azulejo, bichinho inerte

contar uma anedota a cada noite, tal como fazem as redes que sugam nossos sentidos. uma ideia, um abracinho, murmúrio de ideia ainda se formando, e então busca, e então vício, acorda, abre, lê o que está ali no fluxo, e logo se anodina, cataploft, cadê, cabia, caberia. agora então só discursos inteligíveis, fáceis, diretos – jornalismo, política, informação. do real das vidas nos tornamos chatos, planos, vulneráveis, sem mito e sem história, qual tropeção sonâmbulo depois se formou.

um abraço em esquecimento por isso tudo que não se torna, que não chega a vingar, inclusive o abraço, inclusive o encontro, tudo o que está prestes a, e se forma outra coisa, outra formação de corrente, outro desvio na curva, outro acontecimento. não chega a ser e não chega a vir, ainda que em outro dia tanto entusiasmo, tanta crença de um dia chegar, e um dia ir, e os planos juntos, tanta bossa. depois tudo isso vira crença, anedota, invenção, corpo em riste, processo, até mentira.

abraços mentira e todo laço, toda bossa, todo solfejo e toda perdição, toda pedalada sem rumo, todo mistério que não quer sanar. e todos os exílios que se cria para si, e há um exílio em cada canto, cada mirada não fortuita, não acabada, cada mudança de cidade que pestaneja, que tem dúvida. que guarda em abraços uma vida inteira, que não sabe mudar, que troca de ramo e de ação assim em meses, porque deseja outra coisa, mas então ordenar, ordenar sem saber como, notícia, notícia, notícia.

sim, se aquela merda toda mesmo vingar, aquela conspiração da via impressa e muito real num estado muito distante daqui, vai ser ruim sim, e não importa se para mim ou para você, vai impactar.

se eu virar a notícia, se ela corpo em mim, se eu não souber anedota, escape, cachoeira, sonambulismo alegre e invenção: é morte, é viaduto, membrana morta, cidade suja, sem chão.

o chão é a memória tua toda enviesada, espiralada, construção feita a cada milímetro, sentida sem nenhuma medida, só umas ladeirinhas a subir sem nem notar.

é amor, é amor, é coisa informe, é abraço em si, percorrer um espaço, anotar.

anotação não é fácil de fazer quando a gente tem dúvida, e a gente tem, eu sempre tenho, eu violão, que me olha e eu escrevo, escrevo enquanto meu discurso é um violão. meu interlocutor, maior que todas as frestas.