Inez saiu dizendo que ia comprar um pavio
pro lampião
Pode me esperar Mané
Que eu já volto já
Acendi o fogão, botei a água pra esquentar
E fui pro portão
Só pra ver Inez chegar
Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra rua feito louco
Pra saber o que aconteceu
Procurei na Central
Procurei no Hospital e no xadrez
Andei a cidade inteira
E não encontrei Inez
Voltei pra casa triste demais
O que Inez me fez não se faz
E no chão bem perto do fogão
Encontrei um papel
Escrito assim:
– Pode apagar o fogo Mané que eu não volto mais
(adoniran barbosa, apaga o fogo mané, 1974)
baratinada, atordoada pelas constantes mudanças e transformações. ao mesmo tempo entusiasta, enxame de possibilidades geradas pelo tempo que abre uma nova camada de espaço/lugar, novos planos, desandos, perambulâncias e afazeres locais.
sair é intimamente ligado a lugar, sair como espécie de fuga premeditada, sair como vontade de sair do lugar (“mexe essa bunda da cadeira”), sair como solução aparentemente fácil (esvair-se da presença, não lidar com); sair é ir, é partir(-se em pedaços? pulverizar), algo referente a circunstância, uma necessidade, um meio.
sair como uma intenção de lugar. realocar o corpo ou um estado, o sujeito, para refazer sua potência, para entender-se de novo, para alhear (imensa necessidade de alheamento, tantas vezes se faz)
sair implica em movimento: mover-se pelas próprias pernas. tomar iniciativa de, encontrar ou procurar um rumo, pôr-se a caminho
(duros empenhos em sair do lugar)
lidar com a hipótese de fuga é de algum modo mais fácil que lidar com a ação. que precisa de tempo para compreensão, implica em processamento (de dados, de mudanças, de estados de corpo e cansaço). zerar as possibilidades é um fetiche que, diante de algo duro, se refaz constantemente.
– e se eu, simplesmente, saísse daqui?
sair como ação impensada, tomada de posição, absurda ação mesma que não se define, como se simplesmente sair se faz
(e então, estado presente que atormenta, algo a que se quer abandonar)
…
fuga estaria adoecida pela vontade de escapar, impulso dormente que não tem lugar? abstrata palavra sair, enquanto que fuga apresenta forte oposição (como fugir de – ou fuga, substantivo, algo que acontece ou se sucedeu). a fuga antecede a memória, esvazia-se em ato: simplesmente ir, fugir da coisa, sair do sistema, remodelar ou implodir tudo em fato
(esvair-se do sistema é algo absolutamente sedutor e iminente; difícil concretizar)
da vontade de sair e do semmedo da história, da fuga que tem por desejo existir, há em tudo uma propensão a um fora, um desejo de alhear disso que aqui está
(como um estado de coisas que se altera por uma ação, por mais que esta se faça em abandono)
o truncado está aí, pois se sistema nada faria para tornar fáceis as medidas, codificáveis os modos:
– e quiçá existe um fora?
ou o fora ele mesmo já está dentro? faz parte de um comum que a tudo se esquiva e penetra?
entranhas nervuras e atravessamentos, outrora solfejos, coisas que não têm lugar
permeios e sucessões esquivas irá, irá, encontrar um morcego em um lugar sem hora, sem memória, fora de linha e calado de números, talvez,
liberdade turva só acontece quando não se vê, quando alegre mentira costura sossegos onde quer que se vá.
sair, contudo, ainda é um meio que se faz.
nem que seja para alterar lugares, contaminar uns com os outros, colher um a um. e não deixar lugar.
(identitárias vontades explodiram no ar)
// publicado originalmente no vocabulário político para processos estéticos em 2014.