• as palavras não dão conta de surrupiar os novelos
    ficam assim: pasmas

    e de tantos espasmos, começam a se mover de mansinho
    por entre encostas, espaços abertos esquecidos pelo tempo
    das multidões não mais seremos, até que

    não haverá verbo para cessar os fogos
    se não aquele gesto mínimo, da face
    dos mais próximos

  • eixo (rindo)

    esperar as horas do sossego
    lapidar o canto,
    não pensar no desatino

    não secar as lágrimas
    dançar rodopiar
    em zelo

    aquece
    sou eu mesmo que
    canto

    sou eu mesmo que
    me envolvo num abraço
    na cama

    o suscinto: delírio
    amargo ardor de antes
    já foi,

    esquece
    caminha
    vai embora

    (já fui)

    nessa composição celeste
    somos só nós mesmos a lançar
    num rasgo num só bocejo num vulto

    rápido morcego eu sim
    eu vim
    cá estamos

    rindo

  • azulejo, bichinho inerte

    contar uma anedota a cada noite, tal como fazem as redes que sugam nossos sentidos. uma ideia, um abracinho, murmúrio de ideia ainda se formando, e então busca, e então vício, acorda, abre, lê o que está ali no fluxo, e logo se anodina, cataploft, cadê, cabia, caberia. agora então só discursos inteligíveis, fáceis, diretos – jornalismo, política, informação. do real das vidas nos tornamos chatos, planos, vulneráveis, sem mito e sem história, qual tropeção sonâmbulo depois se formou.

    um abraço em esquecimento por isso tudo que não se torna, que não chega a vingar, inclusive o abraço, inclusive o encontro, tudo o que está prestes a, e se forma outra coisa, outra formação de corrente, outro desvio na curva, outro acontecimento. não chega a ser e não chega a vir, ainda que em outro dia tanto entusiasmo, tanta crença de um dia chegar, e um dia ir, e os planos juntos, tanta bossa. depois tudo isso vira crença, anedota, invenção, corpo em riste, processo, até mentira.

    abraços mentira e todo laço, toda bossa, todo solfejo e toda perdição, toda pedalada sem rumo, todo mistério que não quer sanar. e todos os exílios que se cria para si, e há um exílio em cada canto, cada mirada não fortuita, não acabada, cada mudança de cidade que pestaneja, que tem dúvida. que guarda em abraços uma vida inteira, que não sabe mudar, que troca de ramo e de ação assim em meses, porque deseja outra coisa, mas então ordenar, ordenar sem saber como, notícia, notícia, notícia.

    sim, se aquela merda toda mesmo vingar, aquela conspiração da via impressa e muito real num estado muito distante daqui, vai ser ruim sim, e não importa se para mim ou para você, vai impactar.

    se eu virar a notícia, se ela corpo em mim, se eu não souber anedota, escape, cachoeira, sonambulismo alegre e invenção: é morte, é viaduto, membrana morta, cidade suja, sem chão.

    o chão é a memória tua toda enviesada, espiralada, construção feita a cada milímetro, sentida sem nenhuma medida, só umas ladeirinhas a subir sem nem notar.

    é amor, é amor, é coisa informe, é abraço em si, percorrer um espaço, anotar.

    anotação não é fácil de fazer quando a gente tem dúvida, e a gente tem, eu sempre tenho, eu violão, que me olha e eu escrevo, escrevo enquanto meu discurso é um violão. meu interlocutor, maior que todas as frestas.

  • sumo (reunir: anzóis)

    a velocidade dos acontecimentos; puro rasgo solto feito no ar. nosso sol dia-a-dia faz bolhas, brilhabrilha, e eu pergunto aos sóis onde é que se voam.

    seja dita a memória desses transeuntes: desembestaram na estrada, ao léo, inversamente proporcionais às mágoas acumulariam sem mordedura, nem abraços pontuais, de segurar o chão.

    a lama não escorre, ela cria anzóis. anzóis sem aros, de composição duraleza, para sustentar esse esqueleto. quando ele subitamente se esquece de ser e da força propensora necessária para seguir existir.

    ao ar. nozes cascos se entrerrevezam entre ares, de novo, que era fogo ontem, vai virar tudo água amanhã. lembraduras, com lambidas ao pé do ouvido, afeto, ternura, somos nós.

    anzóis. remexeu a terra por dentro de toda aquela multidão, ficaram pingando ares por aí. colaboraram uns com os outros, a pouco perceber a teia que formavam, tão fortezinha, assaz vindoura e safada o suficiente para seguir, seguir d’algum modo, a subir e ir e vir.

    da correria já bastava aquela fumaça toda, que tantos e nós acabávamos por engolir, só de sair na rua, e respirar esses jornais que deveriam provocar risadas. mas acabam, quase acabam com nós. sem bordas nem cascas ficamos, fragilizados e despidos em corpos celestes ao deus dará.

    pois as cascas reúne, e não há de sucumbir às tristezas vindouras, nem às tristezas repentinas que assaltam e vêm arrasar. ata tua rede, anzol, amigo fortuito e tanto querido que todos nós sentimos muito.

    , juntos, abraçamos abraçamos.

  • ras go na parede / ras par o chão

    há o viver espalhado nos cantos.

    composto de ataduras e nozes, que se emaranham em galhos, pois dedos; abraços.

    compor o que se expôs de vez. não tem mais volta. artemanhas, manhaduras, sobremanhãs sem hora e sem sossego, semdormir: aqui chove, enfim.

    antebraços, solfejos, cachoeiradura, caminho de horta. cidade gigante, sem vez. ano de finais brutos, de sobredomínios, de sobrevivências. de ambivalências vorazes demais sem rir. sem tempo para demoras. sem ávida lucidez. unsamigos.

    sem brutaforça e brutaflor feliz. sem sonhos. sem costumária luz que sustenta, respiros. no lugar disso, um abajour quebrado. cobranças.

    a festa foi linda!, foi, aqui se paga. é o comum enviesado. aqui se inventa modos. aqui se fabrica lucidez comprada em uma gourmet shop empacotada em papel reciclado. aqui se cobra caro.

    as flores, atrasam. as brigas chegam. cabem inglórias, por entre as frestas das plantas já sofridas, quase mortas. haverão de sobreviver. talvez tenham que pegar a estrada dali. comer poeira um tanto.

    as cores resvalam. parecem empobrecer.

    o ponto brota em porosidade infértil. agruras. refaz uns caminhos e traz de volta as mais tretas lembranças. soslaio.

    carece de literatura. para tecer pontos sem ar; aqui chove, agora.

    .
    .

    o solo começa a gerar, úmido.

  • parede

    sem lugar para o gosto
    verbo, sem lugar para a dança
    (lugar)

    a-lugar eu faço, a esta hora
    não antes, depois não saberei
    o que seria dos rejuntes sem estes cantos

    (e tantos anos sem ao menos uma linha escrita, aberta)

    fechadas casas são as tuas, apesar de entrar
    conheço tantos meninos com medos
    de serem entrada, passeio, abertura

    não era a tua, mas hoje
    sempre reparo quando falas dos beijos dos outros
    os beijos dos outros não existem seus
    não lá

    (como se negasse uma possibilidade, exame)

    ação que em si mesma é só uma memória enviesada
    recente, confusa,
    clara em linhas retas de parede perfurada
    sem chão

  • ponte

    uma cidade que começa com uma ponte
    ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
    um monumento ao espaço.

    ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

    escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

    vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

    terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

    para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

    são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

    bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

    aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

    a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

    porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

    teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

  • rompe

    isso que você está sentindo não vai passar. tudo isso que são sintomas do ovo, do ovo que se quebra, da casca melequenta, e do tom esbranquiçado da coça. foi uma coça, cê viu. aquele jumento, monumento que passou e quebrou. a casca. o ovo. a tomba, a tumba do sistema fóssil, aquelas coisas que de vez em quando surtiam efeito, estavam embaixo dos teus pés. um monte de cano, asfalto, veias remelentas de esgoto, que na verdade é muito pior. estrutura de estado, pra quê? não tem. repete? não tem? repete? não tem. não terá. por um tempo.

    a casca. o ovo. quebra. tá ali. vamo se juntar. vão publicar no jornal. vão te monitorar na rede social. estaremos todos sozinhos juntos na rede social. não, pô. vamo se juntar real, pessoa-a-pessoa, lá no lugar onde até outro dia era do ministério. vamo tocar, vamo discutir, fazer barulho, organizar. vamo. vão publicar. vai demorar. a juíza dos horários, vai comer correndo porque tem trabalho. ainda tem trabalho. resolveu fabricar trabalho. inventou um jeito de devolver pra sociedade o que ela te dá. ela te dá? coça. a gente troca, mas não é só isso né? a gente existe e faz. a gente se enreda. e envereda no que dá gosto ou no que a gente consegue visualizar. no que dá pra fazer. e o que dá muda. a gente muda. a gente procura gente pra juntar pessoa-a-pessoa porque precisa, precisa junto, precisa fazer.

    a gente quer estrutura debaixo dos pés. alguma, ou então que não exista nenhuma. que não exista governo. que não se pague impostos para um brutamontes qualquer e sem disfarce pôr seus capatazes a nos decepar direitos e lugares (porque é tão evidente, de uns tempos pra cá tudo tão evidente para as lentes de quem vê — aquelas?).

    esquerdos, direitos. alhures. se juntar.

  • tudo aquilo que fomos,
    ainda somos,