• vão

    cabe quase nada nesse tampo fechado. ainda assim procuramos adornar com flores, colocar uma nuvenzinha entre as vestes e sair a foliar.

    os panos são tão grandes que quase arrastam no chão. juntam gelo, afagos, música de reco-recos e essas gentes que andam pulando pelas ruas. colhem chão, bebem cores e dão altos pulos que fazem ver o céu azul.

    custou a encontrar. ainda agora pensa se cabe, onde cabe, se vai caber. se vai transbordar. se vai deixar de achar a ruela, a data precisa, o encontro faceiro que desencadeia os ecos. os ecos são os povoamentos, aquilo que reverbera. que postula os verbos e segura o som em suspenso, até que as teias tenham se assentado um pouco. nada fixo. mas corre.

    a trama é o mesmo que o som. aquece. os suores que traduzem palavras, as danças que servem para ver um pouco mais. com a pele. a música e a música e a música que vem aqui todos os dias dizer que está atenta. que sobrexiste alerta. que abre a boca como numa animação, engolindo os maus polimentos.

    existem pilhas de ideias que merecem ser compensadas com uma torrezinha, uma pequena dor em alento, das que lembram que as articulações em tudo contribuem para o andamento, para o volume. precisam estar presentes. o estiramento dos ossos, músculos em retorção, e depois a maciez do toque, a complacência inventada em dias de pequenos gestos.

    os povoamentos. os povos que acordam, tecendo dormentes a céu aberto.

  • miolo

    costurava vozes e engasgava ruídos em sonho e em situação. sim, sonhei em situação, que se estendia até transformar algo potente em intensidade demais, ruído demais, então acorda. corpo dolorido, vai se reconhecendo nas dores, resgatando cada processo que enfim desembocou em – massagem. curvas que doem e fazem barulho, e assim cura, processo de cura, retorno às espirais que tanto me cultivam e me fazem estar em prumo. não tem persistência na aula porque mensalidade, mas o corpo vai aos poucos ganhando memória.

    da última vez que caí de bicicleta fez uma surpresa meu corpo – ele já sabe girar e se esquivar ao máximo da queda, aproveitando o impulso pra subir. rolamento, das aulas de contato-improvisação e kinomichi. ecos de aikido, que ainda não conheci em estado puro.

    obviamente me questiono sobre as divisões do tempo que faço e as relações que estabeleço. sonho que estejam próximas de algum zelo que não faça demorar demais. ninguém deseja que. ainda que o reconhecimento de que alguns processos demandam uma duração mais contínua, outros mais desenfreada, e por fim os processos lentos, lentos e fundamentalmente importantes na composição da narrativa.

    costuro. começo a costurar. da manutenção básica de tempos em tempos, necessária para o bom funcionamento das máquinas, óleos – eu só queria um cotidiano silêncio carinho gato afago comida quentinha e correr, pra sentir os músculos um pouco. sem fumaça de carros. qualquer lugar.

    só existem específicos e apontados com muito afinco, nada mais.

    memorar todos os dias.

    o sonho em matéria de chão era bem aberto, talvez excepcional, ou algo de excepcional ocorria. união entre lugares, referências, pessoas de esferas austrais e música. em tudo de excepcional haverá música (ou silêncio)

    braços abertos \o/

    mentiras vocês contam toda vida, e então acreditam nelas. um buraco asfáltico assim se cura? pontaria. tentam muitos, assistimos, criamos mídias bocados para silenciar e para vociferar, todas medidas. tornam mentiras também, as mídias. sobrepõem em camadas.

    o corte, o corte é a medida. meio de existir em camadas mas saber acessar – onde estará – a curva

  • de mão / corpo / água

    pensar meu nome escrito em
    ar condicionado
    terno emplumado, enxuto, asseado
    sapatos de verniz ou botas
    paetês
    (a um pertencimento)

    azul
    verde
    prateado

    mata úmida
    bem chegada

    és tu mais uma vez
    sem porquê
    de corpo devaneado
    mal inventado

    a saber se
              encontra
                  patrocínio
    age à mentira relatada

    (sem café)
    (com água)

    pero sem aquela
    poça
    alagada
    dos dias
    chorados
    a conta vencida
    ansiedade

    concreto é ver
    alguns absurdos
    darem certo

    em brilho vermelho
    lá fora

    uns amigos reunidos
    em volta
    em torno
    de
    fogueira
    constelação
    aquilo que age

    sem aqueles mesmos
    vícios
    donde se ouve
    ecos
    sinos
    conjunção

    a roupa é a roupa é
    a roupa mesma

    quis estudar
    teatro
    mímica
    butô
    cortes rasgados
    cenografia
    cosmologia
    lugares longíquos
    montanhas
    seres viventes

    sim
    sempre muito vivas
    e imponentes

    a lembrar aos sóis
    que habitam em nós
    que tamanho temos
    que somos maioria
    que somos magníficas
    que não existe caminhar só
    nem casa grande demais

    os buracos
    hão de ser preenchidos
    ou habitam
    novas memórias

    não se deixam trancar nunca mais
    não se deixam tolhir nunca mais

    completam
    se cumprem
    permanecem abertos

    somos maioria
    somos (subjetivamente) imunes

    estamos vivas
    como as árvores
    e as montanhas

    que se engendram umas nas outras
    e criam raízes subterrâneas
    nunca rasgam
    nunca hão de cair
    são selvas
    indomesticáveis

  • estrutura

    como se reinventa um corpo
    (um desejo)
    a olhar por ele mesmo
    a se ver

    campo ampliado lente macro
    composição inteira
    de pé

    sustento, de pé
    altura, de pé
    postura, de pé
    abdômen, de pé
    (bem fincados, peso distribuído)

    peito aberto
    olhar

  • luz

    derreter as calotas polares das lembranças esgarçadas y toda força corrompida por memórias em acúmulo, calos e afagos demais. sim, pois afago de memória, afago sem fala, só silenciação.

    gago e rouco o silêncio das vozes, as palavras mordidas, comunicações vastas e interrompidas furtivamente em um passar dos carros. amassar latinhas.

    e então comunicação demais, difusos meios, ruídos sem voz. somente ruídos. somente voz. separados eles ganham fôlego, vão colhendo suas florezinhas de papel cultivadas sem qualquer ordem, às manhãs que variam de horário pois dormem (às vezes)

    as calotas polares ali se curvaram aos bem-afrescos-e-aventurados, renovados, também curvos, subiram ao púlpito celeste e de lá propagaram – não antes sem vômitos na fala, engasgos, borbulhos – e então, pé ante pé, desceram torrentes as ladeiras em capas de chuva anti-vulcão, como se seus corpos fossem removíveis e então trocassem por outros, ou se fosse possível ao invés cambiar de ganas, peles e de vontades tropeças – ao inventar uma capa à prova de.

    me pergunto se é possível reescrever as narrativas de um modo tão codificado que não seja possível corrompê-las, pois sempre que se pensar ter encontrado o número, a senha, ela se transformará e soltará uma risada bem enorme na tua cara e será toda fofinha, stroboscópica, intragável e inapreensível. sempre a memória

    lancinantes lavas de vulcão. gratuita, eu sou voz e não existo. eu sou fotografia, pois luz, pensando que todos os meios conhecidos se tornaram voz, propagando no ar así tantas firulas. penso se tudo o que é supérfluo me alimenta. supérfluas vozes. supérfluo torvelinho. supérfluos amores que me sustentam (em memória)

    corpo que se levanta em vão, cultiva quarto, cultiva casa. esquiva. cumpre beneditos compromissos e corre, decide correr, assim como decide parar ou incidir em pausas para mor de respiração

    (respira)

    ladeiras cálidas que um dia acolheram agora incidem em pergunta
    eu só cuido das madrugadas, digo,
    de novo e tantas vezes

    antes da artemarcial e daquilo que chamam cotidiano

  • risco

    ação de torcer, moer, extrair suco. até sentir dor. até subir no topo de alguma coisa, e de lá a reconfortante vertigem. a luta bruta.

    ataduras, nos pés e nas mãos. corpo torcido. cara bruta. cara resoluta. cume, abrigo.

    praticar a dança – eu te disse – praticar as expectativas e desconstruções. no chão da sala, nas frestas. remover com tinta vermelha o que há nas entrelinhas. escrever demais. desenhar todas as coisas, passado o vazio, passado o chão: depois de doer, reconstruir como se nunca tivesse feito a membrana.

    desenho, desenho, desenho.

  • parede

    sem lugar para o gosto
    verbo, sem lugar para a dança
    (lugar)

    a-lugar eu faço, a esta hora
    não antes, depois não saberei
    o que seria dos rejuntes sem estes cantos

    (e tantos anos sem ao menos uma linha escrita, aberta)

    fechadas casas são as tuas, apesar de entrar
    conheço tantos meninos com medos
    de serem entrada, passeio, abertura

    não era a tua, mas hoje
    sempre reparo quando falas dos beijos dos outros
    os beijos dos outros não existem seus
    não lá

    (como se negasse uma possibilidade, exame)

    ação que em si mesma é só uma memória enviesada
    recente, confusa,
    clara em linhas retas de parede perfurada
    sem chão

  • forjei um hino para acalentar o gesto: ou melhor, a ausência do gesto, a saudade de um momento que se sustenta no imaginário há aproximadamente 30 dias.

  • olhos caídos em dezembro

    uma festa que não deu certo. um desejo contido. sufocado entre quatro paredes.

    duas imagens:

    (1) um quadro triangular, em 4:3, dentro dele uma escada velha de madeira, à esquerda. ao fundo, uma parede desgastada pelo tempo.

    (2) menina vai ao banheiro e ouve uma senhora falar. sai da cabine e continua a ouvir, ela fala de estrelas e lugares perdidos. e completa dizendo que os jovens tendem a confundir fantasia e realidade, o que pode ser perigoso e a preocupa. finaliza com uma satisfação: admira o trabalho dos jovens, e é tudo graças à tecnologia. À TECNOLOGIA.

    **

    o tempo me pede para escrever sobre o tempo que me consome e o tempo vasto que se perdeu nas memórias e que se sente na música que faz parar o tempo e bailar em voltas em saias que se confundem com meias que se confundem com beijos na boca. o tempo futuro é o que eu não sei mas os livros todos eles especulam, eles falam de crenças perdidas e espaçonaves, de andróides e mentes fora do corpo, os anos oitenta foram tanto. só suprimiria todos aqueles exageros banhados em laquê e centropeitos e mesmo alguns sintetizadores.

    o tempo em que durmo é que é passado em bocados, horas não sentidas, sussuros, cafunés-em-mim-mesma. acordo de lentes – que é pra inaugurar estas novas – e logo percebo; o quanto em vão, quantas vontades, e atropelos.

    resolução de fim de ano dá nisso, eu não ia fazer uma. eu precisava discorrer sobre o tempo e seria tão bom falar desse farfalhar das árvores daqui do bairro ainda que com o sol TÃO forte; do canto das cigarras não só ao entardecer mas várias vezes por dia. tem som de silêncio.

    falar sobre a aceleração neste fim de ano que é tão acelerado; na pressa se perde o sentido, na pressa as coisas vão caindo pelo caminho. dezembro cheira a nada, eu insisto mas não consigo, só tem som de cigarras porque eu ignoro os carros agitados e as compras intensas. por toda a volta.

    caio no mar. dou meia volta.