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    reinventar do início, reescrever outros modos. isso e mais.

    investigadora crônica, compositora de enigmas, astronomias terráqueas, fogo que se faz. escrita de fortuitos acasos, devaneante-mor, viagens de força-propensão, verborragias sazonais, ama silêncio, ama vento e agrião, agridoces, sais, aprende com o mar e com as imensidões. vem dos rios e das montanhas pedregosas, úmidas e cheirosas, florestas de pinhais. desentende as cidades, mas coleciona mapas e anda elas inteiras a pé. dízimo de complexidades. a performance começa tímida, hesita, age de última hora, ri, refaz, tira a roupa ou entrecores-brilhos, e sai cantarolando onde for, alto e em voz. risadas. há de se fazer, há de se fazer. (…)

  • biblio

    eu sou uma biblioteca. ainda que dispersa, fogo inquieto, terra mutável, devaneio. meu tino é enviesar, duvidar de tudo, desmontar — depois voltar, olhando, reinventando a partir do que viu.

    esse corpo já foi a muitos lugares. muitos mesmo, menos do que gostaria, mas sim. em qualquer lugar em que pouso me ponho a andar. é maneira de descoberta. mapear os cantos, ouvir, ouvir, pedalar, cruzar fronteiras, fazer conexões. pessoas, trânsitos. para cada espécime uma língua, para cada caldo seu zelo. vir a encontro. misturam-se todos aqui. sem titubeios, hay de dançar.

    nas montanhas deste corpo habitaram filmes, invenções, conexões celestes, códigos abertos em respiração. hay de habitar o gesto, o movimento — dar-se a encontro, abrir — e também compor, saber ouvir a música. são nossas vozes, nossos dedos. num intervalo de respiração nos damos conta. está lá. no mundo, no ar. aqui. cria imagem com teus zelos. alucinação. eu rio, é assim, é assim que começa.

  • a festa
    é você quem faz

    é você quem cria

  • – a partir daqui nós vamos. a partir daqui não vamos titubear.

    – courage era sobre dúvida, sobre hesitar depois ir, sobre inventar caminhos, se meter no não visto das coisas, encontrar uma ferramenta mágica que te fortalece, pular, se jogar, ir. courage (azul): naipe de paus, fogo, coragem. vestir carapuça, semmedo. mais que isso: inventar o caminho, inventar essa courage que não torna rígido mas maleável, capaz de se misturar com o que há em volta. só assim. ética do trânsito, só que agora a tua memória

  • arguto

    estou com uma vontade enorme de plantar verduras, legumes. os nervos da minha carne já não se aguentam mais: o supermercado é para os fracos. não me alimenta, só faz empanturrar as populações de simulacros enlatados e enfileirados.

    virei bode. prevejo lunações fora de fase, patadas, amortizações sem preço e carinhos feitos ao ar e ao sol.

    passei a andar nua pela cidade, quer me deixassem, quer não. o segredo foi só usar uma camada de tecido sobre a pele, ou vegetação: enquanto me pensam vestida, está tudo tranquilo.

    o disfarce deve valer também para os assimétricos todos, todos os vizinhos. se pudermos andar todos nus, será que erradicaremos a fumaça dos carros? tanto tecido e músculos que compõem as minhas pernas. sei andar, ei! não preciso de rodas. muito menos combustões.

    sem dúvida, temos as ligaduras e obtusas, aquelas que se sufocamos se tornam mais. acirradas disputas internas pelo que quer que seja. furacões, rotineiras.

    não respiro e não largo mão. aqui na cidade vigora a lei do astuto – o que não quer dizer rapidez, mas estratégia.

    a vida só é possível à medida em que se revê lágrimas e se coloca pequenos solos de feijão e acordeões comendo soltos à torre e sonhos, só assim. ou o instrumento que preferir. os grãos, em bando, irão nutrir as espécies com um enfestado repertório de anedotas fortuitas sobre suas origens e trajetos, alegrando de gracejos todo o grupo que se reunir.

    alrededor. os tracejos do meu asfalto irão reverberar além e afora, onde se está. os lugares mundo todos feitos e completos de si, coletados ao passo e ao prumo, a subir montanhas.

    onde se está. culturas de bactérias benignas, compostagem, zelos, colaborações entremeios e entrevestes – com toda a sutura de solfejos e o que mais pestanejar. não encontro os amigos em abismos, mas no prumo do barco, a caminho do que invento. tempo lento, dizemos, a toda prova. ritmado.

    um lugar de sonhos, de vastos abraços e tempo ordenado, mas alheio a qualquer forma de voz que venha a sobrepor todo o peso carregado ao longo dos anos, nas costas: a voz haverá de emergir de nós mesmos, entrepostos entre asfaltos e devaneios com o mar – mítico mar, dos suores e dívidas, resoluções e labutas abaixo do sol, parecendo funcionar.

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    eu estou aqui fazendo essa tarefa difícil. ela, em sentido maior, nada tem a ver com você. mas, se alguma vez na vida você tem como ajudar uma pessoa, faça. sei lá, me parece uma práxis digna. se não tem um custo assim tão grande. algumas pessoas a praticam. eu procuro praticar. outros têm praticado, a contribuir para que os outros caminhem para a frente. se quais os motivos fazem um pé empacar, um pedaço de roupa ser fisgado por um arame farpado, ou o porquê de haverem arames farpados pelo caminho, maiores ou menores, isso interessa? podemos falar sobre isso, mas não parece que interessa. os motivos de cada pessoa podem ser lidos como participantes de um problema endêmico, histórico, circunstancial maior, e podem envolver isso de outros modos, ou não. de novo, se interessa, acho até que já verbalizei muito, soou em vão. é o em vão que incomoda. o intervalo entre uma fala e outra, uma certa negação esquisita, um pouco enviesada. em conjunto, se explica pouco pelos modos convencionais.

    os esforços não parecem findar. há uma estrutura que está a beira de, quase ao cabo de, mesmo que digam que poderia ter ido bem mais. que os motivos são vistos como firula, qualquer coisa por aí perdida num dia de trabalho. acontece. trajetórias distintas, caminhos, as pessoas têm planos, procuram, estudam, e o tempo corre corre. o aluguel vence todo mês. a gente vive numa sociedade em que pensar – e argumentar – é visto como algo a parte, algo que não cabe, ou cabe pouco, se deixa passar. o pé que não arreda do pensamento crítico e da pesquisa é mais conhecido das grandes vozes, dos ruídos de bar, dos acessos privilegiados, da reclamação cotidiana ou das vozes que se fazem grandes apagando outras, também. e dos homens. às mulheres cabe, sei lá, tentar.

  • azulejo, bichinho inerte

    contar uma anedota a cada noite, tal como fazem as redes que sugam nossos sentidos. uma ideia, um abracinho, murmúrio de ideia ainda se formando, e então busca, e então vício, acorda, abre, lê o que está ali no fluxo, e logo se anodina, cataploft, cadê, cabia, caberia. agora então só discursos inteligíveis, fáceis, diretos – jornalismo, política, informação. do real das vidas nos tornamos chatos, planos, vulneráveis, sem mito e sem história, qual tropeção sonâmbulo depois se formou.

    um abraço em esquecimento por isso tudo que não se torna, que não chega a vingar, inclusive o abraço, inclusive o encontro, tudo o que está prestes a, e se forma outra coisa, outra formação de corrente, outro desvio na curva, outro acontecimento. não chega a ser e não chega a vir, ainda que em outro dia tanto entusiasmo, tanta crença de um dia chegar, e um dia ir, e os planos juntos, tanta bossa. depois tudo isso vira crença, anedota, invenção, corpo em riste, processo, até mentira.

    abraços mentira e todo laço, toda bossa, todo solfejo e toda perdição, toda pedalada sem rumo, todo mistério que não quer sanar. e todos os exílios que se cria para si, e há um exílio em cada canto, cada mirada não fortuita, não acabada, cada mudança de cidade que pestaneja, que tem dúvida. que guarda em abraços uma vida inteira, que não sabe mudar, que troca de ramo e de ação assim em meses, porque deseja outra coisa, mas então ordenar, ordenar sem saber como, notícia, notícia, notícia.

    sim, se aquela merda toda mesmo vingar, aquela conspiração da via impressa e muito real num estado muito distante daqui, vai ser ruim sim, e não importa se para mim ou para você, vai impactar.

    se eu virar a notícia, se ela corpo em mim, se eu não souber anedota, escape, cachoeira, sonambulismo alegre e invenção: é morte, é viaduto, membrana morta, cidade suja, sem chão.

    o chão é a memória tua toda enviesada, espiralada, construção feita a cada milímetro, sentida sem nenhuma medida, só umas ladeirinhas a subir sem nem notar.

    é amor, é amor, é coisa informe, é abraço em si, percorrer um espaço, anotar.

    anotação não é fácil de fazer quando a gente tem dúvida, e a gente tem, eu sempre tenho, eu violão, que me olha e eu escrevo, escrevo enquanto meu discurso é um violão. meu interlocutor, maior que todas as frestas.

  • Δ

     

     

     

    this version is solid
    steel and blood
    dia noturno
    sonho difuso
    plasmo: um andar

    covinho
    conspícuo
    bravo

    indeciso indiz:
    habitável
    abstrataberta crê:
    quem sabe

    uma só uma vez
    quem sabe mais

    três vezes
    vingou

    não se pode expurgar a linguagem
    fazer de sonsa e insana
    deixar habitar o mais verme sagaz
    dentro da membrana

    e há história
    e há dito
    e sentido
    vontade e abraço

    contrassenso, audaz
    volucidez
    conterrânea

    de aqui mais um e só sabe um três
    amigos

    de final feliz e vivemos finais todos os dias voilá

    a juventude senil que não tem mais memória (acabou)
    o celular

    o acaso vindouro e as ideias tão velhas
    da casa na montanha
    do bravo asfalto se fez
    e se criou
    e perdurou
    e abandonou

    o casco acaso brindou
    tão lindo
    tão rasgo

    vem cá me diz
    um selo

    quem vê

     

     

  • à bicha amada
    os louros as vozes cotovelos
    asneiras cabíveis lastros forças motrizes
    lentidão

    à bicha amada
    um corpo dourado à espreita
    (não era isso)
    um rosto abrigo beijinho

    chamego
    é o nome que se dá para cuddling
    na língua dos nossos parentes de terra
    de chão inventivo que só faz
    às gazes algozes cantinhos feridas
    assim

    de bairros distantes estrada aqui
    bem perto aqui
    ontem quem diz mês passado
    agora, ver

    um rodopio sagaz
    uma manobra contundente
    uma reviravolta
    um sopro esguio ventania brisa

    teu nome
    chiados encontros gêneros quem?
    pilhas de soterradas criaturas
    que procuram
    uma por vez

    livros infantis fivelas firulas
    abraços
    sobretudo abraços
    de invernos inventados halloween
    à distância

    música
    é um assobio estrondoso

    calma

    te beijo