• te vi por aí

    a gente tem que colar
    nossos tremores
    e nossos temores
    no tempo

    antes que sejam vãos
    (nunca serão)

    antes que acabem
    em qualquer esquina
    embriagados
    abandonados
    ao relento

    antes que encontremos
    uma desculpa
    estapafúrdia
    pra não se encontrar
    de novo

    as pessoas estão sozinhas
    nas ruas

    mas também estão juntas

    me pergunto se há vida social
    e há

    alguma
    permuta
    possível
    no acaso
    e no endereço

    no amor
    nem pergunto mais
    mas sonho
    sonho
    sonho todos os dias
    vai fazer um ano

    não quero viver
    em estado de sonho
    quero o concreto real
    do sonho vivido
    da rua curtida
    do abraço junto
    carinho

  • ponte

    uma cidade que começa com uma ponte
    ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
    um monumento ao espaço.

    ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

    escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

    vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

    terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

    para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

    são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

    bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

    aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

    a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

    porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

    teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

  • in

    insenin

    inse

    insluar

    insular

    insu

    eluc.

  • ;

     

    reinventar do início, reescrever outros modos. isso e mais.

    investigadora crônica, compositora de enigmas, astronomias terráqueas, fogo que se faz. escrita de fortuitos acasos, devaneante-mor, viagens de força-propensão, verborragias sazonais, ama silêncio, ama vento e agrião, agridoces, sais, aprende com o mar e com as imensidões. vem dos rios e das montanhas pedregosas, úmidas e cheirosas, florestas de pinhais. desentende as cidades, mas coleciona mapas e anda elas inteiras a pé. dízimo de complexidades. a performance começa tímida, hesita, age de última hora, ri, refaz, tira a roupa ou entrecores-brilhos, e sai cantarolando onde for, alto e em voz. risadas. há de se fazer, há de se fazer. (…)

  • correria

    fui contar estrelas
    encontrei escombros
    da minha última jornada.

    corri para o quintal
    e gritei pro céu
    por que tamanha bobagem?

    daí recontei
    todas elas
    sem número exato
    nem firulas

    e não é que acabo as engolindo?

    escorregando pela minha garganta
    fanfarronas, esbeltas
    correm felizes
    pelas colinas vermelhas!

  • kinomichi (linhas)

    volante
    volátil

    kinomichi_1

    kinomichi_2

    kinomichi_3

    kinomichi_4

    kinomichi_5

    kinomichi_6

    kinomichi_7

    kinomichi_8

    kinomichi_9

    kinomichi_10

    kinomichi_11

  • zelo

    é bom que ele esteja na superfície. faz tocar.

    dongos, bongos, sinos. velhos sinais vultuosos de dormências profundas, de presença ainda que inerte. interage como ausente, ou quase, escuta – não lá.

    toque. vaz, vrum, vibra entre suntuosidades, chupa um grelo, eu sei lá, feliz.

    não pensei, fiz.

    assim se compõem todas as maravilhosidades que nos acometem. acontece. faz. há.

    extremo, voz dormente do sossego, que acorda e flerta com o gozo – alegria suprema, não toca. beira alguma coisa, ri, rotundas suspensas no ar

    beijo uma alcova, atenta,
    abraça meus galhos em total entrega, é bonito demais!

    some. vazia.
    algozes fariam, paratudo

    (diversões esmos festas contínuas compõem arestas, zelos. amigos, flui)

    música é só o que está vivo
    necessita
    pergunta o que faz além de –

    corte
    corre

    é tão paralelo que talvez nem
    compreenda

    ou se ocupe de
    exercer

  • casco

    lentidão,
    como é bonita
    a tua terra

    como tece o teu segredo
    entrementes
    toda vida

    como constrói
    um arbusto
    tão sereno
    que tudo percebe

    silencioso
    arbusto

    todavia
    carrancudo
    lento,

    ameno
    tão seguro de si
    tão tormenta

    terminaria todos os afetos
    encurralando aquilo mesmo que vi
    que vivi
    em um ato

    sereno,
    contudo

    um domingo
    no campo asfalto
    se nem montanha

    amor
    sobe
    atravessa
    todas as pontes

    desato

    desalinha
    os montes

  • diversas formas de respirar

    o nó da saliva no canto
    da boca o gosto do resto
    na bexiga o canto
    ouvido aos pés e
    encanto
    brisa

    sabe o que eu queria
    mesmo era comer você

    você sabe, saberia, sempre
    poderia saber

    mas sempre
    acaso sempre
    esgote o bocado
    o entusiasmo mesmo
    que tanto toca
    a ferida o quero
    bem eu fiz por saber
    onde está

    ferido canto abrigo
    quem saberia
    você