a gentil e a rua

testemunho de rua do rio, publicado no overmundo no calor das festividades que abriam 2011

Um pré-carnaval manifesto, alegria de rua e exposição de artes. Dois movimentos foram necessários até que eu chegasse às incríveis aberturas da galeria A Gentil Carioca, no Centro do Rio. O primeiro diz respeito a conhecer o circuito e as festas de artes, sempre multicoloridas e abertas às mais diferentes pessoas. Não sei se foram os muitos anos frequentando noites de rock e algumas de eletrônica pela vida que trouxeram esses pensamentos, mas a mim esses eventos se assemelham a algo como um mundo paralelo. No que todos os outros campos buscam uma espécie de norma ou padrão que unifique a “cena”, o paradigma dominante nas artes parece ser da ordem da variação e do diferente, permitindo a uns e outros apresentarem-se quase ao modo que desejarem.

O outro movimento se relaciona com o espaço da cidade e o aderir às cotidianas celebrações de rua. É de fato muito próprio da cultura local reunir-se nas calçadas e ambientes públicos, mesmo que nos últimos tempos as alienígenas iniciativas do choque de ordem, da prefeitura, pretendam coibir a prática. São tão poucas as opções de lugares fechados para sair na cidade que em dias de chuva parecem se extinguir praticamente todas as opções. Claro que as temperaturas elevadas contribuem para hábitos como esse, mas o fenômeno também se relaciona com o estilo de vida impregnado pelos hábitos de praia e com a informalidade que consegue juntar pessoas diferentes num mesmo canto, geralmente pulverizadas na mesma medida que as latas de cerveja.

Sendo assim, as festas da Gentil têm sido, nos últimos tempos, sob um certo ponto de vista, o melhor oásis encontrável nas manifestações festeiras locais. Há outras celebrações de ordem similar, como as tardes promovidas no gramado do Museu de Arte Moderna, mais intensamente em um mês que passou, mas que contam hoje quase constantemente com ensaios da Orquestra Voadora aos domingos. Muitos desses eventos fazem parte do calendário de verão, que impulsiona eventos ao ar livre, gratuitos e que de algum modo se relacionam com o carnaval que se aproxima. Mal começava o ano e já foi decretada a abertura não-oficial do carnaval de rua carioca, nas imediações da praça XV, no Centro…

As festas da Gentil podem vistas num sentido culturalmente amplo: são celebrações feitas na rua, agregando convidados, transeuntes e afins; mas também relativamente restrito, por se tratarem de eventos do circuito de artes, com toda a fama/tradição elitista que este carrega. Pois uma versão local e aberta de um evento inicialmente específico e restrito como se supõe que seja uma vernissage é produzida com esmero: é bonito de ver o grande fluxo de pessoas passar de um canto ao outro, subir, ver uns trabalhos, beber cerveja na rua, caminhar até o outro centro cultural e literalmente se acabar dançando no meio da rua até por volta de meia-noite. A região é, durante o dia, parte do centro de comércio popular conhecido como Saara, próxima à praça Tiradentes, que por sua vez, carrega uma história construída por teatros e prostitutas.

No último sábado, dia 5 de fevereiro, A Gentil Carioca, o Centro Cultural Hélio Oiticica e suas imediações sediaram a sétima edição do evento Abre Alas, exposição coletiva que dessa vez mais que nunca transbordou o espaço de uma única galeria de arte. Em tudo, foi mais especial ainda que de costume: todo o espaço da escada que dá acesso à Gentil foi pintado de dourado, com purpurinas espalhadas pelo chão. Da performance do artista Siri com seus tambores eletrônicos ao desfile organizado por Bruna Lobo e Liza Machado, intitulado “Acervo de Afetos”, todos os trabalhos expostos emitiam uma espécie de brilho e exuberância. As pessoas circulavam com as roupas no meio de todos, não havia separação, palco, nada. Como se fizesse sentido separar um ou outro na mistura. O bonito estava ali, em ver e fazer parte daquilo tudo.

assunto

i change my mind while i speak. sussurro na sua orelha, em pé na rua, laçados. quase-performance no meio da praça largo do machado, em frente ao metrô. é amor, i say, é tesão, você pensa. quadrados conformes, acordos esquisitos mas memoráveis; no que nos diz respeito é tudo memorável. aqui, não ali. minha memória é o mundo, está no mundo, internet, tudo isso. deleto para mais não ver, a web é pura visibilidade, vigilância. penso que eu seria mais calma se me concentrasse nos livros e não nas telas de computador.

memória plena, vontade. uma tarde inteira, uma vida inteira, eu faria. faria mesmo? sei de vontades, sei de memórias inventadas, constelações, vícios e abraços. intensidades eu tenho vontade de guardar todas para que se multipliquem, mas elas preferem o mundo.. talvez um dia tenha sucesso na coexistência entre mundo e o mundo, mundo e intensidades, mundo e desejos. fluxos que se percebem e não têm medo. alguma ordem no que não se nomeia, um a de aceleração. catálise.

alheamento é para não confundir, para costurar desejos. embate em conversa, guerra de almofadas, guerra. conhecer em excesso é participar da vida? não se sabe; participar pelos outros implica em conhecimento. ou é uma definição. me especializo em “it’s complicated”, não em definições. ao menos existe o lado divertido da vida, esse que faz voar em pequenos bocados e carrega consigo um resto do todo. não completa, mas percebe e se põe em contágio continuamente. esponja. mundo-esponja é cada um que se abre.

meu corpo é uma interface ou o conceito é mais amplo? mais estrito? devolvo a pergunta, reverberada. e com quê de mistura, química; é assim por agora. dissolução.

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alhear

v.t. (1) tornar alheio; alienar, privar de. (2) fig. alucinar, desvairar, enlouquecer: alhear as mentes fracas. (3) v.pr. tornar-se alheio; evitar intencionalmente tomar conhecimento de algo. (4) arrebatar-se, extasiar-se.