ludologia e narratologia: teorias de jogos eletrônicos

por inês nin, julho de 2008

 

Em busca de teorias que fossem capazes de interpretar os jogos eletrônicos – forma midiática que emergia com a computação –, foi criado o campo acadêmico chamado game studies, ou estudo de jogos. Os textos mais antigos datam de 1997 e são de Janet H. Murray (Hamlet no Holodeck – O Futuro da Narrativa no Ciberespaço) e Espen J. Aarseth (Cybertext – Perspectives on Ergotic Literature). Ambos fazem uso do prefixo cyber, cunhado por Norbert Wiener em Cibernética (1948) e O Uso Humano dos Seres Humanos (1950), sendo o primeiro um livro de enfoque mais técnico e o segundo uma obra sobre a interação entre humanos e máquinas como forma de comunicação.

No momento presente, pouco mais de dez anos após as primeiras publicações no campo, sites na internet se multiplicaram acerca dos estudos; novos termos e abordagens foram trazidos para o campo; novos teóricos surgiram propondo debates e os games em si foram complexificados e aperfeiçoados. Dentro do campo crescente dos game studies, autores como Gonzalo Frasca e Jesper Juul surgiram inaugurando o que eles próprios chamam de ludologia (do inglês ludology), que em si se diferencia da abordagem feita da chamada (pelos ludologistas) de narratologia (narratology). Eles partem da teoria de Aarseth, que fala do cibertexto e da literatura egórdica – que necessita de um esforço maior que um simples virar a página de um livro para ser lida (apesar dos termos). Dela destacam em especial a passagem “To claim there is no difference between games and narratives is to ignore essential qualities of both categories” (AARSETH, 1997), de Cybertext, para ir em direção contrária à perspectiva “narratologista” de Murray e outros como Henry Jenkins.

Frasca foi quem “inaugurou” o que seria esta nova disciplina especificamente criada para estudar os jogos – eletrônicos ou não, ainda que tenha ênfase nestes – em um artigo de 1999 entitulado “Ludology Meets Narratology: Similitude and differences between (video)games and narrative.” O termo ludology, de fato, não foi cunhado por ele, e nem é novo, mas tem sido usado há algum tempo por jogadores de jogos não-eletrônicos. Ludus, em si, vem do grego e denota aspectos relativos a jogo. Na teoria ludológica ele vem assumir um significado mais específico.

Partindo das categorias criadas por Roger Caillois, Frasca estabelece a distinção entre ludus e paidia (em português, ludo e paideia) como formas diferentes de jogo. Esta necessidade é explicitada pela confusão potencialmente encontrada com as palavras “play” (em inglês, que tem duplo significado e pode ser tanto verbo quanto substantivo) e as respectivas em outras línguas, que só encontram um significado (em português poderíamos encontrar a distinção entre “jogo” e “brincadeira”, ou jogar/brincar). De acordo com a ludologia, essencialmente, ludo seria o jogo com regras, e paideia, sem regras.

A paideia aqui remete àquela brincadeira de crianças bem pequenas que não tem hora para acabar e cujas regras mudam de acordo com o gosto da criança. O ludo seria o jogo de adultos, como o xadrez, que tem objetivo definido, estratégia e regras bem demarcadas. O jogo do tipo ludo é o que mais se aproxima da concepção de jogos eletrônicos abordada pelos “narratologistas”. Ele traz em si os três atos apontados pela teoria estética de Aristóteles (ver Poética) e que se verificam mais tipicamente nas narrativas hollywoodianas.

Seriam correspondentes aos jogos eletrônicos de aventura. Murray encara os jogos de computador como novas formas de criar histórias, ou narrativas, considerando a constante escolha por caminhos que se tem que fazer nos jogos como direções tomadas por uma narrativa multi-linear. Os jogos especificamente analisados por ela são os MUDs (Multi-User Dungeons), precursores dos atuais MMORPGs (Massive Multi-player Online Role Playing Games), como Zork e Myst.

É de fato inegável a semelhança de tais jogos às narrativas cinematográficas, por exemplo, e diversos estudos têm sido feitos a respeito disso, apontando semelhanças e diferenças. Sem dúvida a principal diferença é que no caso do jogo eletrônico o interator (que interage com o texto; um nome para a forma de leitura descrita por Murray em meio digital) tem a possibilidade de “incorporar” o personagem e interagir ativamente com a história – que está então sendo construída.

Acerca disso, Frasca argumenta que pessoas reais não agem como personagens, especialmente se lembrarmos da forma tradicional deles e presente nas narrativas (dotadas de estrutura clássica). Personagens em geral são baseados em arquétipos, tipos, enquanto pessoais reais são seres muito mais complexos que esta forma simplificada criada para a literatura e peças teatrais.

As diferenças entre as concepções teóricas são muitas, enfim. Podemos estabelecer aqui as linhas gerais: os auto-intitulados ludologistas acreditam que o que há de principal em um jogo são as regras, que é o que os distingüe das formas narrativas e os próprios jogos entre si. O enfoque deles é no aspecto da simulação, argumentando que os jogos são antes baseados nisso que em narrativas (mas não excluem a possibilidade de existir jogos narrativos), cuja base está no comportamento (do software do jogo), que vai permitir ou não determinadas ações. Atentam ainda para o aspecto ideológico dos jogos, tanto em seu aspecto mais explícito (como nos chamados advergames – jogos que servem para promoções publicitárias) quanto implícito, que estaria presente em todos os jogos a partir de seus conjunto de regras: eles permitem determinada ação ou não.

Os chamados narratologistas, por eles próprios assumidos apenas como formalistas, como Murray, enfatizam os aspectos dos jogos que são comuns às narrativas, ou à criação de histórias: início, desenvolvimento e fim – vencedor ou perdedor. Segundo Murray, “um jogo é um tipo de narração abstrata que se parece com o universo da experiência cotidiana, mas condensa esta última a fim de aumentar o interesse.” (MURRAY, 1997). A partir daí ela cunha os conceitos que seriam específicos do caso dos jogos eletrônicos, como interator (no lugar do leitor; é um leitor que interage com a obra); imersão (pois a experiência de jogar se assemelha ao estar mergulhado em um ambiente totalmente novo); agência (em oposição a autoria, o interator agencia os elementos de um jogo) e transformação (a partir da agência do interator ele pode transformar aquela obra para os caminhos que deseja – desde que o jogo permita).

O “debate” entre estes dois enfoques dos game studies é só mais ou menos declarado, tendo os ludologistas surgido posteriormente para clamar uma distinção dos demais e chamando a atenção para a necessidade de uma disciplina que abordasse somente jogos. Murray os acusa de fazer uso de uma perspectiva a-histórica, negando a relação existente que se estabelece historicamente entre os diferentes meios e tecnologias da comunicação (indo em direção contrária, os ludologistas, do que afirmam Bolter e Grusin, quando falam do conceito de remediação – de fato, a dupla é enquadrada no campo dos narratologistas). Mas ao mesmo tempo diz encontrar alguns avanços no campo da ludologia, e clama por uma mútua cooperação (e não uma oposição). Resta ver os caminhos pelos quais a questão irá trafegar.