as drogas e os beats

texto produzido como parte do conteúdo integrante do site promocional do filme “na estrada”, dirigido por walter salles e lançado no brasil em 2012

O nome beat vem da expressão “man, I’m beat!”, frase usada por Kerouac para para dizer que estava detonado (provavelmente por ter bebido demais ou algo do gênero) em uma conversa com o escritor John Clellon Holmes. Mais tarde, Kerouac expandiria o significado do termo para associá-lo também a conceitos como beatificação e outras variações, como “upbeat” (animado, alegre, otimista) e “to be on the beat”, ou estar no ritmo. Beatnik surgiria mais tarde como um rótulo criado pela mídia, somando aos beats a associação com o nome Sputnik, o primeiro satélite artificial a ser posto em órbita da Terra, de origem russa.
E os beats de fato procuravam explorar outros mundos, partindo literalmente em fuga na contracorrente da cultura conservadora americana dominante. É importante reparar que as aventuras e excessos que fazem parte da trajetória alucinada de On the Road foram escritos entre fins dos anos 40 e o começo dos 50. Muito diferente do contexto que se estabeleceu a partir dos anos 60, para o qual os beats foram grandes inpiradores, naquela época aquelas atitudes eram extremamente subversivas, novas e desafiadoras. Eram gritos de liberdade rumo ao desconhecido.

Em 1944, na Universidade de Columbia, Lucien Carr, Ginsberg, Kerouac e Burroughs criaram uma espécie de grupo de estudos que denominavam Ciclo Libertino (Libertine Circle). A partir dele, elaboraram o que chamariam de Nova Visão (New Vision), baseados na vidência como desregramento dos sentidos, conceito retirado da obra do poeta Arthur Rimbaud e no misticismo visionário de William Blake, somado às ideias de W. B. Yeats. Na prática, se tratava de uma mistura de pesquisas e experiências literárias com o uso de drogas visando a alteração de estados de consciência. Carr acabou se afastando do grupo e de Columbia ainda naquele ano, por ter assassinado David Kammerer.

É fato conhecido que os beats usavam diversos tipos de drogas. Jack Kerouac bebia muito, vindo a morrer por conta da cirrose aos 47 anos, e Neal Cassady teria se destruído principalmente devido às anfetaminas. Ao seu redor, como parte das explorações da Nova Visão, havia uma variedade muito maior delas: morfina e heroína, estimulantes como benzedrina e anfetamina, alucinógenos como maconha e haxixe, psilobicina (de cogumelos) e mercalina (dos cactos) e tranquilizantes como o nembrutal. Entre cada uma delas há diferenças grandes. Experimentando LSD com Timothy Leary, Ginsberg viria mais tarde a politizar o uso de alucinógenos, defendendo até mesmo suas potências de paz para a humanidade. Por outro lado, concluiu que nada de bom poderia vir da cocaína.

O primeiro livro publicado de William Burroughs se chama Junkie, reconhecido por narrar essa então desconhecida parcela da sociedade americana, a partir de fatos que ele mesmo vivenciou. Burroughs experimentou de tudo, de veneno para insetos a outras substâncias mais estranhas, mas demonstrava desprezo pelos alucinógenos. Ele e sua mulher, Joan Vollmer, chegaram a viver com Herbert Huncke em uma fazenda de 40 hectares cuja principal plantação era de maconha – para venda, o que não deu muito certo. Em episódio relatado no livro Visions of Cody, de Kerouac, ela teve que ser hospitalizada por abuso de anfetaminas, pois entrara em um delírio sem fim: ele entra no apartamento de Hal Chase, amigo deles, e encontra Joan completamente nua e alucinada, acusando-o aos berros de querer estuprá-la, sem o reconhecer. Huncke está na cama entorpecido e inerte enquanto Ginsberg, também sob o efeito de anfetaminas, datilografa muito concentrado um poema sobre morte e violência.

Na segunda parte do poema Uivo (Howl), até hoje o poema mais conhecido de Ginsberg, grita “Moloch! Moloch!” diversas vezes, e conta que foi escrita a partir de uma alucinação que teve sob efeito de mescalina, em que de fato via o rosto do personagem bíblico Moloch em uma horrível aparição na fachada do hotel em que se encontrava. Acreditando sobretudo na transcendência dos estados da mente por meio dos alucinógenos, Ginsberg foi mais fundo em suas pesquisas, aproximando-se de outras formas de atingir estados alterados de consciência. Interessou-se por zen budismo, inicialmente através de Gary Snyder e fez uma longa viagem ao Oriente, da qual retornaria praticante de meditação. Ainda em Columbia, ele e seus amigos já haviam entrado em contato com doutrinas gnosticistas, graças ao professor Raymond Weaver. Desse modo, as experiências extremas vividas e narradas pelos beats se misturavam a universos líricos e pesquisas místicas. De fato, é inútil tentar dissociar inteiramente uma coisa da outra, assim como, em seus escritos, misturavam ficção e realidade, intensidades poéticas e práticas autodestrutivas.