• porquê

    o que se faz das estruturas

    assim: existem pelo menos duas formas de planejar a vida. uma é a famosa, a canônica, a da tradição: escolhe (tu) uma profissão. escolhe (tu) alguém pra dividir a vida. escolhe (tu) os teus hábitos, e fica com eles. escolhe uma vez e segue até o fim, para um dia “descansar” (da profissão, não do alguém), adapta os hábitos porque se sente velho, digo, velho são os últimos 40 anos da sua vida (pelo menos, em média, vai saber).

    às vezes tu escolhe porque não tem escolha. tu escolhe porque tem essas três opções aqui, o resto é muito arriscado, tá louco. na maioria das vezes tu escolhe a mais fácil porque dá pra seguir, porque dá pra agüentar, porque é melhor que não ter nada; imagina, ter a vida instável ou não ter ninguém pra dividir a solidão.

    solidão arde, mas solidão pulsa. solidão junto é contemporâneo, é indivíduo-natureza, é coisa de dois e não um. solidão em grupo são idéias; não é tão solidão, é parceria. minha escolha hoje é conhecer essas pessoas e fazer isso, e eu vou chegar lá.

    sólido é aquele que não tem medo. mas nem assim tão sólido, é mais pulsante, às vezes muda de estado e viaja por entre as coisas, os elementos.

    sozinho é o eu que não tem. é o que se pensa sozinho, sai pouco do lugar, oscila nos dois pés. sorri amarelo, reclama em vão. suporta a si mesmo, quando consigo pode conviver. desaparece sem viver, porque vive o vazio do ausente.

    pois quem escolhe pode escolher tanto.

    a outra forma de um sujeito planejar a vida é viver de verdade. e pode me dizer o que é verdade, ou não, eu sei que tem diversas formas. mas viver de verdade é viver pra si mesmo, é ser sólido e não ser sozinho, é não se contentar com o óbvio das coisas. é consciência de limitações, de histórias, de ódios e de consensos. é suavizar tudo isso na forma de responsabilidade, na forma de risco, na forma de criação.

    ser criança um dia foi ter umas poucas regras, regras de um mundo-novidade, e um monte de rigidez dentro e fora. pois então cautelas, meu filho não se machuque, eu não quero seguir carreira de médico.

  • saída

    pensa-se que há audível,
    porém, ruído não há
    encontro botas largadas na sarjeta
    vestes difusas, andarilhos
    jacintos galhos a colecionar bocejos
    lentidão

    não encontro encostas e esfaleço montanhas
    são todos engasgos
    atalhos, firula
    meus olhos investem em corticóides e essas
    velharias que não fazem sentido algum

    remédios
    enganos
    farmacodominalescos e arbustos artificiais
    construídos por indústrias
    sem-noções

    meu cabo asfalto é doce
    já não me reconheço
    o resto, está sujo
    vou embora

  • zelo

    é bom que ele esteja na superfície. faz tocar.

    dongos, bongos, sinos. velhos sinais vultuosos de dormências profundas, de presença ainda que inerte. interage como ausente, ou quase, escuta – não lá.

    toque. vaz, vrum, vibra entre suntuosidades, chupa um grelo, eu sei lá, feliz.

    não pensei, fiz.

    assim se compõem todas as maravilhosidades que nos acometem. acontece. faz. há.

    extremo, voz dormente do sossego, que acorda e flerta com o gozo – alegria suprema, não toca. beira alguma coisa, ri, rotundas suspensas no ar

    beijo uma alcova, atenta,
    abraça meus galhos em total entrega, é bonito demais!

    some. vazia.
    algozes fariam, paratudo

    (diversões esmos festas contínuas compõem arestas, zelos. amigos, flui)

    música é só o que está vivo
    necessita
    pergunta o que faz além de –

    corte
    corre

    é tão paralelo que talvez nem
    compreenda

    ou se ocupe de
    exercer

  • conto coletivo (na lapalumiar, amigos)

    até hoje, enquanto estive lá fora
    as era tão estranho que não ousaram pronunciar e
    do ponto 0 talvez seja possível chegar à ebulição
    que era da mesma maneira que tudo se refletia ali

    o casal causou na praça
    num espetáculo utópico de satisfação e deleite, quando num susto…
    um, dois, às vezes três…

    tudo começou a ficar turvo, até que não restou nem a sombra no asfalto quente
    fazendo da lua a sua pele preferida

    pestanejou.
    e nua correu por campos precisos e verdes…

    por: lu-lu-in-an-lu-?

  • assunto

    i change my mind while i speak. sussurro na sua orelha, em pé na rua, laçados. quase-performance no meio da praça largo do machado, em frente ao metrô. é amor, i say, é tesão, você pensa. quadrados conformes, acordos esquisitos mas memoráveis; no que nos diz respeito é tudo memorável. aqui, não ali. minha memória é o mundo, está no mundo, internet, tudo isso. deleto para mais não ver, a web é pura visibilidade, vigilância. penso que eu seria mais calma se me concentrasse nos livros e não nas telas de computador.

    memória plena, vontade. uma tarde inteira, uma vida inteira, eu faria. faria mesmo? sei de vontades, sei de memórias inventadas, constelações, vícios e abraços. intensidades eu tenho vontade de guardar todas para que se multipliquem, mas elas preferem o mundo.. talvez um dia tenha sucesso na coexistência entre mundo e o mundo, mundo e intensidades, mundo e desejos. fluxos que se percebem e não têm medo. alguma ordem no que não se nomeia, um a de aceleração. catálise.

    alheamento é para não confundir, para costurar desejos. embate em conversa, guerra de almofadas, guerra. conhecer em excesso é participar da vida? não se sabe; participar pelos outros implica em conhecimento. ou é uma definição. me especializo em “it’s complicated”, não em definições. ao menos existe o lado divertido da vida, esse que faz voar em pequenos bocados e carrega consigo um resto do todo. não completa, mas percebe e se põe em contágio continuamente. esponja. mundo-esponja é cada um que se abre.

    meu corpo é uma interface ou o conceito é mais amplo? mais estrito? devolvo a pergunta, reverberada. e com quê de mistura, química; é assim por agora. dissolução.

    ____

    alhear

    v.t. (1) tornar alheio; alienar, privar de. (2) fig. alucinar, desvairar, enlouquecer: alhear as mentes fracas. (3) v.pr. tornar-se alheio; evitar intencionalmente tomar conhecimento de algo. (4) arrebatar-se, extasiar-se.

  • mar

    a praia é um santuário que as pessoas vão visitar. aquilo que fazemos quando estamos lá, em companhia de pessoas, é apenas tratar como comum o acesso a algo extremamente poderoso, extraordinário. la mer, poderosa, o mar, iemanjá. a força, a energia das marés, da água viva em movimento que é o mar é sentida no corpo por horas depois de ir. e segue. relaxa os músculos, ajuda a respirar, a curar feridas, assimilar contratempos, amar. se amar. amar a si, antes. emanar calmaria, resistência. mesmo quem não mergulha sente, já que a maresia permeia o ambiente, está no ar, arredores. mas, sem dúvida que mergulhar é mais intenso, mais forte.

    cachoeira também é um santuário. a floresta como um todo. mas as águas, as águas. fonte da vida, mesmo! o que o mar limpa em profundidade com seu sal a cachoeira vem avivar. dar risadinhas com as cócegas fortaleza das águas. respirar ar novo, pura vida.

  • sumo (reunir: anzóis)

    a velocidade dos acontecimentos; puro rasgo solto feito no ar. nosso sol dia-a-dia faz bolhas, brilhabrilha, e eu pergunto aos sóis onde é que se voam.

    seja dita a memória desses transeuntes: desembestaram na estrada, ao léo, inversamente proporcionais às mágoas acumulariam sem mordedura, nem abraços pontuais, de segurar o chão.

    a lama não escorre, ela cria anzóis. anzóis sem aros, de composição duraleza, para sustentar esse esqueleto. quando ele subitamente se esquece de ser e da força propensora necessária para seguir existir.

    ao ar. nozes cascos se entrerrevezam entre ares, de novo, que era fogo ontem, vai virar tudo água amanhã. lembraduras, com lambidas ao pé do ouvido, afeto, ternura, somos nós.

    anzóis. remexeu a terra por dentro de toda aquela multidão, ficaram pingando ares por aí. colaboraram uns com os outros, a pouco perceber a teia que formavam, tão fortezinha, assaz vindoura e safada o suficiente para seguir, seguir d’algum modo, a subir e ir e vir.

    da correria já bastava aquela fumaça toda, que tantos e nós acabávamos por engolir, só de sair na rua, e respirar esses jornais que deveriam provocar risadas. mas acabam, quase acabam com nós. sem bordas nem cascas ficamos, fragilizados e despidos em corpos celestes ao deus dará.

    pois as cascas reúne, e não há de sucumbir às tristezas vindouras, nem às tristezas repentinas que assaltam e vêm arrasar. ata tua rede, anzol, amigo fortuito e tanto querido que todos nós sentimos muito.

    , juntos, abraçamos abraçamos.

  • marte em câncer

    mesmo com tantas imagens férteis

    ainda que solitárias

    se fechar é a única coisa que resta

    a quem estátua está

    encolho, maledicente, movediço

    fora do alcance

    que só se dá a dizer

    quando vem reclamar

    indivíduo

    uno

    guarda briga

    < uma cachoeira se ergue aos meus olhos está ali não é para mim tampouco a comunidade: sou um fantasma >

    um monstro que repara a dívida

    enquanto faz caminhar os prantos

    não sou alma que recolhe

    não sou arbusto

    sou caramelo informe

    alma que celeste

    chão duro

    voltagem

    entrelaçante, amante, lívido

    tuas costas não sabem o preço dos meus anzóis

    também pudera, nunca quiseste caminhar junto

    faltava desejo

    a mim sobrou vontade de novelo

    de festejo, mereço

    necessidade pulsante sortida

    perdida a disputa

    desalinho

  • biblio

    eu sou uma biblioteca. ainda que dispersa, fogo inquieto, terra mutável, devaneio. meu tino é enviesar, duvidar de tudo, desmontar — depois voltar, olhando, reinventando a partir do que viu.

    esse corpo já foi a muitos lugares. muitos mesmo, menos do que gostaria, mas sim. em qualquer lugar em que pouso me ponho a andar. é maneira de descoberta. mapear os cantos, ouvir, ouvir, pedalar, cruzar fronteiras, fazer conexões. pessoas, trânsitos. para cada espécime uma língua, para cada caldo seu zelo. vir a encontro. misturam-se todos aqui. sem titubeios, hay de dançar.

    nas montanhas deste corpo habitaram filmes, invenções, conexões celestes, códigos abertos em respiração. hay de habitar o gesto, o movimento — dar-se a encontro, abrir — e também compor, saber ouvir a música. são nossas vozes, nossos dedos. num intervalo de respiração nos damos conta. está lá. no mundo, no ar. aqui. cria imagem com teus zelos. alucinação. eu rio, é assim, é assim que começa.