re-floresta #1: apartamento

recuperar as folhinhas. sacrificar o pranto, veneno, que turvou tantas tardes esses tempos. o manjericão morreu aqui em casa. signo de abandono, de sol, de infestação de bichos. muitos incompreensíveis, mas dentre eles há abelhas, só hoje foram quatro a visitar a cozinha. e olha que recém-limpa. fascinaram-se pelo mel. há muito compreendi que mel é de fato um roubo de abelhas, o seu mel, o seu leite das crianças. mas ainda acho curioso que me apareçam tantas abelhas em um apartamento, de sopetão, na cozinha.

zumbiram no meu ouvido, eu lavava louça. a abelha me rodeou, observou em volta no seu desefreado voo, incompreensível. alegria da abelha quando puxei uma fatia de melancia da geladeira, parti, deixei na pia. um pedaço meu, um dela. mamou alegríssima. e logo voltou para o mel, acompanhada das amigas.

amanhã se fará uma meditação em prol dos bichos pequeninos que habitam uma horta próxima, urbana. alegria horta, tristeza horta, amores horta, comunidade. força da comunidade e dos bichos pequeninos. libélulas, joaninhas, grilos e muitos outros que sim, se afetam com o veneno espalhado pelo ar que busca combater os mosquitos. onde há diversidade há vida. se acontece uma disfunção ou doença – a doença do mosquito – é porque há desequilíbrio. sempre entendo que a natureza está querendo nos dizer alguma coisa, com essas disfunções.

disfunção aqui em casa. mas de novo também um olhar, e esse viés incompreensível, que direciono a lacraias, traças, cupins: pragas urbanas. deslocadas totalmente de sua função, infestantes, sem predadores. na abstração do apartamento. cidade como abstração completa, mas disfuncional, distante de fundamento.

a questão de estar em lugares não se resolve, acompanha: tudo um ponto no meio do fluxo. aqui encontrei casa, aqui construí lugar. aqui teço relações em volta, ainda que muitas das atividades, em concentro e imaginação, estão verdadeiramente dentro. dentro de um espaço qualquer e muito próprio que não é esse das ruas, sequer do apartamento. não tem a ver com esse ventilador que me torna possível – via corrente elétrica – uma tarde de sol encapsulada nesse empilhamento, na solar, desértica e vasta são paulo.

conhecer a vastidão do solo: ainda há muito a explorar. muito me diz que está nas margens uma resiliência que não se vê nos acentramentos, uma alegria de que pouco se fala. um lugar assimétrico, forte, longe dos postais.

a incompreender postais que se compõem de vale do anhangabaú, teatro municipal, ruas, viadutos, pontes. je m’en fous para as grandes construções. há muita vida em volta, mas ela não encontra alimento. se espalha em ruídos e fluidos que não escoam.

os postais da cidade de onde vim tampouco me comunicam. acabam por ser construções, que paisagens. formam paisagens anedotas completamentes construídas, idealizadas, extraordinariamente caras, com legendas múltiplas para quem vem de fora. de novo um lugar é muitos, uma cidade. rio pra mim cidade turva que só, de caos e afetos, mal resolvidos, presos em engarrafamento.

um acolhimento em torno de si, do benfazejo sustento, é necessário para validar uma inscrição – construção do teto que se faz em subjetivo e muito concreto. casa, abstração, escritura e fluxo de tempo.

faz tanto tempo que não vejo o sol, de dentro.