• água

    a insistência no exílio como matéria infértil
    (não se exila no concreto; somente nas montanhas ou à beira do mar)

    porosidade

  • departamento de outridades bélicas

    departamento de ambiguidades & perseverança

    departamento ali (sem resposta)

     

    rio de janeiro: suor
    rio de janeiro: esperar acabar o verão para viver (ñ consigo trabalhar)

    moleza sobriedade queria estar transando queria estar na cachoeira dançando mil grau mas escrever também me preenche me alegra, SÓ QUE — ñ dispomos de ar condicionado, senhor

    a arte a lembrança a viagem a torrente a floresta os términos, os fins

    dry martini eu gosto festa sim já foi mais simples já

  • trajeto

    às vezes eu tenho a
    estranha vontade de
    dormir num ônibus
    não que seja confortável
    não que não haja ruído

    é o simples gesto de
    estar em movimento
    ir de um lugar ao outro
    como se com isso –
    transpondo cidades –
    algo pudesse
    transmutar

    constelação vista pela estrada
    ruído de máquinas, parada
    assunto de duas cadeiras à frente
    música
    não gosto, me vejo procurando caronas
    mas quando dizem que – vamos conversar
    agradeço meu direito de permanecer calada
    embarco num ônibus, adormeço entrecostada
    sonhando abruptamente com locais
    um pouco menos vagos

    situações menos gastas
    encontros calorosos e afáveis
    conforto de saudades
    duram dois dias, em média
    no restante temos que trabalhar
    e se algo foge à regra
    posto que situação: viagem
    passeio passeio gana
    perco-me sutilmente
    entre apreços
    e paragens

    o core pede: luta
    concentração faremos
    em que localidade
    em que zelo encontre pela estrada
    uma casa, a que custos
    de frequência e lentidão
    costumeiramente
    saudáveis

  • onde está

    quem iria dizer
    que o invólucro iria se rasgar
    espalhando pela rua
    (mais uma vez)

    parece que os rastros
    foram todos coletados
    (ao menos isso)
    que sirvam a alguéns

    as ruínas
    e também os amados
    objetos costuras rabiscos
    revistas livros

    colchão
    esteira
    estante
    gavetas

    tudo isso na rua
    num alvoroço que fez quebrar
    o filtro
    de barro lindo posto na esquina

    (penca que sobrava de 2017,
    penúria, que vá em paz
    essa retranca,
    a ajuda que se faz rebuliço)

    as famílias enviesadas
    batendo cartão, cortadas
    abraçadas esfiapadas afiadas
    eu me desfaleço

    e esvaneço
    reinvento memórias
    encontro outro nome

  • ponte

    uma cidade que começa com uma ponte
    ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
    um monumento ao espaço.

    ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

    escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

    vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

    terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

    para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

    são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

    bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

    aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

    a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

    porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

    teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

  • andarilhe

    de toda intenção de florescer, agora revolto em sustento. de novo isso, mas isso sim, isso de novo, isso teremos de sustentar. sustentar o sustento. coordenar a procriação da dança, o benfazejo com esmero, toda esperança: laboriar, laboriar, laboriar.

    DSC_0912

    re-criar os modos como se laboreia. refazejo de forma, de estrutura. confecção de linha, porventura.

    das variáveis, constantes:

    esse fluxo de vozes imbocáveis que atravessa o corpo, todo o tempo. uma onda de caos, uma onda de amor. me atravessa, está aqui. agora grito, estribilho, tudo fica dentro. guardadinho. enviesar todos os preteridos para depois, todos os assuntos. não existe depois, existe uma linha que se domina, que se tece, é tecida pelo tempo. costura mesmo, invedação. corrobora com os caminhos se de caminhos é feita ela mesma. e então sair

    dominar o alimento. máquinas, admitirei cedo ou tarde, as esnobo. possuir o mínimo, agir como se está, simplificar os modos de andança. porém, eis que algumas, eis que usufruto, estou em. máquinas, operar com minimalescos botões de mimo, miniatura, antevendo já todos os traquejos que acontecem quando não se prevê máquinas, sim máquinas, botões, procedimentos, tudo o que já está dado como propriedade. o erro, o erro ocorre quando não prevê mas também quando excede, assunto de acomeço e invento, reverbera.

    re-estudar e estruturar os usos de uma série de ferramentas que coordeno. sim domino, algumas, algumas partes, mas então as re-descubro, observo, deixo reverberar. tem um montão de ideias e construções que não fariam parte se, se não houvessem madrugadas. e esses horários – não há mais horários escriturários com que cumprir.

    um mês depois, um estribilho. selo, carimbo, estampilho. criança acordada, criança turva, os olhos de novo, de novo, aqui.

    de andar pela cidade sem chão envolta em tinta de árvore urucum que seca ao redor do tempo. as ruas vazias, tantas ruas vazias na cidade gigante e a essa época sempre aparece um ou outro ciclista repentino cantarolando um funk, fantasiado de rosa, um pedestre contínuo.

    uma senhora bordada toda florida observa periquitos entoarem na copa de uma árvore. no meio do caminho, a saúdo, sorrio – a dar com os cães na rua como sempre me ocorre, ladrilhos, arredios, que me latem – ela diz: olha para o céu; as pessoas olham muito para o chão.

    e ficam duras, arredias. emburradas a empurrar suas crianças para dentro de caixinhas mínimas, elas não merecem isso.

    elas obedecem sim florear obedecem com esmero obedecem e des-existem aos poucos obedecem aprendem floreiam floreiam floreiam esperneiam e pois assim, subir em árvores, cair no chão. de maduro! assim como colhia mangas há dois tempos, o ano do verão, do relembro como é andar sem chão e sorrir

    andarilho, de novo essa peça, essa peça de cabeça que encaixa e ei! sei assim andar!

  • saber encontrar o lugar do gozo
    da lágrima
    no solstício inverno
    ou na sala

  • um monte de notícias eu guardei pra ti

     

    uma ficção política que takes place no bar dellas,

    ali, encruzilhada de todas as horas

    todos os caminhos levam a

    e sempre tu encontra alguém conhecido

    eu tenho muitos conhecides nesta cidade

    alguns bailam comigo

    alguns convidam

    uns poucos não somem, ah

    o círculo de cinco tão restrito pandemia

    ninguém aguenta mais

    mas era assim

    que acontecia

     

    o encontro da noite a magia

    a gente falido falando besteira

    se apresentando em plena madrugada

    é menino ou menina a gente ouve

    na primeira saída

    a única

    em tempos

    na orla

    da ilha

    você não quis vir

    de novo

    à margem

    das águas

     

     

     

     

     

    eu acho que a gente compartilha

    uma ínfima notícia um zelo

    um carinho irrestrito assim guardado

    envolto em todas as defesas possíveis

    de viver o mundo

    eu vivo na minha cabeça e basta

    e acho que todo mundo vê

    o que eu vivo aqui dentro

    alegoria inviável essa

    aprender a

    externalizar

    aprender a

    viver o mundo

    sentir o rasgo o fogo o bocejo

    fogo fátuo toda hora

    o que não dura é

    alucinação

     

     

    um monte de notícias eu guardei pra ti

     

     

     

    não ter medo da memória

    assim é isso?

    não ter medo de

    existir em abrupto

    reencontrar assim

    aquilo que é áspero

    que prorroga

    indefinidamente

    o não-acontecimento

    aquilo que inventa

    o vivido e a festa

    a larga partida

    campo percorrido

    a pé

    tua mão

    os lábios

    os pés

    meu exílio

     

     

  • supremo

    está passando a idade. ele disse. vc ainda é jovem. ele disse. você tem traumas que não me concernem, ele disse, mas você tem que tentar. curar essa dormência que te enerva, que te torna objeto, bicho, criança que chora em público. ele falou que você dorme com estrelas, mas que também precisa de contagens. de estórias, sim, mas também de corações e feridas. sem feridas não se produz ideias, ou sem coceiras fica-se sempre no mesmo lugar.

    na verdade eram duas coisas: você e o mundo. o que você faz pro mundo é o que você é dele, é o que te torna ele, é o que dele você extrai. você se torna mundo quando se divide em dois e depois em muitos, une todos num abraço, depois desencanta e segue em frente. ir embora é como duas metades iguais: a presente que vai ser sempre presente, e a futuro que não existe no agora. ainda assim, agora e presente se fundem naquilo que ainda vai acontecer e é incerto. e de coisas incertas entende o mundo.

    e ele te abraça. com uma chicotada antes e outra depois, que é pra acordar.