• sumo (reunir: anzóis)

    a velocidade dos acontecimentos; puro rasgo solto feito no ar. nosso sol dia-a-dia faz bolhas, brilhabrilha, e eu pergunto aos sóis onde é que se voam.

    seja dita a memória desses transeuntes: desembestaram na estrada, ao léo, inversamente proporcionais às mágoas acumulariam sem mordedura, nem abraços pontuais, de segurar o chão.

    a lama não escorre, ela cria anzóis. anzóis sem aros, de composição duraleza, para sustentar esse esqueleto. quando ele subitamente se esquece de ser e da força propensora necessária para seguir existir.

    ao ar. nozes cascos se entrerrevezam entre ares, de novo, que era fogo ontem, vai virar tudo água amanhã. lembraduras, com lambidas ao pé do ouvido, afeto, ternura, somos nós.

    anzóis. remexeu a terra por dentro de toda aquela multidão, ficaram pingando ares por aí. colaboraram uns com os outros, a pouco perceber a teia que formavam, tão fortezinha, assaz vindoura e safada o suficiente para seguir, seguir d’algum modo, a subir e ir e vir.

    da correria já bastava aquela fumaça toda, que tantos e nós acabávamos por engolir, só de sair na rua, e respirar esses jornais que deveriam provocar risadas. mas acabam, quase acabam com nós. sem bordas nem cascas ficamos, fragilizados e despidos em corpos celestes ao deus dará.

    pois as cascas reúne, e não há de sucumbir às tristezas vindouras, nem às tristezas repentinas que assaltam e vêm arrasar. ata tua rede, anzol, amigo fortuito e tanto querido que todos nós sentimos muito.

    , juntos, abraçamos abraçamos.

  • escrever para ninguém

  • limiar

    engole velocidade
    luminosidade das bordas

    argumento
    a

    palavra não cede
    não é objeto

    abre

    cosmologia da boca:
    gosma falada

    às vezes, constelação
    que se compõe
    pelas calçadas
    no fim de tarde
    e de manhã

    quando cessam as vozes
    e as buzinas
    se transformam
    em árvores

  • a iluminar caminhos e abraçar as horas

    antessala, projeto lindo da aline besouro y nosotras a constelar

    v

  • sonhei que você escrevia um artigo sobre incomunicabilidade
    e compartilhava um vídeo do processo comigo

  • escrito para um corpo

    prólogo/

    gosto do não-livro.
    meu corpo é constituído em regimes de atenção.
    de um ponto a outro, não fixo. não lerdo.
    atento, está.
    está sem livro. é leve.
    voa.

    percorre o livro
    vento não é matéria

    *

    1/

    um corpo é feito de cotidiano e memória
    abstração, ato (calor, água)

    meu corpo é estômago e membros.
    centro e arestas
    tanto cabeça quanto pés.

    atento
    regimes de atenção compõem um corpo
    tanto quanto a água, o fluxo
    dos líquidos. correnteza.
    alerta

    acesso-chão
    curte,
    repercute

    *

    2/

    acocorado, as coxas apoiadas em arbustos

    ação: levantar, abrir os braços (sem rosto)

    recorrente (repetição):

    passo, asfalto, chão. passo, asfalto, chão. escada. passo, asfalto. bocejo. coço. cumprimento. passo, asfalto, chão, sala, televisores. máquinas. desligo o ar. abro as janelas. tento sorrir. sentada, bunda, costas. dormente. cabeça, olhos, computador. máquinas. dedilhado, dedos, pensa em música. iria amansar qualquer movimento.

    rumo: ritmo do corpo

    (centro, membros, arestas)

    *

    3/

    rumo: vocação

    (construção de um afeto-memória:
    memória do lugar,
    memória de onde se está)

    de um outro corpo:

    compõe uma lentidão. olha. essa paisagem informe, mata, gana. chão de terra batida, casa de pau-a-pique, onde estão máquinas? como compor uma memória? meus filhos. meus abrigos. as vacas mugem e me olham, eu as abraço.

    cura: gesto que acalenta (assim, com as mãos)

    abraço
    braços ao alto

    ação: pés correndo no chão (produzir vento, ritmo)

    descompasso: ao contrário do corpo em riste, aparece, apruma

    gesto: ritmo do corpo

    (centro, membros, arestas)

  • azulejo, bichinho inerte

    contar uma anedota a cada noite, tal como fazem as redes que sugam nossos sentidos. uma ideia, um abracinho, murmúrio de ideia ainda se formando, e então busca, e então vício, acorda, abre, lê o que está ali no fluxo, e logo se anodina, cataploft, cadê, cabia, caberia. agora então só discursos inteligíveis, fáceis, diretos – jornalismo, política, informação. do real das vidas nos tornamos chatos, planos, vulneráveis, sem mito e sem história, qual tropeção sonâmbulo depois se formou.

    um abraço em esquecimento por isso tudo que não se torna, que não chega a vingar, inclusive o abraço, inclusive o encontro, tudo o que está prestes a, e se forma outra coisa, outra formação de corrente, outro desvio na curva, outro acontecimento. não chega a ser e não chega a vir, ainda que em outro dia tanto entusiasmo, tanta crença de um dia chegar, e um dia ir, e os planos juntos, tanta bossa. depois tudo isso vira crença, anedota, invenção, corpo em riste, processo, até mentira.

    abraços mentira e todo laço, toda bossa, todo solfejo e toda perdição, toda pedalada sem rumo, todo mistério que não quer sanar. e todos os exílios que se cria para si, e há um exílio em cada canto, cada mirada não fortuita, não acabada, cada mudança de cidade que pestaneja, que tem dúvida. que guarda em abraços uma vida inteira, que não sabe mudar, que troca de ramo e de ação assim em meses, porque deseja outra coisa, mas então ordenar, ordenar sem saber como, notícia, notícia, notícia.

    sim, se aquela merda toda mesmo vingar, aquela conspiração da via impressa e muito real num estado muito distante daqui, vai ser ruim sim, e não importa se para mim ou para você, vai impactar.

    se eu virar a notícia, se ela corpo em mim, se eu não souber anedota, escape, cachoeira, sonambulismo alegre e invenção: é morte, é viaduto, membrana morta, cidade suja, sem chão.

    o chão é a memória tua toda enviesada, espiralada, construção feita a cada milímetro, sentida sem nenhuma medida, só umas ladeirinhas a subir sem nem notar.

    é amor, é amor, é coisa informe, é abraço em si, percorrer um espaço, anotar.

    anotação não é fácil de fazer quando a gente tem dúvida, e a gente tem, eu sempre tenho, eu violão, que me olha e eu escrevo, escrevo enquanto meu discurso é um violão. meu interlocutor, maior que todas as frestas.

  • ar

    o dia verso noite
    artimancada de invenções
    curvas, turvas
    as remoelas
    desacordar

    sair do espaço do sonho
    onde vivo uma vida inteira
    trazer o sonho pro caminho
    como se
    como se fosse
    [uma coisa simples, isso

    nunca haverá
    ou sempre há de haver
    uma possibilidade

    (e sempre me lembro
    quando disse:
    *possibilidades*
    e não veio)

    desaprender os castigos
    as artimanhas,
    as falcatruas
    e faltas, as
    dancinhas felizes e
    depois não ver
    a ver navios

    espaçamento gasto
    evocando uma memória inteira
    uma membrana tão antiga
    desgostosa
    pífia

    com manejos e rostos
    de histórias daquelas
    que não desejamos
    o mundo binário
    do desdesejo
    do não solfejo
    da soltura

    a recusa ao caminhar
    é uma fissura
    a desfazer
    redefinir

    —-

  • a (campo de ação)

    quando cessam os estudos festivos
    começa a memória
    e a invenção

    astuta perscruta pela ciência
    a anticiência
    os jardins e as matas densas

    antígona imaginária tênue
    em museus de dinossauros e fósseis
    plantas, arbóreos, gramíneas e monumentais

    sábias matizes que abrem um tanto mais
    em ações afirmativas
    outros chãos
    às memórias
    de que eles bebem
    e assumem

    eles, os europeus
    os homens fazedouros
    enquanto suas mulheres cosem
    e cuidam

    de quem será a voz
    na membrana –
    da família, da sociedade
    do prumo que argue e intervém
    no antro das comunidades

    circenses, elas vão
    abrir coragens em liturgias
    cânticos, audazes e ferozes

    ..