• versaletes 12

    onde estão os relógios
    que congelam
    trajetórias

    para que se possa criar um morcego
    debaixo da escada
    uma escarlatina
    que não tem fim

    e volver
    pois sobretudo amamos focas
    e podemos fazer refeições
    abraçadas em sóis

    complexidades, a pessoa diz
    posto que tudo perde o gênero
    a partir de agora
    e as tentações caminhos se viram em novelos
    rasgos, bocados, amargos canos que porventura
    costuram chão

    se imagino
    onde os sabiás constroem aviões
    e não sabem mais dúvidas
    nem mentiras
    nem solapos
    nem digressões

    existem uns cabos
    que acabam enganos
    encontram famílias em anzóis
    e fingem costurar alguma coisa

    ainda seguram
    as vozes novelos e todos os elos perdidos
    para que possam sucumbir
    e não saiam
    do chão

    os topos dos prédios
    os cumes das montanhas
    os abraços amigos
    e as botas

    se encontram, de espera em espera
    à olhadela da esquina
    procurando a próxima cidade
    enquanto o espírito se abre em fôlego
    a encontrar o ritmo
    ao passo e ao vento
    para que se formem
    novas memórias
    e campos de ação

    não há acaso
    só vínculo

  • sumo (reunir: anzóis)

    a velocidade dos acontecimentos; puro rasgo solto feito no ar. nosso sol dia-a-dia faz bolhas, brilhabrilha, e eu pergunto aos sóis onde é que se voam.

    seja dita a memória desses transeuntes: desembestaram na estrada, ao léo, inversamente proporcionais às mágoas acumulariam sem mordedura, nem abraços pontuais, de segurar o chão.

    a lama não escorre, ela cria anzóis. anzóis sem aros, de composição duraleza, para sustentar esse esqueleto. quando ele subitamente se esquece de ser e da força propensora necessária para seguir existir.

    ao ar. nozes cascos se entrerrevezam entre ares, de novo, que era fogo ontem, vai virar tudo água amanhã. lembraduras, com lambidas ao pé do ouvido, afeto, ternura, somos nós.

    anzóis. remexeu a terra por dentro de toda aquela multidão, ficaram pingando ares por aí. colaboraram uns com os outros, a pouco perceber a teia que formavam, tão fortezinha, assaz vindoura e safada o suficiente para seguir, seguir d’algum modo, a subir e ir e vir.

    da correria já bastava aquela fumaça toda, que tantos e nós acabávamos por engolir, só de sair na rua, e respirar esses jornais que deveriam provocar risadas. mas acabam, quase acabam com nós. sem bordas nem cascas ficamos, fragilizados e despidos em corpos celestes ao deus dará.

    pois as cascas reúne, e não há de sucumbir às tristezas vindouras, nem às tristezas repentinas que assaltam e vêm arrasar. ata tua rede, anzol, amigo fortuito e tanto querido que todos nós sentimos muito.

    , juntos, abraçamos abraçamos.

  • roupa

    ritmo, tessitura de tempo reverso.

    composição de nervura; processo.

    lavar roupa como prática artística. lavar roupa como gestual de braço, força pequena, corpo em riste cotidiano. lavar roupa como prática subestimada em todos os tempos de correria urbana. lavadeiras, seres rurais.

    – por que você não compra uma máquina, inês?
    – mas e sentir o processo, o fazer? o tempo é outro, não?

    (isso vale para tantos degelos de dobras, tantos variantes da mesma partitura)

    testo um ritmo; leveza. quando pesa revejo os trejeitos, penso se cabe um pouco lá, por fim cedo. às vezes o rumo é ceder, sem invalidar o processo.

    um ano inteiro lavando roupa na mão. arreguei por duas vezes bem esparsas: levei roupa pra lavar no rio de janeiro, carregando na mala. não tenho tempo, aquela frase tão sem vazão.

    não ter tempo é não dispor de si mesmo, não ordenar bem as coisas, priorizar sem saber como.

    (sabedoria de tempos mutantes, sempre se faz, se recomporta)

    aprendo tanto com gestos cotidianos, uma casa que se faz, precisa se fazer do zero, ponto de partida mirim para tantos gestos maiores, relutantes, aprendizes gigantes.

    mais difícil entender o que vem pronto, o que chega benfazejo de durezas de formas e poucas brechas entre azulejos para composição. gesto é composição, é cuidado, olhar o terreno e entender como ele te abraça.

    como se faz um abrigo? com que autonomia posso cuidar de um sustento?

    (não será com braço alheio, não será sem chão)

    (é quase música; repito, enveredo)

  • limiar

    engole velocidade
    luminosidade das bordas

    argumento
    a

    palavra não cede
    não é objeto

    abre

    cosmologia da boca:
    gosma falada

    às vezes, constelação
    que se compõe
    pelas calçadas
    no fim de tarde
    e de manhã

    quando cessam as vozes
    e as buzinas
    se transformam
    em árvores

  • andarilhe

    de toda intenção de florescer, agora revolto em sustento. de novo isso, mas isso sim, isso de novo, isso teremos de sustentar. sustentar o sustento. coordenar a procriação da dança, o benfazejo com esmero, toda esperança: laboriar, laboriar, laboriar.

    DSC_0912

    re-criar os modos como se laboreia. refazejo de forma, de estrutura. confecção de linha, porventura.

    das variáveis, constantes:

    esse fluxo de vozes imbocáveis que atravessa o corpo, todo o tempo. uma onda de caos, uma onda de amor. me atravessa, está aqui. agora grito, estribilho, tudo fica dentro. guardadinho. enviesar todos os preteridos para depois, todos os assuntos. não existe depois, existe uma linha que se domina, que se tece, é tecida pelo tempo. costura mesmo, invedação. corrobora com os caminhos se de caminhos é feita ela mesma. e então sair

    dominar o alimento. máquinas, admitirei cedo ou tarde, as esnobo. possuir o mínimo, agir como se está, simplificar os modos de andança. porém, eis que algumas, eis que usufruto, estou em. máquinas, operar com minimalescos botões de mimo, miniatura, antevendo já todos os traquejos que acontecem quando não se prevê máquinas, sim máquinas, botões, procedimentos, tudo o que já está dado como propriedade. o erro, o erro ocorre quando não prevê mas também quando excede, assunto de acomeço e invento, reverbera.

    re-estudar e estruturar os usos de uma série de ferramentas que coordeno. sim domino, algumas, algumas partes, mas então as re-descubro, observo, deixo reverberar. tem um montão de ideias e construções que não fariam parte se, se não houvessem madrugadas. e esses horários – não há mais horários escriturários com que cumprir.

    um mês depois, um estribilho. selo, carimbo, estampilho. criança acordada, criança turva, os olhos de novo, de novo, aqui.

    de andar pela cidade sem chão envolta em tinta de árvore urucum que seca ao redor do tempo. as ruas vazias, tantas ruas vazias na cidade gigante e a essa época sempre aparece um ou outro ciclista repentino cantarolando um funk, fantasiado de rosa, um pedestre contínuo.

    uma senhora bordada toda florida observa periquitos entoarem na copa de uma árvore. no meio do caminho, a saúdo, sorrio – a dar com os cães na rua como sempre me ocorre, ladrilhos, arredios, que me latem – ela diz: olha para o céu; as pessoas olham muito para o chão.

    e ficam duras, arredias. emburradas a empurrar suas crianças para dentro de caixinhas mínimas, elas não merecem isso.

    elas obedecem sim florear obedecem com esmero obedecem e des-existem aos poucos obedecem aprendem floreiam floreiam floreiam esperneiam e pois assim, subir em árvores, cair no chão. de maduro! assim como colhia mangas há dois tempos, o ano do verão, do relembro como é andar sem chão e sorrir

    andarilho, de novo essa peça, essa peça de cabeça que encaixa e ei! sei assim andar!

  • fluxo

    onde está uma ventania que se situa exatamente no instante em que a dança começa, uma membrana é posta de lado; cartilagens de baleia formam costelas duras e maleáveis – uma fortaleza que tem meios e barbatanas; pés que correm por entre teias costuradas e que sim! cessam, se fazem percurso no chão; olhos que entre uma atenção e outra formam tecidos inversos, só se sabem em ação; imagens turvas que se formam cada vez mais em campo de letra, sobrepostas, miudinhas e contadas aos baldes para crianças; enxurrada, eu não sei, às vezes durmo; se considero cachoeiras como um aprendizado tão importante quanto bibliotecas; sob esse vínculo, a permacultura se realiza quando os pés se põem a caminhar; a casa então se move e deve aprender a existir desse modo.

  • eixo (rindo)

    esperar as horas do sossego
    lapidar o canto,
    não pensar no desatino

    não secar as lágrimas
    dançar rodopiar
    em zelo

    aquece
    sou eu mesmo que
    canto

    sou eu mesmo que
    me envolvo num abraço
    na cama

    o suscinto: delírio
    amargo ardor de antes
    já foi,

    esquece
    caminha
    vai embora

    (já fui)

    nessa composição celeste
    somos só nós mesmos a lançar
    num rasgo num só bocejo num vulto

    rápido morcego eu sim
    eu vim
    cá estamos

    rindo

  • azurelaços

    tem algo de errado com a matéria. com a notícia que enrijece meu corpo quando é dia – e se morre, mais uma vez, tão constantemente! aguentar os debates urbanos e notar que de fato precisa deles, ainda que haja um quê de envenenamento nas ideias totais, nas montanhas.

    há como proteger-se com tanta lembrança – e a constância, ó, meu deus, se vai dia a dia, semana a semana, alternando seus meses gastos com a vontade de ser, de fazer massas azuis que brilhem, e não só o gosto da música que pontua os relógios.

    permanece um poço, tranquilo, que busca nuvens quando abre espaço nos lençóis, e dois dias depois vai olhar a lua que anteontem era azul, agora já é meia-luz. ainda bonita. difícil construir com dedos desejos afetos essa vida inteira – vida de gente que assume e vai. quero medo-desejo, banho de rio agora, ternura e vento frio na espinha; alegria de lentidão. na roça.

    conta que não há porque, foi assim mesmo, e mesmo assim sobresiste? é como farinha que constrói castelos de areia numa praia distante, quisera, fora do tempo. porque hoje é aquele bocado de gente se acotovelando por um lugar no (guarda) sol, veraneio. agora busca vantagens múltiplas numa cidade esquisita, onde não dá tanta gente.

    deveriam caber em árvores, viver lá no canto, no alto, vibrando escutas ao que o céu parece mais perto. sereno. vontades, jovens mil, comofazemtrutas? gíria de asfalto, costumeira.

    aguento e pereço. vivo o mundo se posso dançar. se sei ritmar, tanto como os carros do centro da cidade quanto nos planos andantes, nos ventos de floresta que vão ecoar lá no mar, em casas em santa teresa e no resto que só vem te beijar nas ladeiras da lapa. florezinhas. cachaça com gengibre ainda não cura gripe, mas deixa os pacientes bem alegres.

  • expedito

    considera-se uma obra póstuma 

    pontapé para o infinito, luminescência. construção de mercado velho feito afoita velha vontade, eu começo, eu ando em intenção e invento circunferências. já estão ditas, já estão escritas com todas as palavras do vocabulário corrente, em línguas misturadas que se apropriam umas às outras, como indeléveis imagens.

    um começo é uma estória, um porque em manifestação interna sem que responda à pergunta. eu recortei, ampliei e repaginei o conto, remixtures da música, misticismos dos outros e mais uma dúzia de ovos. não precisamos de justificativas, mas de ações. o ato de alguma forma antecede a teoria, pode ser versão da própria, cópia involutária de outrem, pastiche calado que subscreve. por mais que procuremos entender, não mergulharemos em todos os universos, não será possível dar conta do todo; por isso a unidade, o sujeito parcial que não se contém em querer criar suas versões dos mundos em ambientes pelos quais transita.

    porco-espinho mede universos, conhece intelectos e tem sua forma mutável de transeunte. pessoa culta que sabe cotar bem o embaralho das coisas, curte filme francês e vestes de seu avô que sequer conheceu em vida. “estava cheio de tecnologia”, um recém-amigo disse uma vez durante o trajeto. curiosíssima observação, senso comum das palavras impressas no jornal. dizem tanto desses parques de diversões contemporâneos ao ponto de nem parar pra pensar o que de fato se observa. adentrasse sem teoria prévia, o que é pouco provável, diria estar numa casa de fliperama dos novos tempos, ou num parque de televisões: estruturas expostas da máquina e outros experimentos com a luz industrial mágica.