• ar

    o dia verso noite
    artimancada de invenções
    curvas, turvas
    as remoelas
    desacordar

    sair do espaço do sonho
    onde vivo uma vida inteira
    trazer o sonho pro caminho
    como se
    como se fosse
    [uma coisa simples, isso

    nunca haverá
    ou sempre há de haver
    uma possibilidade

    (e sempre me lembro
    quando disse:
    *possibilidades*
    e não veio)

    desaprender os castigos
    as artimanhas,
    as falcatruas
    e faltas, as
    dancinhas felizes e
    depois não ver
    a ver navios

    espaçamento gasto
    evocando uma memória inteira
    uma membrana tão antiga
    desgostosa
    pífia

    com manejos e rostos
    de histórias daquelas
    que não desejamos
    o mundo binário
    do desdesejo
    do não solfejo
    da soltura

    a recusa ao caminhar
    é uma fissura
    a desfazer
    redefinir

    —-

  • ca

     

     

     

    o canário se aproxima
    não é hora de se subjugar
    tecer constelagens de pequenas falsas mordagens
    firula, que nem algoz
    diria que não
    diriam que não tantas coisas
    furtivas vozes que se refraseiam
    e parafraseiam cristais
    pardais sem nome
    pássaros migrantes sem lugar sem hora
    capaz
    foste uma vez mudar
    de capa, de penas, de anzóis
    e casacos de chuva, para
    dias secos que se seguem sem vez
    aridez de tantos cantos
    de danças que revigoram
    caminhos
    abraçam amigos fazem chorar
    cantam vestígios de toda hora
    prontidão
    rastros cantos quebrados asfaltos
    mortes pelas vertigens dos estados ali
    amigos, de novo, presenciam
    alguns
    solfejos dos sem caminho
    das fugas premeditadas
    daqueles que guardam dinheiro há dois ou três anos
    providências
    barcos, tenho pensado em barcos
    mais que aviões
    que afundam, barcos, asas, pássaros
    e modos de transporte menos lembrados
    ainda que catracas, consulados, gente que irá te julgar
    em tempos em que violam países
    sempre violados, a história diz
    tão frequentes as violações
    que se pensar nisso não move uma pena
    uma linha sequer
    e tantas linhas se tecerão
    pelos encontros as danças
    nunca parar de dançar
    nunca pestanejar, ainda que
    inversões caminhos entremeâncias ainda sonhos
    ainda diversos lugares viajo entrementes
    danças, volto, rememoro, faço espiralar
    nunca deixar de dançar nem os encontros
    lá, a teoria, as ideias tão antepassadas
    e que no entanto retornam
    perduram, te atiçam em voz e são os universos que colidem
    os tanto mais a incentivar
    lance curioso
    atrito produtivo
    vontade
    vaz

  • a boa ação das borboletas desviantes

    a rota de colisão traçada pouco a pouco revela uma chance inacreditável.

    no ar se encontra, com os pés bem fincados no chão, observa: necessidade de agir.

    a boa ação configura um ápice, o momento máximo de entrega e não-mais-questionamentos.

    restam o pó, as árvores e alguns objetos cortantes.

    cá embaixo um caracol enauseado rodeia, rodeia e não encontra um final feliz.

    seria um bug de software, um emaranhado de situações?

    pensa em dormir, dorme.

    a boa ação foi subordinada a uma idéia, duas, por fim já não era mais dela: pretendia pertencer ao mundo, mas este é um conceito ultrapassado.

  • casita armar

    casitaarmar

  • ras go na parede / ras par o chão

    há o viver espalhado nos cantos.

    composto de ataduras e nozes, que se emaranham em galhos, pois dedos; abraços.

    compor o que se expôs de vez. não tem mais volta. artemanhas, manhaduras, sobremanhãs sem hora e sem sossego, semdormir: aqui chove, enfim.

    antebraços, solfejos, cachoeiradura, caminho de horta. cidade gigante, sem vez. ano de finais brutos, de sobredomínios, de sobrevivências. de ambivalências vorazes demais sem rir. sem tempo para demoras. sem ávida lucidez. unsamigos.

    sem brutaforça e brutaflor feliz. sem sonhos. sem costumária luz que sustenta, respiros. no lugar disso, um abajour quebrado. cobranças.

    a festa foi linda!, foi, aqui se paga. é o comum enviesado. aqui se inventa modos. aqui se fabrica lucidez comprada em uma gourmet shop empacotada em papel reciclado. aqui se cobra caro.

    as flores, atrasam. as brigas chegam. cabem inglórias, por entre as frestas das plantas já sofridas, quase mortas. haverão de sobreviver. talvez tenham que pegar a estrada dali. comer poeira um tanto.

    as cores resvalam. parecem empobrecer.

    o ponto brota em porosidade infértil. agruras. refaz uns caminhos e traz de volta as mais tretas lembranças. soslaio.

    carece de literatura. para tecer pontos sem ar; aqui chove, agora.

    .
    .

    o solo começa a gerar, úmido.

  • luz

    derreter as calotas polares das lembranças esgarçadas y toda força corrompida por memórias em acúmulo, calos e afagos demais. sim, pois afago de memória, afago sem fala, só silenciação.

    gago e rouco o silêncio das vozes, as palavras mordidas, comunicações vastas e interrompidas furtivamente em um passar dos carros. amassar latinhas.

    e então comunicação demais, difusos meios, ruídos sem voz. somente ruídos. somente voz. separados eles ganham fôlego, vão colhendo suas florezinhas de papel cultivadas sem qualquer ordem, às manhãs que variam de horário pois dormem (às vezes)

    as calotas polares ali se curvaram aos bem-afrescos-e-aventurados, renovados, também curvos, subiram ao púlpito celeste e de lá propagaram – não antes sem vômitos na fala, engasgos, borbulhos – e então, pé ante pé, desceram torrentes as ladeiras em capas de chuva anti-vulcão, como se seus corpos fossem removíveis e então trocassem por outros, ou se fosse possível ao invés cambiar de ganas, peles e de vontades tropeças – ao inventar uma capa à prova de.

    me pergunto se é possível reescrever as narrativas de um modo tão codificado que não seja possível corrompê-las, pois sempre que se pensar ter encontrado o número, a senha, ela se transformará e soltará uma risada bem enorme na tua cara e será toda fofinha, stroboscópica, intragável e inapreensível. sempre a memória

    lancinantes lavas de vulcão. gratuita, eu sou voz e não existo. eu sou fotografia, pois luz, pensando que todos os meios conhecidos se tornaram voz, propagando no ar así tantas firulas. penso se tudo o que é supérfluo me alimenta. supérfluas vozes. supérfluo torvelinho. supérfluos amores que me sustentam (em memória)

    corpo que se levanta em vão, cultiva quarto, cultiva casa. esquiva. cumpre beneditos compromissos e corre, decide correr, assim como decide parar ou incidir em pausas para mor de respiração

    (respira)

    ladeiras cálidas que um dia acolheram agora incidem em pergunta
    eu só cuido das madrugadas, digo,
    de novo e tantas vezes

    antes da artemarcial e daquilo que chamam cotidiano

  • fortalezas

    escrever sobre um não-dito. escrever sobre um partido. escrever sobre uma cara lavada, encontrada no meio da multidão tentando ir pra casa. descobrir no meio da estória que a personagem não tinha modos, não tinha um facão, para cortar todo o mato em volta que leva à passagem do caminho. o cantinho no meio do mato imenso na multidão.

    na canção falava de pessoas-árvore, de onde saía uma cobra e então dissolvia. abria outra variação. no sonho contava laços e obras, pulando de pedacinhos, dormindo numa caixa vermelha, abrigada da chuva num lugar estranho, temporário, porém amigo.

    desconhecia os vestígios. no meio de uma urgência poderia esquecer a bússola, o facão ou algumas memórias essenciais para se guiar e traçar o percurso por si. ficaria então vulnerável, exposta a fatos e acasos sem ao menos uma ferramenta. serão sempre chances de se descobrir um desvio, um atalho talvez, mas tampouco algo que se queira desejar.

    no campo de plantações que encontrara no outono anterior, poderia visitar mais vezes, todos os dias talvez, mas sempre um obstáculo as ladeiras, e as relações que foram tecidas dentre, e as imagens evocadas por cada um desses eventos. mesmo um vídeo, cheio de sorrisos afeto e movimentos-percurso, foi acontecido, de tal mutualidade e desprendimento que permanece na ilha de edição, aguardando talvez um repente que irá trazê-lo a todo custo à vida, enfim à vida, ao fluxo corrente, onde não há receios de existir porque sim importa.

    importa abraçar umas mil vezes mesmo que seja uma obra, mesmo que uma imagem em si quase dança, pesquisa e plantas. sem o calor de uma pessoa, sem mãos que se tocam, sequer palavras que se direcionam.

    o que fere, na cidade, é a diferenciação. é o tanto do mesmo que se encontra e por que mesmo não os considero mais divertidos; me enfastio com certa agilidade de modos e gestos que outrora talvez não dissessem nada.

    pois me dizem, um nada tão absorto em si que não tenho coragem de prosseguir na conversa. fujo dessas vozes, porém me pergunto por que então a cidade, se há tantos contras com que se lidar.

    ora, me disse um monge uma vez, lá no fim do asfalto: esses mundos imaginários só irão perseverar se assim persistir. e não se pode persistir sobre estradas abstratas, vencimentos colossais que não se sabe como, invenções de cotidiano e obras que só existem em planos astrais.

    se tens tu uma terra, ou tens tu um tempo, e tens tu uns amigos, podes inventar música, podes prescrever um cotidiano para si, mesmo que para isso seja o caso de adentrar outros caminhos, não saber responder todas as perguntas, mas desenhar com o corpo um descaminho pervertido, astuto e esbelto como só serão as cobras!

    holograma, pois subia entres as névoas, tal como em paranapiacaba, eu não saberia nomear os montes.

    sei de montes de mil relvas, mas não aqui. e daquilo que só sei de hábito, importado não sei de quem, ou do que só vi em foto: inventaremos, perspicazmente. mas no momento só me ocupo de inventar uma dobra.

    se haverá frestas, oh, sim, e frutas. será propulsão de um ninho, de um partido talvez, mas do tipo que vai à rua protestar e mil ocupas. e que sabe configurar cabana de modo a fundar um assunto. um plano de mil vozes e fortalezas, gestões compartilhadas, recolhimento de vacinas e pés que energicamente sobrepõem telhados. se o cimento chegar, vai ter floresta!

  • sinusite

    silêncio e mídias sociais

    como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.

    existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.

    silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chip intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.

    mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.

    se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cámbios, cámbios.

    e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se fala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.

    fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.

    sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.

  • a iluminar caminhos e abraçar as horas

    antessala, projeto lindo da aline besouro y nosotras a constelar

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