alugar ou comprar sabe bem o que se passa, ou quem simplesmente é capaz de observar a alucinante quantidade de obras e as alterações em seu entorno.

O Laboratório de Cartografias Insurgentes, organizado pelo coletivo IP:// (Interface Pública), junto com vários outros coletivos, se encontra no momento em fase de “pré-lab”, com o evento maior agendado para o próximo final de semana, no Morro da Conceição. A proposta é dialogar com a população local e todos os interessados, expondo e problematizando essas mudanças, para discutir juntos alternativas, táticas, modos de fazer e significar, por meio de oficinas diversas. Fica o chamado.

cosplay no brasil: os concursos, a mídia e os fãs

pesquisa realizada para o projeto open business II, coordenado pelo instituto overmundo

Imagine do que agrupamentos de fãs são capazes. A ideia começa como uma reunião de gente que pesquisa objetos do seu interesse e busca compartilhá-los com mais pessoas, formando, assim, aos poucos, um grupo. O grupo se desdobra em vários, espalhados por outras áreas. Nas reuniões se desenvolvem outras práticas, a tecnologia que torna disponível o acesso e as trocas muda e o contexto também, ao longo do tempo. As pessoas começam a levar cada vez mais a sério seus hábitos de fã – hobbies, por assim dizer, ainda que possam demandar muita dedicação e custar não pouco dinheiro.

Em questão de anos, as pequenas reuniões se tornam grandes eventos por todo o país, mantêm estreitas relações com outras localidades, aparecem na mídia e motivam cada vez mais pessoas a praticarem os mesmos hobbies. Os fãs se profissionalizam, carregam o conhecimento para suas áreas e formam organizações, comercializam produtos relacionados, produzem mais eventos. Eles são parte, são público e mídia, palco e plateia. É um show, como na televisão, mas também há competições, viagens e muito, muito trabalho. E tudo, no fim, é pela diversão.

“A sensação de você subir ao palco e interpretar é algo indescritível. É como se o mundo se fechasse um instante naquele momento em que você vive o anime/mangá que interpreta. Você aprende, mesmo que não confeccione, muitos detalhes de roupas, acaba tendo conhecimento dos estilos, precisa estudar o personagem, sua história, suas atitudes e sua emoção, principalmente na cena em que irá interpretar. E, na hora da apresentação, é inevitável você ter aquela sensação de que realmente está vivendo aquele momento como ele.” (Michele Rommel, ou Mi Kurosaki, quando perguntada sobre qual é o papel que o cosplay desempenha na sua vida).

Onde mais se vê um show em que o público é a grande atração? Começa pelas sessões de fotos na entrada, da qual participam todos aqueles que estiverem devidamente caracterizados. Depois, muitos desses sobem ao palco, seja participando da competição principal, seja em uma menor organizada ali, na hora. A plateia vota através de placas com sinal verde ou vermelho nessa primeira, e jurados que atuam no ramo (ou simplesmente na mídia) decidem os vencedores da competição principal. Era esse o formato geral, ao menos no Cosplay In Rio Show, ocorrido em um domingo ensolarado no Teatro Odylo Costa Filho, na UERJ, em 20 de fevereiro desse ano.

Intercalado por shows de bandas como a Negrayscow, de JRock; Anime Daiko, além de curtas entrevistas com dubladores de diversos personagens de desenhos animados (japoneses ou não), o concurso era o ápice da celebração. O formato de evento, no entanto, variou ao longo dos anos. Pedro Carvalho, 23 anos, há 10 organiza eventos de cultura pop japonesa no Rio de Janeiro. Já foram cineclubes caseiros, festas de diversos formatos, Anime Center, Rio Anime Club. No Cosplay In Rio Show, participaram duplas com cosplays já vencedores noutros anos em competições pelo Brasil, selecionadas a dedo para comporem esse rol dos melhores dos melhores que se apresentou no palco do teatro. Ainda assim, havia competição e prêmios.

A competição era também etapa regional do WCS Brasil, braço brasileiro do World Cosplay Summit, um dos principais concursos do gênero no mundo, e o mais forte no Japão. Patrocinado pela TV Aichi, japonesa, e pela Editora JBC, o concurso WCS é realizado no Brasil através de seletivas regionais, totalizando, no último ano, 10 estados brasileiros participantes. Eventos que já existem são credenciados e se tornam parceiros, passando a ter que cumprir uma série de regras, estabelecidas com base no campeonado mundial no Japão.

O sucesso de produtos de cultura pop japonesa entre os brasileiros não é de hoje, mas a popularidade dos mangás teve um boom nos anos 2000. Juntamente a eles, novos animes de sucesso começaram a ser transmitidos pela TV. Os games japoneses, presentes no mercado desde o começo da história dos jogos eletrônicos, completam o tripé dos inspiradores dos personagens incorporados pelos fãs quando fazem cosplay. Não à toa, é esse o mesmo tripé que sustenta o hobby no âmbito comercial.

Ainda que muitas empresas locais possam não fazer ideia do que é cosplay, e aquelas ligadas ao ramo de animes/mangás/games possam não ter se dado conta do tamanho potencial de divulgação de suas marcas que ele apresenta, esse é um caminho processual, que vai sendo aberto. E bastante rapidamente, se considerarmos o público dos eventos, que só aumenta, em grande parte devido ao gigantesco engajamento dos fãs. Aliás, sem eles, nada ocorreria.

Concursos e eventos

Os eventos começaram como cineclubes caseiros para ver os animes que não chegavam ao Brasil. Ou melhor: era possível comprar alguns somente no bairro japonês da Liberdade, em São Paulo, ou importar fitas VHS do exterior. Em fins dos anos 90 e começo dos 2000, a banda larga no Brasil ainda não era tão difundida, e somente com o crescimento da popularidade dos animes, por um lado, e com o barateamento das tecnologias, de outro, é que foram se tornando possíveis outras alternativas de acesso. Hoje, há muito mais animes passando na televisão, ainda que prioritariamente em canais por assinatura; o YouTube e os próprios sites de algumas TVs disponibilizam os episódios veiculados em streaming gratuito quase que no horário em que são veiculados na TV, e mesmo os DVDs oficiais estão infinitamente mais acessíveis e baratos.

Pedro Naine, antigo frequentador desses eventos, conta que em 1999 o que acontecia no Rio de Janeiro era concentrado mais em estandes de venda de mangás, brinquedos, CDs e artigos de papelaria relacionados aos personagens, e havia poucas pessoas fazendo cosplay. Isso, é claro, além das exibições de animes inéditos para os brasileiros, mas “hoje todo mundo baixa e vê o que quiser”.

Quando não existiam todas essas facilidades ao alcance, havia fãs se dedicando a produzir scanlations e fansubs para episódios de animes, e tornando-os disponíveis gratuitamente na internet. Outros vendiam fitas VHS a preço de custo pelo correio para aqueles que ainda não tinham banda larga. Isso desde fins dos anos 90 e começo dos 2000, juntamente à crescente popularização dos cineclubes, que aconteciam mensalmente no Rio de Janeiro e se espalhavam por outras localidades em São Paulo.

Contando com uma estrutura bem maior e mais “oficializada” atualmente, os eventos se transformaram, moveram o foco dos cineclubes para as performances, seguindo uma própria demanda do contexto em volta. Uma pesquisa feita em dezembro de 2009 pela Fundação Japão aponta 175 eventos ao todo. O menor público registrado é de 2.000 pessoas, e a estimativa de público total, considerando todos os eventos computados de todas as regiões do Brasil, é de 17.500 pessoas em um só evento, com a maioria dos participantes (75%) com idades entre 10 e 22 anos.

Há casos extremos que merecem destaque, como o Anime Friends, em São Paulo, que reúne em média 150 mil pessoas durante os 10 dias de realização da feira. Entretanto, os estados com a mais expressiva quantidade de eventos e público não estão só no eixo Rio-São Paulo; Goiás, Distrito Federal, Pernambuco, Minas Gerais e Ceará também concentram uma grande quantidade de eventos.

No quesito formato, antes de existir o WCS as regras para as apresentações de cosplayers (nome dado àqueles que praticam cosplay) não eram muito definidas. Muitas vezes, tanto as performances quanto as próprias fantasias poderiam ser bem menos elaboradas. As tais regras teriam sido responsáveis por organizar em torno de padrões comuns as apresentações de cosplayers por todo o país, equiparando-os aos do resto do mundo. Desse modo, a necessidade de cosplays confeccionados pelos próprios cosplayers (e não comprados), o tempo de cada apresentação, a opção por duplas, o tamanho dos cenários e figurinos, o veto ao uso de efeitos especiais perigosos ou que sujem muito o espaço, a dublagem de cenas, o uso de músicas em um CD levado pelos participantes e a imposição de que os personagens representados sejam de animes/mangás/games de origem japonesa (e que ambos da dupla sejam necessariamente do mesmo), são algumas das ações regulamentadas. Embora possam parecer, porventura, restrições em excesso, Edi Carlos, coodenador do WCS Brasil e supervisor da área digital da Editora JBC, argumenta que “as limitações são boas porque fazem com que as pessoas busquem soluções”.

Um fato concreto é que as exigências serviram para fomentar um empenho admirável dos cosplayers, em busca da perfeição nos resultados. Esforço recompensado. O Brasil, no ranking dos concursos de cosplay, se encontra entre os melhores do mundo: só no WCS, o país venceu logo no primeiro ano em que competiu, em 2006, e dois anos depois, em 2008. Em 2010, quem levou pra casa o troféu do mundial foi a Itália. Até hoje, foi só em 2009 que o Japão finalmente conquistou o prêmio, o que demonstra uma vitória tanto da diversidade de interpretações de seu universo a nível internacional, quanto da qualidade e apreço a essas performances.

Tal profissionalismo se reflete, por exemplo, na perfeição das fantasias elaboradas por Gabriel “Hyoga” Niemietz, 29 anos, campeão do WCS mundial em 2008 junto a Jéssica Campos, ou no trabalho dos irmãos Maurício e Mônica Somenzari, que deram o primeiro prêmio no WCS ao Brasil em 2006 e são novamente os selecionados para o concurso em 2011. Para se ter uma ideia da quantidade de energia e empenho dedicados, a dupla vencedora do Cosplay In Rio Show, Paulo Roberto Lacerda e Mara Suely, de Fortaleza, conta ter ficado em torno de seis meses ensaiando até encontrar o tom certo para a apresentação. As fantasias também não são baratas, muitas vezes, sem contar o trabalho na confecção e a atenção aos mínimos detalhes.

Propriedade intelectual

As regras do WCS têm como base os padrões japoneses de cosplay, particularmente afeitos à fidelidade aos personagens. Variações muito gritantes, ainda que propositais, podem fazer muito sucesso em alguns lugares – como é o caso de cosplayers famosas na Itália, que chegam a criar seus próprios personagens – mas resultariam em uma desclassificação no concurso. Uma regra no WCS 2011 chama a atenção: trata-se da primeira restrição evidente no que se refere a direitos autorais da qual se fala publicamente. Mangás e animes muito populares, como Naruto, Bleach e Dragonball Z não podem ser usados como temas de cosplays no concurso, nem em referências vagas, devido a um bloqueio estabelecido pela responsável por sua publicação no Japão. A Editora Shueisha entende que a TV Aichi, associada a outra editora, a JBC, não tem permissão para veicular as imagens ou qualquer referência ligada aos seus personagens. É um embate de grandes empresas de mídia, sobretudo, que acaba se refletindo num bloqueio que atinge os próprios fãs.

Edi Carlos conta que não se sabe de outro bloqueio como esse. Ainda que o cosplay seja por princípio um assunto delicado, “pois estamos lidando com a propriedade intelectual de outra pessoa”, as únicas restrições feitas publicamente até então diziam respeito à música: muitas vezes as apresentações de cosplay não podiam usar as canções ou as falas originais dos animes, pois isso caracterizaria violação aos direitos autorais. É por isso que os cosplayers devem dublar as apresentações eles mesmos e levar os CDs que irão usar. As falas não podem ser feitas ao vivo, como numa apresentação teatral comum, por considerarem isso um risco de dar errado e não funcionar, ou para os cosplayers terem menos uma coisa com que se preocupar.

Quando questionei sobre assuntos ligados à internet e à propriedade intelectual, ouvi opiniões divergentes: a controvérsia e uma postura por vezes reticente não é surpresa, diante de um mercado em expansão inserido em um contexto repleto de mudanças a todo momento.

“Nos últimos anos a questão da propriedade intelectual transformou-se numa verdadeira corrida disputada entre a legislação e a tecnologia. Conforme a evolução tecnológica aumenta as possibilidades de acesso e a facilidade de se distribuir e copiar conteúdo, a legislação sofre alterações para tentar adaptar-se aos novos tempos”, pondera Wellington França, representante do site Cosplay Brasil. “Essa corrida às vezes torna-se um embate quando os meios de proteção intelectual se tornam antítese das formas atuais de divulgação e distribuição. A própria restrição ao direto de cópia parece estar obsoleta diante da realidade em que vivemos, a era da internet. Se considerarmos que o conhecimento humano, transmitido de geração em geração é a base de nossa sociedade, podemos deduzir que a cópia é um mecanismo essencial para a nossa existência, educação e evolução. A cópia no âmbito da internet pode levar a resultados significativos. Restringir o acesso e distribuição não me parece o melhor caminho para se incentivar a produção cultural e intelectual.”

Edi Carlos, individualmente, segue um caminho parecido quando perguntado sobre suas opiniões pessoais a esse respeito: “Mas eu falo por mim. Não é essa a postura da editora (JBC)”, ressalta. Já Pedro Carvalho é extremamente cauteloso na hora de responder questões relativas à difusão de conteúdo e propriedade intelectual, e condena veementemente práticas como a pirataria. Contudo, Carvalho reconhece que a questão é complexa, cheia de controvérsias e terrenos nebulosos.

Essa cautela ao falar do assunto pirataria reflete a procura pela profissionalização do setor e a busca pela desassociação do cosplay a práticas ilegais, como aconteceu na primeira metade dos anos 2000. Aproveitando a lacuna deixada pela distribuição oficial no Brasil de muitos animes, uma empresa prensava DVDs tal como os oficiais, com legendas de fãs, e vendia essas mídias contendo blocos de 4 episódios a 9 reais em média cada. Os lucros conseguidos com essa prática não são conhecidos, mas a popularidade dos DVDs era enorme, sobretudo entre aqueles que não tinham recursos para baixar os episódios gratuitamente da internet, ou que simplesmente preferiam comprá-los.

O acesso a produtos oficiais, no entanto, é cada vez maior, pois hoje já existe um mercado formal bem maior no Brasil. “O cosplay é uma subcultura do mundo do entretenimento. Portanto, todo o comércio voltado a este hobby sempre será atrelado às mídias que a originam, como filmes, games e livros”, afirma Wellington França. Pedro Carvalho cita a Editora Panini, que estaria entrando no mercado de cultura pop japonesa só recentemente, mas com estratégias bastante agressivas: refletindo uma tendência atual nas práticas relativas à propriedade intelectual, tem se tornado cada vez mais comum que, quando uma editora compra os direitos de reprodução de um mangá, acabe comprando logo os direitos do anime, do game, da confecção de bonecos e camisetas, em suma, de todos os subprodutos possíveis de ser comercializados de uma marca.

Sustentabilidade e formalização

A questão do patrocínio é, até hoje, algo não completamente resolvido nos empreendimentos do setor no Brasil. Edi Carlos, da Editora JBC, afirma que o renomado WCS Brasil mal se paga, e que é mais um investimento da editora que outra coisa, até o momento. “O mundo do cosplay é mais um meio de ações de marketing que um mercado efetivo”, diz, enfatizando o potencial de divulgação da cultura pop japonesa que o cosplay vem desempenhando pelo mundo. Esse é um terreno que começa a ser explorado, e, no Brasil, há ainda muito a se trilhar para que as empresas reconheçam esse potencial e invistam maciçamente em eventos do ramo. A formalização é algo que certamente contribui para que os organizadores ganhem confiança e credibilidade frente aos investidores.

Pedro Carvalho, ao perceber a demanda pela formalização, criou o Instituto Japão Pop BR, dedicado à divulgação da cultura pop japonesa no Brasil. A ideia, segundo ele, é “mostrar para o Japão o quanto a gente tem de público”, de maneira a incentivar os investimentos no Brasil e, através dessa representatividade, facilitar a obtenção de patrocínio, além de “trabalhar em parceria através de redes com organizações regionais, permitindo alavancar toda a cadeia produtiva desse novo universo jovem no Brasil e na América do Sul”.

Internet, mídias e redes

Sobre o papel da internet na popularidade da cultura pop japonesa, Wellington França narra em mais detalhes: “Se o cosplay alcançou grande popularidade no Brasil e no mundo nos últimos 10 anos, podemos dizer que isso se deve principalmente à internet. Em meados da década de 90, a principal forma de interação entre os fãs de quadrinhos, ficção científica, games ou de cultura pop de uma forma geral era através dos fã-clubes, que tinham um alcance e visibilidade limitados. O acesso à produção artística e cultural por esses fãs também era limitado e difícil. E isso era refletido nos eventos voltados a este público, restritos e pouco conhecidos. Com o surgimento da internet, diversas gerações de fãs tiveram a oportunidade de se integrar como nunca antes, organizando-se em fóruns, grupos de discussão e listas de e-mail, e trocando informações e conteúdo em uma escala realmente espantosa. Fãs que começavam a praticar o cosplay no Brasil puderam conhecer a dimensão desse hobby pelo mundo, importando ideias e conceitos de outros países, em especial Estados Unidos e Japão. Quando apareceram as redes sociais, pudemos presenciar a segunda etapa dessa revolução no mundo do cosplay: o YouTube popularizou ainda mais o hobby fora dos ambientes das convenções, permitindo que qualquer cosplayer se tornasse um produtor de conteúdo. Orkut, Facebook e Twitter contribuíram na organização de grupos de cosplay, no surgimento de comunidades regionais, além de expandir ainda mais as opções de interação e troca de informações entre cosplayers.”

Existem diversos sites dedicados ao cosplay no Brasil, alguns ligados a eventos regionais, outros com perfil agregador e de difusão de conteúdo num sentido mais geral – como o próprio Cosplay Brasil, pioneiro, ou o do WCS; sites com tutoriais e venda de acessórios etc. O Cosplayers.net se propõe a ser uma comunidade virtual específica para esse público, mas está nos seus primeiros passos. De acordo com Pedro Carvalho, o uso das redes sociais como se apresenta hoje contribui também para fragmentar muito um público que procura se unir em torno de um mesmo foco de interesse. “Ainda sinto a necessidade de uma rede social direcionada ao público, com ferramentas que permitam a troca de experiências entre cosplayers, mini-aulas, ou simplesmente canais de comunicação setorizados como games, sinopses de animações, vídeo aulas. Falta um point único (como era o Orkut) para essa galera…”

Futuro

As ambições de todos os organizadores com quem conversei parecem ser se equiparar com o mercado formal internacional, sempre tendo como norte o Japão – e às vezes os EUA. A maioria dos eventos se concentra, hoje, principalmente na realização dos concursos de cosplay. Há uma demanda por uma expansão nas ações de marketing para games, o que em grande parte tem a ver com o fato de as empresas de jogos eletrônicos terem “se ligado” mais rapidamente no grande potencial de divulgação que o cosplay apresenta para o ramo.

O recém-criado Cosplay In Rio Show, organizado por Pedro Carvalho no Rio de Janeiro e já com patrocínio de uma grande empresa telefônica através de leis de incentivo estaduais, começa a trilhar um caminho um pouco diferente. Ao invés de se concentrar no concurso, que ainda está presente, a ideia é fazer um grande show de apresentações, no qual há ainda a ativa participação do público, mas num formato que se assemelha muito mais a um programa de televisão que a um evento de fãs. Isso não é à toa: Carvalho pensa em produzir um programa de TV com variedades ligadas ao universo pop japonês, mais ou menos como é a TV Aichi, só que no Brasil. E, afinal, talvez essa seja também uma mentalidade que faz sentido tendo em vista os padrões nacionais: uma espécie de adaptação cultural e antropofágica de modelos e referências de outro país. E que sejam plurais essas versões, cada vez mais.

confluências, luminâncias, filmes

versão original do artigo publicado na revista overmundo nº1, sem cortes

Como se constrói a partir de uma torrente de ideias, invenção? Fazer um filme pode partir da pureza de uma ideia banal; um lapso de estória capaz de carregar imagens e sons que, orquestrados, funcionem em conjunto. Ou pode ser também uma obra construída durante anos anos a fio, detalhada, narrativa, com estruturas. Seja o que for a reger os minutos da empreitada, é certo que os modos de fazer não só são múltiplos como possíveis, muitos deles. E que quando se pretende abarcar um contexto, ou compreender o que se passa em determinado tempo, em determinadas áreas que têm em comum alguma situação, é bom que se considere os caminhos abertos e as novas soluções que vão se encontrando e se cruzando.

Ao falarmos de cinema, em alguns textos, críticas, rememórias e, principalmente, em debates e conversas, é reconhecida uma certa trajetória que vem se criando nos últimos anos em diversas instâncias no Brasil. Já faz parte da história que só tocamos com alguma distância, parcimoniosamente e por meio de resquícios, os tempos em que filmes necessariamente eram peças caras a serem feitas vagarosamente, a duras custas e mediante diversas parcerias. Um intervalo brusco que interrompeu quase que completamente a produção brasileira, durante a era Collor e que culminou com o fechamento da Embrafilme, balançou severamente o contexto local, mas  já podemos falar em mais de uma década após o “cinema da retomada”.

E talvez tenha sido só nos anos mais recentes que começaram a aparecer filmes capazes de destoar bastante das referências mais evidentes do que seria uma tradição nacional. Ainda que indiscutivelmente brasileiros, mesclando referências de um mundo globalizado às quais já nos acostumamos com estórias e modos de ser e fazer tipicamente locais, os filmes não fazem força para pertencerem a este ou àquele lugar; muito menos para reproduzir complexas fórmulas de produção ao modo industrial como outrora.

As facilidades de produzir e criar, vindas com as novas tecnologias – câmeras de vídeo digitais em alta resolução, que se aproximam em muito à qualidade da película em 35mm e que superam infinitamente em facilidade e custos de produção; câmeras de celular e diversas outras para os mais variados gostos, resoluções e texturas emergiram ao mesmo tempo em que a internet despontou como fonte primeira para o acesso a um conteúdo antes restrito a festivais, locadoras e, principalmente, à remessa que o amigo do amigo trouxe da sua última viagem ao exterior. Hoje em dia já é chavão falar de tudo isso, mas ao mesmo tempo o resgate parece indispensável quando se quer entender em que contexto vivemos e como se tornam possíveis certas experimentações e olhares. Sim, porque devido a essa enorme difusão e troca de conteúdo possibilitada pela internet, um cultivo de filmes e diretores de linguagens mais diversas e oriundos de partes do mundo menos participantes da grande mídia pôde ter lugar.

Marcelo Ikeda fala, não sem razão, em seu recém-lançado livro (junto a Dellani Lima) “Cinema de garagem – um inventário afetivo sobre o cinema jovem brasileiro do século XXI”, que atualmente o Ceará pode estar mais próximo de Belo Horizonte, das Filipinas ou de Taiwan que da Bahia, quando se trata de cinema. Novos cruzamentos de ideias e inspirações acontecem, portanto, a partir desse meio que reúne a linguagem e as características de tantos outros – a internet – tanto em termos de comunicação interpessoal quanto de difusão e acesso, propriamente.

Não se pode esquecer, no entanto, da batalha que se trava nesse campo, de um lado estando o direito ao livre acesso à informação e, do outro, os interesses das grandes indústrias decadentes, que se sentem injustiçadas pelas trocas atuais e, principalmente, pelas perspectivas que o futuro lhes reserva. Essa celebração do acesso ao conhecimento não pode, infelizmente, ainda, vir desgarrada de uma militância política pela manutenção e ampliação dos modos de uso e da própria existência do espaço da rede como ele se apresenta no momento.

E quanto à estética, a que maravilhas essas mudanças nos abrem? Pois não são só elas, as tecnologias, mas todo um contexto em torno, gerado por diversas mudanças conjunturais, que torna viáveis empreitadas com praticamente nenhum dinheiro, e que muitas vezes não esperam mais receber qualquer tipo de incentivo governamental ou de empresas. Ainda que, como toda novidade, essas formas emergentes de fazer – que se refletem na própria imagem – ainda não demonstrem inteiramente sua sustentabilidade e não forneçam todas as respostas para o futuro, esse futuro se constrói por meio de presentes um tanto entusiasmantes, desviantes e promissores.

É típico das estruturas canônicas e estabelecidas não querer abarcar pequenas ou grandes incertezas. Como diz Cezar Migliorin em seu crucial ensaio intitulado “O cinema pós-industrial”, publicado na revista eletrônica Cinética e em diversos outros meios pela rede, faz parte da lógica capitalista da grande indústria a estrutura de produção hierárquica, extensa e planejada em seus mínimos pormenores, em que qualquer surpresa ou variação representa um risco ou mesmo uma anomalidade, por não serem suas consequências passíveis de prever.

Nesse ambiente que floresce talvez mais fortemente desde os filmes de Karim Aïnouz, primeiro “Madame Satã” e depois “Um Céu de Suely”, junto ao grande boom de documentários, assistimos, faz pouquíssimo tempo, à emergência de pequenos grupos que começam a produzir artesanalmente seus filmes, e não somente curtas, mas – e a surpresa – também longas! Antes deles, é importante lembrar, o cinema nacional vinha se fortalecendo por outros caminhos, em grande parte pela crítica, que formou sólidos grupos atuantes durante vários anos através de revistas eletrônicas e também de cineclubes.

Faz sentido pensar que essa movimentação vinda de muitos lados – universidades, cineclubes, festivais, revistas de crítica e uma crescente produção de curta-metragens, em grande parte identificada com realizadores que assinam sozinhos ou em duplas – possa ter motivado a criação de grupos ou coletivos que produzem de forma independente e colaborativa. Não busco aqui qualquer sentido lógico, mas uma maneira de pensar frente ao contexto que se delineia.

É comum, cada vez mais, também nas artes plásticas, hoje chamadas visuais ou simplesmente artes, que as pessoas procurem se organizar através de coletivos para produzir trabalhos muitas vezes mais anárquicos ou somente diferentes de seus projetos pessoais. Ao mesmo tempo, nesse sentido, também se mantém no campo das artes cada vez mais forte um foco na figura do autor destacado individualmente como criador, assinando as obras de maneira que seu nome frequentemente acabe ganhando mais visibilidade que o próprio trabalho. Não sei se isso pode ser chamado de contrafluxo ou somente uma evidência de que ali pode haver um acirramento de uma lógica anterior, por um lado, e de outro uma inspiração de ordem mais diversa e particular, focada em pequenos grupos e ideias que se relacionam não por questões locais ou por fazerem parte desse ou daquele movimento, mas por motivos puramente estéticos ou políticos num sentido muito mais amplo – em escala global, ainda que em certa instância horizontalizada.

Gostaríamos de falar aqui de um grupo em especial, que tem chamado a atenção em alguns festivais e mostras pelo Brasil e no exterior por sua próspera produção nos anos recentes, o Alumbramento. São cinco longas finalizados – sendo um de fato uma reunião de curtas em torno de um tema, chamado “Praia do Futuro” – e 29 curtas, feitos entre 2007 e 2011. A produtora, grupo ou coletivo Alumbramento teve origem na primeira turma do extinto projeto Escola do Audiovisual, formação com duração de dois anos promovida pela Prefeitura de Fortaleza a partir do ano de 2006, na época em que Beatriz Furtado era Secretária de Cultura. O curso, pensado em formato inovador, com professores diferentes trazidos a cada semana de várias partes do país, teve problemas de verbas logo no começo de 2007. Em tempos em que não havia ainda o curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Ceará, iniciado em 2010, a ameaça de interrupção motivou uma ocupação feita pelos alunos durante duas semanas no local onde eram ministradas as aulas, de maneira a garantir que as mesmas continuariam.

Findo o curso, foi formada a Alumbramento. O que de mais importante notamos naquela que mais tarde viria a se tornar uma produtora de fato, é a aparente ausência de hierarquia entre seus membros, que chamam a si mesmos de “família” e trabalham frequentemente uns nos filmes dos outros, alternando funções de acordo com o projeto. Outros grupos têm surgido pondo em prática formatos parecidos, como a Teia, baseada em Belo Horizonte, ou até a Duas Mariola, de Felipe Bragança e Marina Meliande, do Rio de Janeiro, ainda que nesta última o grupo de amigos – somente 6, mais alguns parceiros – mantenha em geral mais ou menos fixas as funções de cada um dentro dos filmes.

Os filmes da Alumbramento são tão diversos quanto podem ser as ideias de seus membros; não existe unidade organizada que determine uma orientação estética específica para os filmes. Mesmo assim, como todo grupo de amigos que se reúne em torno de ideias e vontades comuns, é possível notar semelhanças, ainda que porventura vagas, entre um filme ou outro, além de diálogos estabelecidos com os trabalhos de outros cineastas. Estes têm em comum frequentemente o modo simples de produzir, o experimentar, além de filmes e diretores de referência.

É possível citar alguns filmes que ganharam destaque recentemente, sobre os quais os holofotes incidem mais ou menos junto a um barulho alavancado quase em toda sua totalidade dentro do campo do cinema: primeiro pelo Festival de Tiradentes, ocorrido no fim de janeiro desse ano, e mais tarde na Mostra do Filme Livre, que se extendeu ao longo do mês de março. De lá pra cá, os espaços têm sido abertos cada vez mais para uma crescente politização dos debates em torno da cultura, suas formas de produção e acesso, em grande parte motivada pelas mudanças no cenário global da cultura digital e pelas alterações políticas pelas quais vem passando o Brasil nesse momento, com a mudança de governo.

“Estrada para Ythaca”, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti (Alumbramento); Desassossego – Filme das Maravilhas”, obra coletiva composta de fragmentos com diversos diretores, em projeto concebido por Felipe Bragança e Marina Meliande (Duas Mariola, Teia, Blum Filmes, Alumbramento, Filmes do Caixote, Karim Aïnouz, Gustavo Bragança, Arissas Multimídia); “O Céu Sobre os Ombros”, de Sérgio Borges (Teia); “Os Monstros”, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti (Alumbramento), dentre outros, compõe esse rol bem diverso de filmes que tem ganhado atenção.

Não se pode dizer que os trabalhos abordem, diretamente, qualquer questão política evidente. Não são nem de perto panfletários e sequer tratam de assuntos grandiosamente históricos – muito pelo contrário. Há uma fala que resume um dos caminhos tomados, retirada do catálogo de um cineclube que exibia curtas de diretores de origens semelhantes (Luisa Marques, Leonardo Amaral e Sérgio Borges, de novo):

Deve haver algo de sintomático de um estado das coisas nesses filmes que abandonam a construção de grandes narrativas, vontades de simbologia e preferem se recolher ao mínimo, à narração do quintal ao invés do país, nessas sinopses de uma única linha. O mundo é possível demais, múltiplo demais. Ideologias não servem, políticas não satisfazem, teorias e instituições não dão conta. Diante disso, resta se recolher às suas certezas mais acessíveis: eu, minha casa, minha rua, meus amigos e parentes. Diante da estafa de as mãos poderem abraçar muitos quilômetros, agarra-se o que se tem à vista e a história a ser contada é a sua própria, e os fatos são reles e quase cinzas. Um cinema que, por trás de toda a ternura de suas imagens, revela um certo desalento contemporâneo: as câmeras tentam agarrar cada pequeno momento, como se, diante de tudo, só nos restasse nos abraçar, silenciosamente. (Affonso Uchoa, Cineclube Curta Circuito, BH, junho de 2010)

Ofuscando a melancolia impressa nessas palavras, Felipe Bragança surge, em dois textos publicados recentemente – “Óvnis, fantasmas e cinema”, O Globo, Caderno Prosa & Verso, 26 de junho de 2010 e “Meu último texto de cinema”, que aparece encurtado na versão online do mesmo caderno, em 12 de março de 2011 – defendendo um escopo bem maior de filmes possíveis que começam a existir e ganhar espaço.

De fato, se o texto de Uchoa procurava nortear a presença dos três filmes, juntos, no cineclube, ele também aponta para uma variação possível no campo da narrativa num sentido mais amplo. A imagem que sai por aí à procura, mas que, por caminhos obscuramente bonitos consegue apresentar um mundo particular àquele que assiste, mesmo que esse mundo apareça esquisito, incerto, contendo rasgos muitas vezes incorporados à imagem como parte dos arranhões inevitáveis a qualquer tomada de riscos. As palavras de Uchoa me recordam o entusiasmo transmitido pelas palavras de Deleuze quando falava do cinema de Godard e de outros nos 60, que corajosamente se dignificavam a buscar, em caminhos nunca dantes trilhados, sentidos outros para a imagem que então construíam.

Bragança, por sua vez, aponta justamente para estranhezas: ao invés de procurarmos um cinema coeso, de podermos falar em “cinema brasileiro” querendo compreendê-lo em sua integridade, ou ainda de cobrarmos dos filmes que atendam às nossas expectativas de olhares viciados, podemos procurar ver as exuberâncias errantes que vão começando a emergir, ousadas e imperfeitas, mas belas! E de lugares que nos são próximos, mesmo cheias de desafios a serem trilhados.

Portanto, é digno que sejam reconhecidos esses caminhos experimentais, trilhados ora com mais ou menos dúvidas ou certezas, mas propondo-se a lançar-se em novas aventuras “monstruosas” o quanto puderem ser. O modo de fazer contamina os filmes, que por sua vez são contaminados pelo terreno em volta, pelas trocas entre amigos, festivais e demais festividades – não sem seriedade, não sem zelo. Mas a cautela excessiva, ou, pior, a crítica que poda mais que estimula à criação, buscando os filmes “certos”, efeitos precisos e cobrando até mesmo um distanciamento histórico para que se possa falar do que vê em volta… Limita mais do que expande, cobrando contenção.

É louvável que se procure reconhecer os próprios pés, percorrer os próprios caminhos e encontrar confluências, formando redes que possam se diferenciar de suas antecessoras. Em suma, arriscar, gerando significâncias. Sem o risco, e sem agarrar as oportunidades conquistadas em um cenário emergente, corre-se o risco de virar cinza. E nem pó: cimento, que engessa a terra fértil por baixo dos pés.

a gentil e a rua

testemunho de rua do rio, publicado no overmundo no calor das festividades que abriam 2011

Um pré-carnaval manifesto, alegria de rua e exposição de artes. Dois movimentos foram necessários até que eu chegasse às incríveis aberturas da galeria A Gentil Carioca, no Centro do Rio. O primeiro diz respeito a conhecer o circuito e as festas de artes, sempre multicoloridas e abertas às mais diferentes pessoas. Não sei se foram os muitos anos frequentando noites de rock e algumas de eletrônica pela vida que trouxeram esses pensamentos, mas a mim esses eventos se assemelham a algo como um mundo paralelo. No que todos os outros campos buscam uma espécie de norma ou padrão que unifique a “cena”, o paradigma dominante nas artes parece ser da ordem da variação e do diferente, permitindo a uns e outros apresentarem-se quase ao modo que desejarem.

O outro movimento se relaciona com o espaço da cidade e o aderir às cotidianas celebrações de rua. É de fato muito próprio da cultura local reunir-se nas calçadas e ambientes públicos, mesmo que nos últimos tempos as alienígenas iniciativas do choque de ordem, da prefeitura, pretendam coibir a prática. São tão poucas as opções de lugares fechados para sair na cidade que em dias de chuva parecem se extinguir praticamente todas as opções. Claro que as temperaturas elevadas contribuem para hábitos como esse, mas o fenômeno também se relaciona com o estilo de vida impregnado pelos hábitos de praia e com a informalidade que consegue juntar pessoas diferentes num mesmo canto, geralmente pulverizadas na mesma medida que as latas de cerveja.

Sendo assim, as festas da Gentil têm sido, nos últimos tempos, sob um certo ponto de vista, o melhor oásis encontrável nas manifestações festeiras locais. Há outras celebrações de ordem similar, como as tardes promovidas no gramado do Museu de Arte Moderna, mais intensamente em um mês que passou, mas que contam hoje quase constantemente com ensaios da Orquestra Voadora aos domingos. Muitos desses eventos fazem parte do calendário de verão, que impulsiona eventos ao ar livre, gratuitos e que de algum modo se relacionam com o carnaval que se aproxima. Mal começava o ano e já foi decretada a abertura não-oficial do carnaval de rua carioca, nas imediações da praça XV, no Centro…

As festas da Gentil podem vistas num sentido culturalmente amplo: são celebrações feitas na rua, agregando convidados, transeuntes e afins; mas também relativamente restrito, por se tratarem de eventos do circuito de artes, com toda a fama/tradição elitista que este carrega. Pois uma versão local e aberta de um evento inicialmente específico e restrito como se supõe que seja uma vernissage é produzida com esmero: é bonito de ver o grande fluxo de pessoas passar de um canto ao outro, subir, ver uns trabalhos, beber cerveja na rua, caminhar até o outro centro cultural e literalmente se acabar dançando no meio da rua até por volta de meia-noite. A região é, durante o dia, parte do centro de comércio popular conhecido como Saara, próxima à praça Tiradentes, que por sua vez, carrega uma história construída por teatros e prostitutas.

No último sábado, dia 5 de fevereiro, A Gentil Carioca, o Centro Cultural Hélio Oiticica e suas imediações sediaram a sétima edição do evento Abre Alas, exposição coletiva que dessa vez mais que nunca transbordou o espaço de uma única galeria de arte. Em tudo, foi mais especial ainda que de costume: todo o espaço da escada que dá acesso à Gentil foi pintado de dourado, com purpurinas espalhadas pelo chão. Da performance do artista Siri com seus tambores eletrônicos ao desfile organizado por Bruna Lobo e Liza Machado, intitulado “Acervo de Afetos”, todos os trabalhos expostos emitiam uma espécie de brilho e exuberância. As pessoas circulavam com as roupas no meio de todos, não havia separação, palco, nada. Como se fizesse sentido separar um ou outro na mistura. O bonito estava ali, em ver e fazer parte daquilo tudo.

transmissão 3D

resenha da palestra “transmissão 3D”
por inês nin, riomarket 2010

Tecnologias de ponta, distribuição e inovações marcaram a primeira mesa do ciclo de debates sobre 3D, realizado na sala de cinema do Pavilhão do Festival do Rio.

Eunézio de Souza, ou Prof. Thoroh, foi o primeiro a falar. Em poucos minutos, questões que tangem a distribuição de filmes e a qualidade dos mesmos foram abordadas do ponto de vista da tecnologia; Thoroh é cientista e coordenador do Laboratório de Fotônica da Universidade Mackenzie.

Primeiramente, ele comparou a distribuição “convencional e analógica”, tal como é feita hoje, na qual o filme sai da ilha de edição não-linear (digital, portanto nem tão antiga assim) para o transfer, a partir do qual são produzidas cópias em película, que por sua vez serão transportadas por caminhão até a sala de cinema. Ao fim, as cópias são eliminadas.

O novo modelo que propõe, chamado de “futuro cinema digital”, prevê uma transferência direta das ilhas de edição não-lineares para o “centro de distribuição cinematográfica”, local responsável por transmitir o filme via satélite, através de redes de fibra óptica ou de mídias físicas, diretamente para as salas de cinema. Lá, o material ficará temporariamente armazenado. As projeções serão digitais, e, ao fim do processo, os arquivos serão deletados.

Atualmente, existem alguns modos de distribuição digital, e o sistema RAIN transmite os filmes de maneira vagamente similar. A grande diferença estaria na qualidade – os filmes em 4k, de acordo com Thoroh, não deixam nada a desejar se comparados à projeção em película 35mm. Cabe, portanto, às tecnologias das redes de fibra óptica – e mesmo aos satélites – aprimorarem sua capacidade para poder receber esse material, que sem dúvida alguma ocupa muitos terabits.

Thoroh exibe, então, alguns gráficos que ilustram as transferências de dados que são feitas atualmente via GLIF – Global Lambda Integrated Facility (“organização visual integrada que promove o paradigma das redes lambda”), atribuições VLAN unicast e outros. As redes de fibra óptica que se propõem a serem usadas para as transmissões de filmes em superalta resolução constituiriam o que Thoroh chama de “a internet do futuro”: redes de IP com tecnologia aprimorada de maneira a viabilizar as transmissões, tendo também o problema da compressão de dados resolvido por novos formatos de arquivo, como o j2k ou o jpeg2000, que já existem.

Há o caso de um grupo japonês que propõe a transmissão de dados sem que seja necessária a compressão. Chama-se ‘Projeto 2014k’. Experimentalmente, o projeto se propõe a “demonstrar a potencialidade da futura internet no Brazil por streaming ao vivo em superalta definição”. A tecnologia R&D, representada na palestra por um esquema, pode parecer inicialmente complexa, mas na verdade vem a serviço da solução de um problema, tornando ideias mais simples de serem realizadas. Um dos provedores de conteúdo participantes do projeto é a Universidade Mackenzie, em meio a outra, e algumas das indústrias envolvidas são a Giga, Kyatera e RNP.

“A previsão é muito difícil, especialmente quando se trata do futuro”, exibe Thoroh no telão, no original em inglês, em citação a Niels Bohr. Conta que a primeira transmissão à distância feita com cabos de fibra óptica foi em 16 de agosto de 1858, por James Buchanan, Cyrus Fields, Lord Kelvin e Samuel Morse. A grande ameaça que se apresenta atualmente é o crescimento acelerado da internet, levando ao risco da incapacidade de transmitir todos os dados: seria a “catástrofe da internet”. Os satélites usados hoje para transmissões estariam em seu limite disponível. Não à toa, o assunto tem mobilizado diversos pesquisadores ao redor do mundo. Thoroh fornece, então, alguns links e artigos através dos quais o público pode se familiarizar mais com o assunto:

http://www.corning.com/docs/opticalfiber/r3461.pdf,http://zakon.org/robert/internet/timeline/ e http://www.telegeography.com/

Fábio Lima, da MovieMobz, apresenta-se em seguida. Dando continuidade ao assunto de sobrecarga de dados da internet, Lima especifica que os arquivos de música e vídeo compõem, hoje, o maior volume de dados transmitidos. Segundo ele, futuras soluções de transmissão de dados audiovisuais para as salas de cinema poderão ser tanto pendrives com altíssima capacidade de armazenamento (para gravação) quanto as redes de fibra óptica (para transmissões ao vivo).

Desse modo, fica claro que o tópico “digitalização do cinema”, que vem sido impulsionado em grande parte pela implementação das salas com tecnologia 3D, não atinge somente os cinemas, mas também os usuários da internet. A média de salas 3D tem sido de 1 por complexo, mas, com o enorme sucesso das produções feitas com essa tecnologia, o número só tende a aumentar.

A qualidade do 3D difere bastante, no entanto. Os projetores 3D atuais das salas de cinema transmitem por broadcastings de 2k, metade da resolução apresentada pelas tecnologias mais recentes. O 3D captado por iMacs (70mm), por sua vez, possui uma diferença notável na profundidade se comparado ao 3D de alta resolução. Lima fala novamente na necessidade de aumento de banda e da capacidade dos satélites, como infraestrutura básica para que as transmissões de filmes em altíssima resolução possam avançar. E estes são capítulos a ser definidos sob o ponto de vista comercial.

Dolby, Real D, MasterImage e XPanD são as tecnologias 3D disponíveis hoje no mercado, afirma Albert Besso (TCE). Eles possuem diferenças entre si: os sistemas polarizados RealD e MasterImage (Transisom/Kelonik) agem por raios infravermelhos; o Dolby3D tem um filtro de cor no projetor. O RealD tem a tela metalizada. Os tipos de óculos também são bastante diferentes, e há uma disputa tecnológica muito grande para a produção de imagens 3D em superalta resolução que possam ser vistas a olho nu.

Besso apresenta novas tecnologias que vêm sendo implementadas. A cidade de Maringá (PR) receberá em breve, em primeira mão, um complexo que conta com uma tela 3D gigante, que vai quase até o chão e ocupa toda a largura da sala. Juntamente ao som espacial imersivo 3D, que evoluiu do Dolby 6.1 e 7.1 para o 23.1 (23 canais), a intenção é que o espectador se sinta totalmente envolvido pela experiência, configurando um tipo realmente diferenciado de cinema. Este esquema de som com 23 canais está atualmente sendo desenvolvido na Espanha, e o México já possui complexos com 3 salas com tecnologia 3D. É uma corrida muito grande, na qual muitos investimentos estão envolvidos.

“Um dos objetivos é combater a internet, o conteúdo sob demanda (VoD, sigla para Video-on-Demand) e os games, fornecendo uma experiência mais completa”, informa Besso. Por internet se entende a difusão de informação, a mudança de hábitos do consumidor e a pirataria, ao que Fábio Lima rebate: “Pirataria não é um problema, mas uma concorrência”. O VoD é a resposta comercial não-física à questão, que deve oferecer preços compatíveis, tal como já ocorre nos EUA. A contrapartida física é o cinema 3D, que deve oferecer um produto melhor e com mais vantagens.

Durante o debate, Walkiria Barbosa intervém citando números da Total Entertainment: “Devido à pirataria, com o ‘Se Eu Fosse Você 2’ perdemos um total de 1000% em lucros”. Fábio Lima: “O brasileiro passa muito tempo na internet, mas é porque o conteúdo é de graça”, completa. É um momento de transição, em que novos modelos e soluções têm sido pensados. O se mostraria necessário, agora, é infra-estrutura e incentivos governamentais a esses novos empreendimentos. Lima afirma que “O governo precisa se interessar mais pelo VoD e outras soluções de distribuição, tornando os produtos competitivos no mercado.”

Sobre infra-estrutura, Prof. Thoroh discorda, dizendo que o Brasil não está tão atrás assim: “O processo de modernização tecnológica é não-linear, até que todos atingem um turning point.” Para ele, o que falta é mão-de-obra especializada, porque incentivos à pesquisa existem. Walkiria Barbosa encerra o debate afirmando que não há no Brasil uma iniciativa para discutir o 3D fora do Festival do Rio.

IAEL – Marcas e Cinema: paródias e product placement

Posted on 30/09/2010 by Inês Nin

O segundo painel da IAEL dessa quinta-feira foi destinado à discussão de questões legais envolvidas no uso de marcas da indústria do entretenimento, como título, logos, nomes de personagens, locações, referências explícitas etc. Na mesa estavam presentes Anthony Lupo (Arent Fox LLP), Luiza Duarte Pereira (Murta Goyanes Advogados) e Louise Nemschoff (Independent Film and Television Alliance), moderados por Marcelo Goyanes (Murta Goyanes Advogados).

Luiza Duarte Pereira iniciou sua fala concentrando-se na questão da proteção às marcas criadas para um filme. Através do uso de slides, expôs pontos relacionados ao processo de registro/autorização de uso, que deve ser feito na INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) pela produtora responsável. Consta, então, uma cláusula de originalidade, referente à cessão/licença exclusiva de direitos de roteiristas e argumentistas. O Brasil segue um sistema atributivo de direitos, o que significa que tanto a marca quanto a exploração comercial da obra, bem como de seus subprodutos, só vale efetivamente caso esta tenha sido registrada.
É importante que os contratos sejam minuciosamente elaborados, de modo que fiquem claras as condições referentes à utilização da marca por terceiros.

Pereira apresenta exemplos de product placement, distinguindo-os de casos em que se detectou violação de uma marca. A diferença consiste essencialmente em que, no caso do product placement, uma empresa fecha um acordo comercial com a produção de um filme para divulgar seu produto, inserindo o anúncio no contexto da narrativa. É uma ação paga e acordada mediante contrato. Violação, por outro lado, consiste no uso indevido de uma marca por outra.

Pereira ilustra sua fala usando exemplos da indústria do entretenimento: o filme “Tropa de Elite” tem uma logo com uma caveira, logo, uma marca; os personagens do “Sítio do Picapau Amarelo” têm nomes e um visual específico bem reconhecível.

Cita dois casos conhecidos de violação, ambos envolvendo a Rede Globo: a marca de produtos de beleza Maya veiculou uma propaganda ambientada na Índia, referindo-se, no texto, explicitamente à telenovela “Caminhos das Índias”. O caso foi a julgamento e terminou com a Maya sendo condenada a retirar o comercial do ar. Em outra situação, há mais tempo, uma telenovela da Globo citou “sabão da Costa” junto a uma menção a Iemanjá, entidade do candomblé e umbanda. A marca “Sabão da Costa” não gostou nada da menção, mas a roteirista argumentou que havia utilizado uma expressão de uso corrente: “sabão da Costa” é um termo tradicionalmente usado por escravos brasileiros, e o nome se refere à Costa do Marfim, na África.

Em seguida, Louise Hemschoff, advogada da Independent Film and Television Alliance, falou sobre o uso de marcas em filmes, concentrando-se nos usos humorísticos que podem ser feitos. Em quais casos o uso é legal, justificado como “fair use” (“utilização justa”), e em quais não é? Se comparada à brasileira, a legislação dos EUA é mais permissiva quanto a isso, diz ela. Existem variações: o fair use não-normativo, que corresponde a promoções em filmes, e a propaganda comparativa, que deve ser verdadeira. É permitido, nos EUA, que o comercial de um produto o compare a outro, desde que sua afirmação seja verdadeira.

Hemschoff, em sua fala, prefere se concentrar em um tipo específico de fair use: a paródia. Seu uso deve ser não comercial, e necessariamente humorístico. Nos EUA, há uma forte tradição de T-shirts, lembra, que funcionam nos meios urbanos como forma de auto-expressão. As paródias são manifestações criativas, e emergem, desse modo, frequentemente como comentário social.

Do ponto de vista jurídico, surge a pergunta: “Do que a paródia ri? Qual é seu objeto?”. Pode ser um comentário social ou se direcionar à própria marca em questão. Hemschoff traz diversos exemplos: bolsas Louis Vouitton de pelúcia branca feitas para cachorros, que zombam do alto valor atribuído a elas; a campanha “The North Face”, representada por uma curva, que se tornou “The South Butt”, com a curva invertida; um rótulo que lembra o do café Starbucks mostrando uma mulher semi-nua e drogada e “Enjoy Cocaine”, referente à Coca-Cola.

Mesmo quando se trata de comentário social, que poderia estar presente em todos os casos mencionados, existem limites quanto à exploração da marca. Ao menos quanto à justificativa da campanha por fair use. “As empresas detestam associações com sexo e drogas, isso é fato”, alerta. Por isso, tanto “Enjoy Cocaine” quanto a versão da logo da Starbucks foram vistas como difamação, gerando embates judiciais.

Finalmente, Anthony Lupo, da Arent Fox LLP, concentra sua exposição na legislação implicada no licenciamento de marcas nos EUA. Com enfoque sobre a indústria do cinema, reitera que os estadunidenses tendem a ser mais liberais. Diz que o registro de obras não é requerido, mas altamente recomendável, pois facilita acordos de product placement emedia placement. “Todas as condições referentes aos direitos de terceiros devem estar bem claras”, recomenda. Os usos a serem feitos de determinada marca devem ser estabelecidos por contrato.

A partir disso, são fixadas attorney fees, que consistem em taxas estipuladas previamente para a cessão de parte da obra, com usos estipulados. Devem-se ponderar os valores de mercadoria e a expressão artística, de maneira a não comprometer o produto final. Ao falar das vantagens e condições implicadas nessas parcerias, Lupo encerra seu discurso dizendo: “Transforme um filme com o product placement”.

reforma da lei de direitos autorais

resenha da palestra “IAEL e a reforma da lei de direitos autorais”
por inês nin e lonya mana gomes, riomarket 2010

A Reforma da Lei de Direitos Autorais brasileira é o assunto central em pauta já há algum tempo, tanto em fóruns de cultura quanto de Propriedade Intelectual. Diante das gigantescas controvérsias, opiniões variadas e embates judiciais que vêm ocorrendo ao redor do mundo, envolvendo violações ao direito de autor, legislações diferentes em cada país e, principalmente, as mudanças decorrentes do advento da internet, mostra-se necessária uma discussão ampla a respeito do assunto. Com as mudanças técnico-sociais de impacto no contexto mundial, práticas antigas como a pirataria ganharam novos modos de atuação, assim como também emergiram novas e interessantes oportunidades para a divulgação e distribuição de produtos audiovisuais.

Dado que a Lei de Direitos Autorais brasileira sofreu pouquíssimas modificações desde o século XIX, existe, atualmente, uma proposta de reforma dessa legislação com a intenção de atualizar as normas que regem as práticas de consumo e difusão. O principal motivo que rege essa iniciativa é que se mostra necessária, diante do contexto, a criação de uma base legislativa sob o prisma do Direito, visando dar conta dos problemas que têm ocorrido.

Por falta de legislação apropriada, inúmeros processos que vêm ocorrendo ao redor do mundo tratam os consumidores-produtores da rede como réus criminais. Diante desse panorama, foi elaborada, há pouco tempo, uma minuta que ouviu, em debate público, tanto organismos ligados à propriedade intelectual quanto empresas e pessoas físicas. O Ministério da Cultura elaborou, então, a partir dos resultados obtidos, um Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais. Após ouvir cidadãos e instituições em consulta pública durante mais de um mês, o Anteprojeto foi aprimorado e deve entrar em vigor já no começo de 2011.

Marcelo Goyanes (Murta Goyanes Advogados), mediador da mesa, apresenta o tema afirmando que não existe uma nova lei ou sequer um projeto de lei de Reforma dos Direitos Autorais. Para ele, o que existe é um “antiprojeto”, com o intuito de estimular a criação artística, possibilitando a todos o acesso à cultura.

Concentrando-se nas limitações e licenças não-voluntárias, Manoel Pereira dos Santos, da Santos & Furriela Advogados, expôs pontos dos dois principais capítulos do Anteprojeto. De acordo com ele, as principais limitações encontradas consistem na possibilidade do uso livre de bens culturais; em uma ampliação das hipóteses de limitação da livre utilização da cultura para fins didáticos, educacionais, informativos, pesquisas e como recursos criativos. Consta, também, uma sutil alteração em uma cláusula geral baseada no “fair use”.

O Art. 46 estabelece que “não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza”, em 18 casos especificamente detalhados, seguidos de “fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo” e de forma que os respectivos autores não sejam prejudicados. Segundo Pereira dos Santos, essas licenças sobre a cópia privada podem contemplar licenças não-voluntárias.

Há exceções para os casos de obras esgotadas, quanto aos titulares criarem restrições ou até mesmo se recusarem a reproduzir a obra e para obras órfãs. Mas, no todo – afirma Pereira dos Santos – praticamente tudo se torna permitido desde que não haja finalidade lucrativa no uso dos bens culturais. Existem condições básicas para se adquirir a licença compulsória, explica: há uma restrição aos direitos concedidos. O titular será desapropriado, mas mediante um prazo e a concessão é limitada a um interessado com legitimidade. Este deverá ter capacidade técnica e econômica, além de ter os mesmos fins previstos como na limitação, e os titulares receberão uma remuneração justa.

Para Attilio Gorine, da Dannemann Siemsen Advogados, a lei vigente não é moderna e não se adéqua ao advento da internet. No entanto, no Anteprojeto foi perdido o foco sobre os direitos de autor. Quanto às limitações, há uma permissão em relação às cópias integrais privadas; cópias para portabilidade e interoperabilidade; na exibição audiovisual em estabelecimentos de ensino; cópia; distribuição e comercialização aos públicos de obras para portadores de necessidades especiais; na não possibilidade de um acordo do pagamento das licenças compulsórias e para a conservação nas bibliotecas. Sobre isso, ele acrescenta: “Por que o deficiente não pode pagar pelo conteúdo?”. De acordo com Gorine, o Estado procura proteger excessivamente o acesso à cultura, sob a “desculpa do acesso ao conhecimento.”

No caso das exibições audiovisuais, há ainda casos como a finalidade de difusão cultural; a multiplicação de público; a formação de opinião ou debate; utilização da obra por associações cineclubistas; a difusão no interior de templos religiosos; para os fins de reabilitações ou terapias; nas internações médicas ou em unidades prisionais. O Anteprojeto se propõe a amparar todas as cópias das obras que não estiverem disponíveis para venda em quantidades suficientes, visando fins didáticos, educacionais, informativos, de pesquisa ou como recursos criativos. Attilio Gorini acredita que, em todos esses casos, as instituições não deveriam ter direito ao uso das obras sem o pagamento de licenças compulsórias, ainda que isso possa implicar em uma diminuição drástica no acesso, difusão e popularização das mesmas.

O norte-americano Mark Halloran, da Halloran Law Corporation, falou sobre a legislação de seu país, que é em muito centrada no consumo e no comércio: “but that’s how we are”, completa, sorrindo. Exemplos de leis e experiências recentes ocorridas nos EUA pairaram sobre o Anteprojeto brasileiro, em contraposição. Halloran diz que, no campo da música, graças ao livre acesso aos arquivos através da internet, o público não se deu conta de que a qualidade das músicas caiu devido à grande quantidade de criações. Cita uma experiência pessoal, na qual suas filhas, que anteriormente baixavam música gratuitamente para seus iPods, hoje, crescidas, compreenderam a questão e pagam pelo conteúdo que consomem.

De maneira geral, diz ele, os norte-americanos, por sua cultura, estão mais acostumados a pagar por conteúdo – ou mesmo por palestras dadas por pesquisadores em universidades, acrescenta uma senhora na plateia. Halloran deixa como sugestão, por fim, a necessidade de se dar atenção aos autores e também ao público, de modo que nenhuma das partes seja prejudicada.

narrativas transmídia e os diferentes discursos possíveis

resenha da palestra “transmídia”
por inês nin, riomarket 2010

Começava a segunda mesa de debates do RioSeminars voltada para as novas mídias. Antes, caminhando por ideias um pouco diversas, havia sido discutida a programação da TV brasileira, seguida por um painel sobre VOD – um novo modelo de negócios para a distribuição audiovisual que tem como base a internet.

A mesa Transmídia, mediada por Tania Yuki, da empresa de pesquisas comScore, trazia convidados com estórias muito diferentes para contar. Yuki apresenta o tema, primeiramente: “transmídia”, termo que desperta curiosidades, trata essencialmente de narrativas muliplataformas, e deixa a pergunta: “qual é o melhor modo de se contar uma estória?”.

Maurício Mota começa se apresentando. É membro da Divisão Transmídia da Rede Globo, da CGCom e do grupo Os Alquimistas. Para ele, o transmedia storytelling é a uma ferramenta para contar estórias com o objetivo de alcançar o maior número possível de pessoas. Mas, alerta, é importante ter estratégia e traçar uma trajetória coerente. Não é sempre necessário o uso de todas as mídias disponíveis para se divulgar uma ideia. Leonardo Sá, consultor técnico de multimeios da Petrobras, assim como Mota, fala sobre a contação de estórias de maneira direcionada à divulgação de uma marca. Nesse caso, a narrativa transmídia seria um modo de fazer as informações sobre determinado produto chegarem mais próximas do público.

As redes sociais desempenham um papel importante nesse ambiente, ainda que o discurso ainda não seja capaz de esclarecer alguns pontos específicos, como os usos e as vantagens dessas mídias. Talvez ainda estejam no terreno das descobertas – que aliás, ali, são constantes – até porque nunca cessa a busca por inovação. Mas, o que ganha destaque e parece ser ponto central do transmedia storytelling é a necessidade – e a possibilidade – de poder se aproximar mais das pessoas, levando-as se envolver com as narrativas. Através disso, consomem produtos ou ideias ligado a elas.

Na prática, enquanto Mota e Sá discutiam a difusão de uma marca, seja a venda de um filme – que se desdobra em game, site, twitter etc. – ou de uma marca de cerveja, Stephen Dinehart (NarrWare) falava no poder da imaginação para alterar o estado das coisas. Originalmente designer de games, Dinehart falou pouco na mesa, mas conseguiu deixar ao menos parte da plateia bastante entusiasmada.

Daniel Pereira, diretor do Convergence Culture Consortium (C3), vinculado ao programa de Comparative Media Studies (CMS) do Massachussets Institute of Technology (MIT), pontuou práticas e processos associados às narrativas transmídia, como indicam as pesquisas do C3 nos últimos anos: cultura participativa, convergência coletiva, transmídia e cultura popular. Seu ponto central é defender que as formas de engajamento do público são moldadas pelos protocolos sociais e culturais, e não pela tecnologia em si. “O mais importante não é o (uso do) dispositivo, mas os aspectos culturais e sociais que orientam sua utilização”. Ou, em outras palavras, “não é sobre o hardware, mas sobre as ações que se encontram umas às outras”.

Ao falar em engajamento do público, Pereira cita o livro “Inteligência Coletiva”, de Pierre Lévy, para nortear a plateia acerca de seu campo teórico*, e diz que a cultura de fãs desempenha um papel central nessa trajetória. Grandes narrativas de sucesso, como “Star Wars”, “O Senhor dos Anéis”, “Matrix” e o recente “Avatar” foram lembradas como os melhores exemplos para clarificar um pouco o assunto. Esses produtos audiovisuais são e foram capazes de atingir um número enorme de fãs; espalharam-se por meios que vão desde filmes, séries de TV, jogos eletrônicos até bonecos e artefatos dos personagens. Não há como não lembrar de fan fiction – versões das estórias feitas por fãs, usando os mesmos personagens e cenários dos ‘originais’ – e o poder que elas carregam ao apontarem o envolvimento do público com o produto que ele admira. Torna-se, de fato, mais que um simples produto. Já faz parte do imaginário desse público, que se envolve ativamente com ele.

A questão passa a ser, então, “como ativamos esses comportamentos”, coloca Dinehart. Para ele, “nós vivemos em um mundo transmídia”, então cabe apenas saber ativar esses processos, para que as ideias se multipliquem e ramifiquem. E isso vale tanto para uma marca comercial quanto para uma ideia ligada à transformação social.

Rene da Silva Santos, jornalista de apenas 16 anos, edita e publica desde os 11 anos um jornal no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde vive. Na mesa, apresenta uma estória que mistura sua experiência com o jornal e sua própria história de vida. A indiferenciação é curiosa, mesmo porque o jornal, intitulado “A Voz da Comunidade”, atingiu grande sucesso ao longo dos anos e é atualmente divulgado nas mais populares mídias sociais disponíveis, visando ampliar seu campo de atuação.

Sua história admira o público, sem dúvida, mas o mais interessante é observar a disparidade dos ambientes dos quais emergem os palestrantes ali presentes, e os discursos possíveis que se estabelecem a partir de uma ferramenta em comum. Santos não pesquisa tecnologias no sentido acadêmico ou comercial, mas as utiliza para difundir seu trabalho, e tem encontrado resultados admiráveis. Um diálogo maior entre todos será certamente muito proveitoso, no sentido de entender melhor os processos correntes e apontar novos caminhos.

*Daniel Pereira fez questão de mencionar alguns teóricos envolvidos em suas pesquisas sobre narrativas transmídia e cultura da convergência. São eles: Henry Jenkins (MIT/USC), autor do livro “Cultura da Convergência”; Marsha Kinder (USC); Geoff Long (MIT-CMS/Microsoft) e Ivan Askwith (MIT-CMS/Big Spaceship).

indietronica e a cena alemã

artigo publicado em 2006 no site cafetina eletroacústica, voltado para “música, cinema, interlocuções e comportamento” e editado por debora baldelli

Bateu na porta sem ser convidada. A primeira banda que eu ouvi de indietronica foi The Notwist, com seus beats delicados, melodias fáceis mas nada óbvias e um disco irresistivelmente doce, pop e criativo. Me ganharam de cara, os irmãos Acher e seu Neon Golden. Situada em uma deliciosa interseção entre o rock e a eletrônica, a descoberta me fez querer ouvir mais.

É claro que misturar rock com eletrônica não é novidade. Desde as bandas oitentistas como Joy Division/New Order e Depeche Mode, até o novo rock de hoje (fortemente influenciado pelas primeiras), a combinação persiste feliz, multiplicando os horizontes das bandas e projetos que a adotam. Filhas bastardas da eletrônica das pistas são as bastante populares hoje Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs, Maxïmo Park e todas as similares que aqui seguem, oriundas da fervilhante cena do Reino Unido, passando pelo fantástico LCD Soundsystem, Liars, !!! e outros, norte-americanos, que seguem por um caminho dançante porém experimental. Estas resultam em um som inquieto, explosivo, fortemente influenciado pelo punk.

Vindo em direção contrária, oriunda de outros nichos e de uma outra eletrônica, a indie eletrônica ou simplesmente indietronica vem ganhando espaço desde o finalzinho do século passado. Nascido a partir de experimentações usando elementos da IDM (“intelligent dance music”, termo algo controverso), glitch e indie rock (ou indie pop), o estilo une bases eletrônicas minimalistas a vocais doces, freqüentemente com estrutura de música pop. E é entre Berlin e Munique que a cena florece.

Inseridos neste contexto, o alemão The Notwist, de Markus e Micha Acher (somados a Martin Gretschman e Martin Messerschmi) é possivelmente a banda mais forte da gravadora Morr Music, de Berlin. Pode-se dizer que tudo se desenvolveu a partir dali: tendo lançado um disco de hardcore, Nook, onde a semelhança com o som do grupo atualmente pára nos vocais, eles lançaram em seguida o disco Shrink (1998), que desempenhou o papel não só de reinventar o som da banda totalmente como já apontava para novas direções em termos musicais. Shrink começa com Day Seven, que demora quase dois minutos para “começar” de fato. É um disco experimental, onde nem todas as faixas possuem vocais e somente as primeiras se encaixam mais ou menos no conceito de música pop, com batidas marcadas e um som líquido, que flui deliciosamente ao longo da gravação. Neon Golden, o disco seguinte, de 2003, é mais bem concebido nos padrões da música pop, possuindo canções cujas batidas, ainda que minimais, chegam a flertar com ritmos mais dançantes como o drum’n’bass. Mas tudo usando linguagem própria.

13&God consiste em The Notwist + Themselves. Themselves é um grupo de hip-hop experimental do selo Anticon, onde, juro, o que menos se encontra é hip-hop como é popularmente conhecido hoje. É hip-hop para as mentes abertas, música avant-garde como alguns chamam, e a união destes dois grupos não poderia ter originado um disco menos criativo, onde são notáveis as contribuições do The Notwist com as melodias pop e os vocais doces, enquanto o disco é levado para caminhos muito pouco previsíveis pelo Themselves.

A banda se desdobra ainda em alguns outros projetos, nem tão paralelos assim, além do 13&God: Console, Lali Puna, Ms. John Soda, John Yoko e Tied + Tickled Trio. Lali Puna é o mais popular destes (consideradas as devidas proporções), sendo composto por Markus Acher e Valerie Trebeljahr, alemã com ares de oriental que canta em inglês e português – com sotaque de Portugal. Entre canções como Contratempo, cantada em português, e Call 1-800-Fear, com uma batida marcada e até dançante, a sonoridade do grupo é fria, leve e charmosa, cheia de pequenas surpresas, remetendo em alguns de seus aspectos ao Stereolab. Já Tied + Tickled Trio é algo como jazz eletrônico experimental, e Console é o projeto solo do programador Martin Gretschmann, este totalmente eletrônico e oscilando entre a eletrônica experimental e aproximações com o electro.

A gravadora Morr Music na prática reproduz o gosto musical de Thomas Morr, seu fundador, que também atua como DJ, abrindo para as bandas ou tocando sozinho, geralmente pela Europa. No site da Morr, graciosíssimo, na parte de “FAQ / demo policy”, eles explicam que aceitam receber CDs demo, desde que não sejam de heavy metal ou electroclash… Há, claro, outras bandas dali que merecem destaque, como The American Analog Set, norte-americanos que produzem um som leve e mais próximo ao indie pop; Múm, islandesa e uma das bandas mais interessantes e fofas da atualidade; Tarwater, mistura experimental de indie rock/post-rock e indietronica, e que já veio fazer shows no Brasil de graça (!) no Resfest do ano passado em São Paulo; Styrofoam, projeto do belga Arne Van Petergen; The Go Find, banda apadrinhada por Arne que se aproxima muitíssimo ao seu som porém soa bem mais rock; ISAN, inglês que produziu o disco mais delicioso de “e-soninho” que eu já ouvi (Lucky Cat) e Electric President, que lançou há pouco tempo um dos discos mais empolgantes da indietronica, onde une da forma mais bonita os elementos que a compõem.

Obviamente a indietronica não se limita à Morr ou à cena alemã, onde o grande hype atualmente é produzir sons minimalistas, mas também se extende por outras áreas onde os artistas incorporaram o estilo: The Postal Service, talvez a mais famosa dentre todas as que eu poderia citar, é um projeto do vocalista Ben Gibbard, do grupo de indie rock Death Cab For Cutie com Jimmy Tamborello, que também responde pelos projetos Dntel e Figurine, e suas músicas são bonitas e pop a ponto de grudar nos ouvidos por dias a fio; há também o Broadcast, que mistura texturas sonoras de um modo que lembra desde Stereolab até My Bloody Valentine; Stars, da respeitabilíssima gravadora canadense Arts & Crafts; Le Tigre, de Kathleen Hanna, conhecida pela banda de riot grrrl Bikini Kill e outras, que juntas constituem um conjunto variado de sonoridades que de uma forma ou de outra são inegavelmente próximas.

Não é difícil perceber que todas essas bandas ou projetos partiram de grupos de rock, que estando abertos para experimentações puderam chegar ao ponto que configura um novo estilo. Alguns dos artistas aqui citados têm ou tiveram bandas de post-rock, mais freqüentes até pela sonoridade que os aproxima, como o Ms. John Soda e o Couch, ou o ultra-criativo artista Four Tet e seu Fridge, ambos ainda na ativa. Mas este último é um caso a parte, que demanda uma imersão por outros ambientes sonoros.