• pacto

    rodopiar dentro de um campo
    vem sem veneno

    corporificar o gás
    redescobrir as artérias

    é fôlego é lucidez
    fumaça irrompe

    labareda
    os nossos caminhos

    multiplicam-se em roda
    sabem encontrar uns
    [aos outros

    caem, sobem, vertem-se
    em sabedorias milenares

    repactua

    o desejo

    vem

    celeste

    caber

    colhe

  • no momento
    que antecede
    o recuo

    ali

    faíscas movediças eu vi

  • posição fetal agitando
    um punho um aceno um abraço
    garante que
    ao menos a gente tenha junto
    alguma voz

    um novelo
    e seu bagaço
    encontro da família
    com o asfalto,
    a rua dura

    as legendas dessa cama
    contam com duas ou três arestas
    não doces, não tem vez
    meu corpo
    os mosquitos
    o chão

    o saliente zumbido
    a tua voz
    no celular, àquela altura
    da manhã enviesada
    no rasgo, no sustento
    do que viria a ser
    e do que nunca foi
    e que provavelmente
    encerraríamos aqui mesmo

    o novelo o novelo absinto
    reanimo
    os bichos

  • descaminho

    algumas coisas convergem para não colidir. an island shakes. universo florido num pedestal. glórias. desalentos. celebração numa floresta de cabos, demônios, inversões, acasos. invernos somos uns para os outros e tudo o que exalamos são vozes. imersões não consigo, tão fundo.

    eu deixo linkar e aqui não é lugar de esconder, mas expor, fazer. pressão demais. abre, mas abre pouco, que é pra continuar tendo aquele lugarzinho lindo que não sabe nomear, inventa, investe, coerção. de novo, o mergulho. ele se revolve. o som é uma mistura de muito do que eu faria e não faço, agora mesmo. simbólico caminho que trilha, esboça, atinge um caleidoscópio.

    não age e não procura. velozes vozes atravessam, não sei lugar. iria, mas iria mais bruto, embora desalinhe os abraços e admire mesmo a coisa como está. não é eco, se compõe um vocabulário de danças.

    tinha um mapa de lisboa na sala. intuito, acaso, descaminho. pegaria o avião. será fastio, desafio, vespa? impreciso de bocejos, gorjeio, minhas memórias. conheci o tejo, pelo mapa. dava margem e corpo a algo que nem imaginei, só esbocei em sonho. devaneio.

    existiam vozes que tocavam bateria, nozes diminutas que não permitiam porque ou assunto, mas faziam festa a cada vez que fosse notável, encontro. transformaria em obra, o encontro. mas nunca os tijolos iriam comparecer. faltava tijolo, diziam. só em outro país.

    o tejo, descaminho. as danças. eu vi você olhar e vi você buscar um lugar. eu estive aqui. migrei, mas sempre arbusto. perecível, passível de voltas.

  • (-)

    é preciso abandonar um universo para ir de encontro às coisas. poderia descrever minuciosamente alguns acasos, ou atravessar em vendavais os maus transeuntes. são públicas, as memórias. estão em desgaste corrente as multidões, que no entanto ganham força. sobrepõem-se continuamente. multidão-livro. multidão-blusa. multidão-multidão e categoria nenhuma. tentativas de apreensão rotineiras são contrapostas a evidências históricas, nenhuma animadora no presente momento. as versões que se estabelecem ululam, reinvindicam o poder para si, e esfacelam craquelê na esquina mais próxima. é invisível, o poder protocolado é invisível a si próprio, nariz entupido em sangue. existem rastros e razões diversas, controversas, justapostas, em guerra. é tão cansativa a guerra que meus neurônios pedem ar – um ventinho leve de vez em quando, para proliferar vulcões na costa alheia a nossa, ainda que vá. sempre irá. a energia está fervente, é difícil resistir, ela vem abrupta e toma conta de tudo. o sol lá em cima quase sempre alto, quase sempre enorme, a lua enorme, a crosta terrestre enorme, e as conexões wifi segurando tudo em uns cabozinhos, parecendo inocentes. nunca o foram – tamanha ilusão. construída a coletividades tão vastas, atingindo os cantos mais fundos, tudo mediado. tudo em público. são públicas as memórias do povo. somos públicos mictórios. construímos em bases que bebem em papel marcado, obsolescência de mercados, viagens além-mar. ecoam em si próprias sobrevalentes, insurrentes, novas velhas vozes que nunca ouvimos porque mediados, agora juntos. juntos, mediados e em público. que vozes. que campos permeiam esses caminhos, coletividades vozes, continente.

  • olhos caídos em dezembro

    uma festa que não deu certo. um desejo contido. sufocado entre quatro paredes.

    duas imagens:

    (1) um quadro triangular, em 4:3, dentro dele uma escada velha de madeira, à esquerda. ao fundo, uma parede desgastada pelo tempo.

    (2) menina vai ao banheiro e ouve uma senhora falar. sai da cabine e continua a ouvir, ela fala de estrelas e lugares perdidos. e completa dizendo que os jovens tendem a confundir fantasia e realidade, o que pode ser perigoso e a preocupa. finaliza com uma satisfação: admira o trabalho dos jovens, e é tudo graças à tecnologia. À TECNOLOGIA.

    **

    o tempo me pede para escrever sobre o tempo que me consome e o tempo vasto que se perdeu nas memórias e que se sente na música que faz parar o tempo e bailar em voltas em saias que se confundem com meias que se confundem com beijos na boca. o tempo futuro é o que eu não sei mas os livros todos eles especulam, eles falam de crenças perdidas e espaçonaves, de andróides e mentes fora do corpo, os anos oitenta foram tanto. só suprimiria todos aqueles exageros banhados em laquê e centropeitos e mesmo alguns sintetizadores.

    o tempo em que durmo é que é passado em bocados, horas não sentidas, sussuros, cafunés-em-mim-mesma. acordo de lentes – que é pra inaugurar estas novas – e logo percebo; o quanto em vão, quantas vontades, e atropelos.

    resolução de fim de ano dá nisso, eu não ia fazer uma. eu precisava discorrer sobre o tempo e seria tão bom falar desse farfalhar das árvores daqui do bairro ainda que com o sol TÃO forte; do canto das cigarras não só ao entardecer mas várias vezes por dia. tem som de silêncio.

    falar sobre a aceleração neste fim de ano que é tão acelerado; na pressa se perde o sentido, na pressa as coisas vão caindo pelo caminho. dezembro cheira a nada, eu insisto mas não consigo, só tem som de cigarras porque eu ignoro os carros agitados e as compras intensas. por toda a volta.

    caio no mar. dou meia volta.

  • limiar

    engole velocidade
    luminosidade das bordas

    argumento
    a

    palavra não cede
    não é objeto

    abre

    cosmologia da boca:
    gosma falada

    às vezes, constelação
    que se compõe
    pelas calçadas
    no fim de tarde
    e de manhã

    quando cessam as vozes
    e as buzinas
    se transformam
    em árvores

  • correria

    fui contar estrelas
    encontrei escombros
    da minha última jornada.

    corri para o quintal
    e gritei pro céu
    por que tamanha bobagem?

    daí recontei
    todas elas
    sem número exato
    nem firulas

    e não é que acabo as engolindo?

    escorregando pela minha garganta
    fanfarronas, esbeltas
    correm felizes
    pelas colinas vermelhas!

  • feitura

    esse texto não é meu.

    a reclusão não foi premeditada.

    férias é comum, quase todo mundo tira. mudar de espaços é normal.

    procurar ordenação no caos, todo mundo faz. melhor que jogar pela janela (e se janela houvesse para).

    não pode parar e procurar tudo de novo, achar que com vazio reconstrói tudo? talvez. mas é difícil que dói.

    – se doía antes!

    – sim, doeu.

    joalheria. cor de joelhos e açúcar e lentidão.

    – tem amigos artistas, mas se é artista?

    – tudo questão de concepção.

    – assim como conceito?

    – como conceitura, de feitura, processo.

    – ah.

    – você não entendeu.

    – como você sabe?

    – dá pra ver.

    – tura. tinha um parágrafo grande do cortázar sobre as turas. eram muitas. grandiloquentes. importantes pra vida. talvez inevitáveis. olha, estou relendo cortázar.

    – reconstrói e relê cortázar?

    – reedito vídeos também. ou melhor: reedito ideias antigas em vídeo. às vezes nao sei se elas querem ser vídeo ou outra coisa. mas tento vídeo, que como texto pareciam ter menos dimensão. existiam, lá, na página do caderno. se uma ideia é boa ela merece talvez mais que uma página de caderno, não acha?

    – depende do caderno.

    – com certeza, mas é uma questão de dimensão. e de envergadura, de quanto tempo eu passo olhando para ela, até que se transforme em outra coisa.

    – parece que é importante construir esses espaços de visibilidade, não é?

    – sim, mas, também, de certa forma já houve o tempo (esses primeiros meses) para se dedicar às aspirações, contornos e toda essa papucaia. em suma, à hibernação. com ela vieram uma série de coisas, que talvez pareçam inconclusas à quem primeiro ver. pois não é melhor aceitar logo duma vez que todas as coisas sofrem de incompletude, em maior ou menor grau? porque podem sempre prolongar uma membrana, deixar nascer mais um elefante entre os dedos. se faz mal? pode fazer, depende de como você ordenar. como um enxerto de planta. se mistura, tem que cuidar pra não corromper. senão, o braço cai.

    **

    e outro dia alguém me pergunta:

    – você nunca fez chá de fita, inês?

    – …

    que coisa é essa que faz a gente decretar abandono de umas coisas frágeis que um dia fizeram parte do que somos? pois se ainda somos, ainda fazem parte. talvez umas coisas com imagem, travessuras, modismos e construções. sim, é isso: você de repente se dá conta de que precisa construir, e para isso invariavelmente irá deixar de lado algumas coisas. curadoria, seleção. com justificativa e conceito, que vai se formando. procura uma imensidão em coisas súbitas, se traveste, muda de grupos, joga tudo o que tem no quarto fora. precisa viajar pra saber ver de novo, para saber ouvir. precisa chorar distante, às vezes, precisa pegar um avião e dar umas boas gargalhadas, se sentir leve outra vez.

    – ver nuvens e malhas molhadas. nunca me esqueço de veneza, vista do avião. umas terras alagadas. as pessoas falam, é claro, mas ver de perto é outra parada. eu fui lá, pôr o pé numas terras alagadas. vinha dos países baixos, que também têm uns tantos canais e se constróem em artifício sobre um terreno que é abaixo do mar. que loucura, esses artifícios. no meio do caminho atravessei as planícies enquanto lia moinhos de vento pela janela, e minha carona que só tinha sorrisos para comunicar. foi bem feito, 10 horas de trajeto porque tinha trânsito, e possivelmente a única viagem de carro da minha vida em que não enjoei. e nem podia, não tinha curvas! que loucura, esses países de planícies sem curvas. concluí que burger king devia ser o graal de lá.

    – esses seis meses eu vou viajar bastante. não sei manter esses fios tortos abaixo dos pés – faz sentido?

    – se faz. e você pode viajar?

    – como disse: é uma questão de envergadura. preciso dar dimensão. tem vezes em que as distâncias daqui ficam curtas, dóem demais porque perderam o traço ao caminhar. dureza de transportes, de decidir, de coisa morta. círculos concêntricos que me medem as pernas, às vezes caem. daí que é só mover uma folhinha amarela que pronto, talvez assim a máquina volte a funcionar.

    **

    para participar da representatividade das coisas sólidas, apareço. talvez só seja possível o jogo dentro dos espaços, mesmo que – mesmo que tudo. fincamos o pé, não se sabe por quanto tempo, para mais um rolê dos espasmos coletivos. entre vozes alertas e absortas, inundados de travessuras e comércio.