onde está uma ventania que se situa exatamente no instante em que a dança começa, uma membrana é posta de lado; cartilagens de baleia formam costelas duras e maleáveis – uma fortaleza que tem meios e barbatanas; pés que correm por entre teias costuradas e que sim! cessam, se fazem percurso no chão; olhos que entre uma atenção e outra formam tecidos inversos, só se sabem em ação; imagens turvas que se formam cada vez mais em campo de letra, sobrepostas, miudinhas e contadas aos baldes para crianças; enxurrada, eu não sei, às vezes durmo; se considero cachoeiras como um aprendizado tão importante quanto bibliotecas; sob esse vínculo, a permacultura se realiza quando os pés se põem a caminhar; a casa então se move e deve aprender a existir desse modo.
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fluxo
-
ia
org
órgão
organiza
orgia
ia -
um monte de notícias eu guardei pra ti
uma ficção política que takes place no bar dellas,
ali, encruzilhada de todas as horas
todos os caminhos levam a
e sempre tu encontra alguém conhecido
eu tenho muitos conhecides nesta cidade
alguns bailam comigo
alguns convidam
uns poucos não somem, ah
o círculo de cinco tão restrito pandemia
ninguém aguenta mais
mas era assim
que acontecia
o encontro da noite a magia
a gente falido falando besteira
se apresentando em plena madrugada
é menino ou menina a gente ouve
na primeira saída
a única
em tempos
na orla
da ilha
você não quis vir
de novo
à margem
das águas
eu acho que a gente compartilha
uma ínfima notícia um zelo
um carinho irrestrito assim guardado
envolto em todas as defesas possíveis
de viver o mundo
eu vivo na minha cabeça e basta
e acho que todo mundo vê
o que eu vivo aqui dentro
alegoria inviável essa
aprender a
externalizar
aprender a
viver o mundo
sentir o rasgo o fogo o bocejo
fogo fátuo toda hora
o que não dura é
alucinação
um monte de notícias eu guardei pra ti
não ter medo da memória
assim é isso?
não ter medo de
existir em abrupto
reencontrar assim
aquilo que é áspero
que prorroga
indefinidamente
o não-acontecimento
aquilo que inventa
o vivido e a festa
a larga partida
campo percorrido
a pé
tua mão
os lábios
os pés
meu exílio
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correria
fui contar estrelas
encontrei escombros
da minha última jornada.corri para o quintal
e gritei pro céu
por que tamanha bobagem?daí recontei
todas elas
sem número exato
nem firulase não é que acabo as engolindo?
escorregando pela minha garganta
fanfarronas, esbeltas
correm felizes
pelas colinas vermelhas! -
feitura
esse texto não é meu.
a reclusão não foi premeditada.
férias é comum, quase todo mundo tira. mudar de espaços é normal.
procurar ordenação no caos, todo mundo faz. melhor que jogar pela janela (e se janela houvesse para).
não pode parar e procurar tudo de novo, achar que com vazio reconstrói tudo? talvez. mas é difícil que dói.
– se doía antes!
– sim, doeu.
joalheria. cor de joelhos e açúcar e lentidão.
– tem amigos artistas, mas se é artista?
– tudo questão de concepção.
– assim como conceito?
– como conceitura, de feitura, processo.
– ah.
– você não entendeu.
– como você sabe?
– dá pra ver.
– tura. tinha um parágrafo grande do cortázar sobre as turas. eram muitas. grandiloquentes. importantes pra vida. talvez inevitáveis. olha, estou relendo cortázar.
– reconstrói e relê cortázar?
– reedito vídeos também. ou melhor: reedito ideias antigas em vídeo. às vezes nao sei se elas querem ser vídeo ou outra coisa. mas tento vídeo, que como texto pareciam ter menos dimensão. existiam, lá, na página do caderno. se uma ideia é boa ela merece talvez mais que uma página de caderno, não acha?
– depende do caderno.
– com certeza, mas é uma questão de dimensão. e de envergadura, de quanto tempo eu passo olhando para ela, até que se transforme em outra coisa.
– parece que é importante construir esses espaços de visibilidade, não é?
– sim, mas, também, de certa forma já houve o tempo (esses primeiros meses) para se dedicar às aspirações, contornos e toda essa papucaia. em suma, à hibernação. com ela vieram uma série de coisas, que talvez pareçam inconclusas à quem primeiro ver. pois não é melhor aceitar logo duma vez que todas as coisas sofrem de incompletude, em maior ou menor grau? porque podem sempre prolongar uma membrana, deixar nascer mais um elefante entre os dedos. se faz mal? pode fazer, depende de como você ordenar. como um enxerto de planta. se mistura, tem que cuidar pra não corromper. senão, o braço cai.
**
e outro dia alguém me pergunta:
– você nunca fez chá de fita, inês?
– …
que coisa é essa que faz a gente decretar abandono de umas coisas frágeis que um dia fizeram parte do que somos? pois se ainda somos, ainda fazem parte. talvez umas coisas com imagem, travessuras, modismos e construções. sim, é isso: você de repente se dá conta de que precisa construir, e para isso invariavelmente irá deixar de lado algumas coisas. curadoria, seleção. com justificativa e conceito, que vai se formando. procura uma imensidão em coisas súbitas, se traveste, muda de grupos, joga tudo o que tem no quarto fora. precisa viajar pra saber ver de novo, para saber ouvir. precisa chorar distante, às vezes, precisa pegar um avião e dar umas boas gargalhadas, se sentir leve outra vez.
– ver nuvens e malhas molhadas. nunca me esqueço de veneza, vista do avião. umas terras alagadas. as pessoas falam, é claro, mas ver de perto é outra parada. eu fui lá, pôr o pé numas terras alagadas. vinha dos países baixos, que também têm uns tantos canais e se constróem em artifício sobre um terreno que é abaixo do mar. que loucura, esses artifícios. no meio do caminho atravessei as planícies enquanto lia moinhos de vento pela janela, e minha carona que só tinha sorrisos para comunicar. foi bem feito, 10 horas de trajeto porque tinha trânsito, e possivelmente a única viagem de carro da minha vida em que não enjoei. e nem podia, não tinha curvas! que loucura, esses países de planícies sem curvas. concluí que burger king devia ser o graal de lá.
– esses seis meses eu vou viajar bastante. não sei manter esses fios tortos abaixo dos pés – faz sentido?
– se faz. e você pode viajar?
– como disse: é uma questão de envergadura. preciso dar dimensão. tem vezes em que as distâncias daqui ficam curtas, dóem demais porque perderam o traço ao caminhar. dureza de transportes, de decidir, de coisa morta. círculos concêntricos que me medem as pernas, às vezes caem. daí que é só mover uma folhinha amarela que pronto, talvez assim a máquina volte a funcionar.
**
para participar da representatividade das coisas sólidas, apareço. talvez só seja possível o jogo dentro dos espaços, mesmo que – mesmo que tudo. fincamos o pé, não se sabe por quanto tempo, para mais um rolê dos espasmos coletivos. entre vozes alertas e absortas, inundados de travessuras e comércio.
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hortíferas
as celebrações que relegas ao outono
ao inverno
às hortas vorazes criaturas antigas
do condomínio
do chãocultivo de meias-portas
altivos, saltitantes
embriagados envoltos em colagens
turvas, imensidões
povoamentos silvestresfamiliares mezaninos
cabides, abraços
aqueles meninos já grandes
as suas voltas
e botas, e cabelos encaracoladosjá não colhem tão sossegos como
ouvi, uma vez, estive lá
ficção
viagem fantástica conto de pandemia
brechas
saudosasjá não sei se
há caminho
se quero inventar
buracos
no chão
que não háentretanto está
aqui, diante de mimfundamento, ligadura:
um espectro -
rumo
1_semmedo
compreender o sossego por entre as curvas. sim, é essa a tarefa suprema a realizar.
como proceder? digo, conheço uma penca de procedimentos, talvez não aplicáveis a todas as instâncias. primeiro tem de compreender a fissura, olhar entre as bordas dos cadarços e cada modo de lidar com os ambientes. não se faz a novela como coisa pronta, tem de aprender a ver.
pois que lide com o processo, seus não-lugares e trejeitos incômodos.
talvez, o único jeito voraz de superar os acasos, aqueles que se convertem em desgostos, sem rapidez (como hão de admitir os jovens, vez ou outra).
é preciso um plano. talvez?
pontapé para o infinito, atadura. semmãos, semmedo, mmordedura. coragem, aquilo de que tanto falam os clássicos romanescos sem era, que se sobrepõem a uma realidade turva, demasiado complexa para nossos contos de fada caninos. anacronismos de infância, maus adestramentos. depois de um tempo, os embalsama todos e transforma em leituras de maniqueísmos diversos, notícias sem profusão nem densidade, as quais só se lê às partes. reitera discursos ou cria coisa alguma, mas segue algum rumo estrito que supostamente se concretiza. ou não, engole a rebelião e bate ponto no escritório, todos os dias, eis o método que seu pai lhe ensinou.
o herói não compreende seus trejeitos, seu namorado no masculino como não poderia imaginar. e depois a família toda vê a foto, porque não a imaginava tão visível, todas as membranas da vida se sobrepondo, como cadáveres. é tudo tão transparente que dói, no semmesmo da estória. compõe de palavras e imagens uma contação sem fim de protestos, amores e títulos de algozes. todos estudantes e ansiosos por se formar.
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limiar
engole velocidade
luminosidade das bordasargumento
apalavra não cede
não é objetoabre
cosmologia da boca:
gosma faladaàs vezes, constelação
que se compõe
pelas calçadas
no fim de tarde
e de manhãquando cessam as vozes
e as buzinas
se transformam
em árvores -
conto coletivo (na lapalumiar, amigos)
até hoje, enquanto estive lá fora
as era tão estranho que não ousaram pronunciar e
do ponto 0 talvez seja possível chegar à ebulição
que era da mesma maneira que tudo se refletia alio casal causou na praça
num espetáculo utópico de satisfação e deleite, quando num susto…
um, dois, às vezes três…tudo começou a ficar turvo, até que não restou nem a sombra no asfalto quente
fazendo da lua a sua pele preferidapestanejou.
e nua correu por campos precisos e verdes…por: lu-lu-in-an-lu-?
