• a (campo de ação)

    quando cessam os estudos festivos
    começa a memória
    e a invenção

    astuta perscruta pela ciência
    a anticiência
    os jardins e as matas densas

    antígona imaginária tênue
    em museus de dinossauros e fósseis
    plantas, arbóreos, gramíneas e monumentais

    sábias matizes que abrem um tanto mais
    em ações afirmativas
    outros chãos
    às memórias
    de que eles bebem
    e assumem

    eles, os europeus
    os homens fazedouros
    enquanto suas mulheres cosem
    e cuidam

    de quem será a voz
    na membrana –
    da família, da sociedade
    do prumo que argue e intervém
    no antro das comunidades

    circenses, elas vão
    abrir coragens em liturgias
    cânticos, audazes e ferozes

    ..

  • ramificação

    meu bem conhece fuligens. fuligens de árvores, de folhas e pingüins.

    tem pressa mais que coelho apressado, meio como jabuti. rodeia. rodeia sempre. confunde naturezas. é tão belo.

    será que nos vemos, assim tão velhos, novos em folha, tudo de novo?

    tudo eu não faria, mas faria nada novamente muitas vezes.

    meus erros, tuas histórias.

    falcatruas e teus erros também.

    tantas conversas de banheiro e camas. tantas chaves rodadas. tanta comoção!

    e se eu fosse de novo a todos aqueles lugares bonitos e perguntasse a eles o que pensam de nós?

    são os outros, não sou eu. inimigo.

    viagens sozinha. gosto tanto de dançar.

    assim: pode dançar comigo?

  • verão 3000

    enfrentar o atropelo que é o verão o sol alto a temperatura alta o som ensurdecedor a latência pedindo abrigo o trabalho dizendo vem, me chama, procura, abraça, mostra teu charme y a que vem nesse mundão… ah, janeiro, ah, rio de janeiro, ah botafogo dos barulhos grosseiros y da convivência quase muda, séria, e ontem rimos, olha só, nós rimos, eu preciso rir mais pra viver

    do jeito que vivo parece que o tempo nunca abriga nada porque não há silêncio e tudo é quente demais. também porque estive tanto na rua que não consegui viajar. lá estaria mais fresco, mais seco também. ver os amigos, dançar, encontrar o momentum, a hora propícia para restaurar, reiniciar, deslanchar, acolher

    encontrei mil corpos, me entrelacei, dormi de conchinha duas vezes, ah, janeiro. me traz de volta o encontro, a relação, o mimo fofinho gatinho chamego chão, chamego música, cozinhar y curtir galerinha que compartilha, colhe planta no quintal… eu gosto desse zelo, eu não venho da cidade, não brotei em apartamento, eu sou do chão, e do mar

    lá naquela terra que é via de encontro eu vejo um céu gigante, uma orla antiga, quase de outro canto, a sensação é um misto de infância com juventude com antepassados, outro estado, viagem, estado de viagem que é logo ali, depois da ponte, vira a esquina, está em 1990 e 2007, 3000 era tu comigo

    invenção cinema, mundo aberto, efeitos especiais que nunca vi, antes não tenho me dedicado, é verde é rosa brilha e rodopia, me faz rir e querer dançar. galerinha boa, pergunto se

  • azurelaços

    tem algo de errado com a matéria. com a notícia que enrijece meu corpo quando é dia – e se morre, mais uma vez, tão constantemente! aguentar os debates urbanos e notar que de fato precisa deles, ainda que haja um quê de envenenamento nas ideias totais, nas montanhas.

    há como proteger-se com tanta lembrança – e a constância, ó, meu deus, se vai dia a dia, semana a semana, alternando seus meses gastos com a vontade de ser, de fazer massas azuis que brilhem, e não só o gosto da música que pontua os relógios.

    permanece um poço, tranquilo, que busca nuvens quando abre espaço nos lençóis, e dois dias depois vai olhar a lua que anteontem era azul, agora já é meia-luz. ainda bonita. difícil construir com dedos desejos afetos essa vida inteira – vida de gente que assume e vai. quero medo-desejo, banho de rio agora, ternura e vento frio na espinha; alegria de lentidão. na roça.

    conta que não há porque, foi assim mesmo, e mesmo assim sobresiste? é como farinha que constrói castelos de areia numa praia distante, quisera, fora do tempo. porque hoje é aquele bocado de gente se acotovelando por um lugar no (guarda) sol, veraneio. agora busca vantagens múltiplas numa cidade esquisita, onde não dá tanta gente.

    deveriam caber em árvores, viver lá no canto, no alto, vibrando escutas ao que o céu parece mais perto. sereno. vontades, jovens mil, comofazemtrutas? gíria de asfalto, costumeira.

    aguento e pereço. vivo o mundo se posso dançar. se sei ritmar, tanto como os carros do centro da cidade quanto nos planos andantes, nos ventos de floresta que vão ecoar lá no mar, em casas em santa teresa e no resto que só vem te beijar nas ladeiras da lapa. florezinhas. cachaça com gengibre ainda não cura gripe, mas deixa os pacientes bem alegres.

  • de mão / corpo / água

    pensar meu nome escrito em
    ar condicionado
    terno emplumado, enxuto, asseado
    sapatos de verniz ou botas
    paetês
    (a um pertencimento)

    azul
    verde
    prateado

    mata úmida
    bem chegada

    és tu mais uma vez
    sem porquê
    de corpo devaneado
    mal inventado

    a saber se
              encontra
                  patrocínio
    age à mentira relatada

    (sem café)
    (com água)

    pero sem aquela
    poça
    alagada
    dos dias
    chorados
    a conta vencida
    ansiedade

    concreto é ver
    alguns absurdos
    darem certo

    em brilho vermelho
    lá fora

    uns amigos reunidos
    em volta
    em torno
    de
    fogueira
    constelação
    aquilo que age

    sem aqueles mesmos
    vícios
    donde se ouve
    ecos
    sinos
    conjunção

    a roupa é a roupa é
    a roupa mesma

    quis estudar
    teatro
    mímica
    butô
    cortes rasgados
    cenografia
    cosmologia
    lugares longíquos
    montanhas
    seres viventes

    sim
    sempre muito vivas
    e imponentes

    a lembrar aos sóis
    que habitam em nós
    que tamanho temos
    que somos maioria
    que somos magníficas
    que não existe caminhar só
    nem casa grande demais

    os buracos
    hão de ser preenchidos
    ou habitam
    novas memórias

    não se deixam trancar nunca mais
    não se deixam tolhir nunca mais

    completam
    se cumprem
    permanecem abertos

    somos maioria
    somos (subjetivamente) imunes

    estamos vivas
    como as árvores
    e as montanhas

    que se engendram umas nas outras
    e criam raízes subterrâneas
    nunca rasgam
    nunca hão de cair
    são selvas
    indomesticáveis

  • arguto

    estou com uma vontade enorme de plantar verduras, legumes. os nervos da minha carne já não se aguentam mais: o supermercado é para os fracos. não me alimenta, só faz empanturrar as populações de simulacros enlatados e enfileirados.

    virei bode. prevejo lunações fora de fase, patadas, amortizações sem preço e carinhos feitos ao ar e ao sol.

    passei a andar nua pela cidade, quer me deixassem, quer não. o segredo foi só usar uma camada de tecido sobre a pele, ou vegetação: enquanto me pensam vestida, está tudo tranquilo.

    o disfarce deve valer também para os assimétricos todos, todos os vizinhos. se pudermos andar todos nus, será que erradicaremos a fumaça dos carros? tanto tecido e músculos que compõem as minhas pernas. sei andar, ei! não preciso de rodas. muito menos combustões.

    sem dúvida, temos as ligaduras e obtusas, aquelas que se sufocamos se tornam mais. acirradas disputas internas pelo que quer que seja. furacões, rotineiras.

    não respiro e não largo mão. aqui na cidade vigora a lei do astuto – o que não quer dizer rapidez, mas estratégia.

    a vida só é possível à medida em que se revê lágrimas e se coloca pequenos solos de feijão e acordeões comendo soltos à torre e sonhos, só assim. ou o instrumento que preferir. os grãos, em bando, irão nutrir as espécies com um enfestado repertório de anedotas fortuitas sobre suas origens e trajetos, alegrando de gracejos todo o grupo que se reunir.

    alrededor. os tracejos do meu asfalto irão reverberar além e afora, onde se está. os lugares mundo todos feitos e completos de si, coletados ao passo e ao prumo, a subir montanhas.

    onde se está. culturas de bactérias benignas, compostagem, zelos, colaborações entremeios e entrevestes – com toda a sutura de solfejos e o que mais pestanejar. não encontro os amigos em abismos, mas no prumo do barco, a caminho do que invento. tempo lento, dizemos, a toda prova. ritmado.

    um lugar de sonhos, de vastos abraços e tempo ordenado, mas alheio a qualquer forma de voz que venha a sobrepor todo o peso carregado ao longo dos anos, nas costas: a voz haverá de emergir de nós mesmos, entrepostos entre asfaltos e devaneios com o mar – mítico mar, dos suores e dívidas, resoluções e labutas abaixo do sol, parecendo funcionar.

  • saber encontrar o lugar do gozo
    da lágrima
    no solstício inverno
    ou na sala

  • departamento de outridades bélicas

    departamento de ambiguidades & perseverança

    departamento ali (sem resposta)

     

    rio de janeiro: suor
    rio de janeiro: esperar acabar o verão para viver (ñ consigo trabalhar)

    moleza sobriedade queria estar transando queria estar na cachoeira dançando mil grau mas escrever também me preenche me alegra, SÓ QUE — ñ dispomos de ar condicionado, senhor

    a arte a lembrança a viagem a torrente a floresta os términos, os fins

    dry martini eu gosto festa sim já foi mais simples já

  • forjei um hino para acalentar o gesto: ou melhor, a ausência do gesto, a saudade de um momento que se sustenta no imaginário há aproximadamente 30 dias.