obra póstuma (epílogo)

e só existe o agora. para os emails não lidos, para o trabalho, para as ideias e para todos os desencontros, vontades. iniciativa que torna simples a questão: acontece ou não. não são dualismos, teorias, ser ou não ser, pois a divisão é clara. e ainda que se possa afirmar que uma coisa é e não é ao mesmo tempo, coisa que leva toda a razão de quem diz, não contesto, mas para fins práticos, só se pode estar em um lugar a um tempo. dois tempos é teoria, corrente, des-existe. inaugura um novo evento, página. não mistura. minha teoria controversa das aceitações do mundo.

ela disse que achou mamãe deprimida. eu não sei, as pessoas só falam em depressão. e nas minhas montanhas, até posso dizer que estou alegre. quis fugir da família hoje, dos seus pedidos e lamentos, e ela me diz que lá as mortes são alegres. que o carnaval é o dia dos mortos, com as crianças comendo caveirinhas feitas de açúcar. é assustador, é lindo. aqui seria mórbido, e eu mesma não sei o que pensar de caveiras coloridas quase engraçadas, mas me imaginar mordendo olhinhos de doce vermelho com dentes feitos de amendoim… soa quase canibal, antropofágico. junto os termos redundantes porque acumula o significado, antropofagia passada, coisa dessas ideias de brasil, não no filme da claire denis. ali também era assustador e belo. cru e complexamente belo, de coisa que existe não por fatos (também fatos), mas, acima de tudo, sensação. paira sobre o corpo que caminha, que percebe, se pergunta e não consegue racionalizar. é simples, é sensorial e sincero como nunca admitem ser os homens. vem de uma inquietação que nos move, que perturba. ali, em trouble, faz realizar coisas insanas, lidar com sangue e mortos, carne, tesão. é tudo uma mistura, talvez, a um só tempo

o amor em cinco tempos do ozon é uma teoria válida, mas profundamente incômoda (talvez assim sejam os amores gastos)

e pulei do pulp fiction que tinha no conjunto de músicas curiosas que compõem a nossa obra póstuma para o acoustic ladyland, cujo álbum (skinny grin) constitui parte do que não compartilhei. falei de mortes, falei de vontades, mas já aceitava as mortes mais do que aceitei a vida incrível, porque de certa forma são menos perigosas (já permitem virar a página e o tempo e carregam consigo aquele quê de irreversibilidade). as mortes da vida se resumem a aceitação, adversidade, nãos e outros assuntos pouco interessantes.

devemos ser breves com o que não interessa, e ainda assim essa sobrevida que é vontade, mais que tudo, vontade que eu disse dá e passa, daí te faço ligar, conversamos; ó céus, ó vida. ainda me liga pra me lembrar de ver a exposição imperdível lá naquele bairro-galeria, reduto selvagem e fechado de mata e gente endinheirada. eu vou, eu iria se pudesse, je n’ai pas le temps! foi o que gritei esses dias na rua perto da sua casa. mas eu estava em dia de trabalho, me perdendo na esquina por uma lata de filme

a escada/estante

estamos na terra dos mortos, meu querido (só resta celebrar)