• realeza : desassossego

    cada pessoa que tem compõe um mundo. ou pode vir a ser.

    tem imagem que falta, e tem gentes na esquina que nunca fazem, mas sempre comemoram. todos os dias. tem vulto que nunca iria nada, porque não quer.

    fossem todos os sonhos cristalinos, assim como as vontades que tentaria, sim, tantas vezes. as penas do travesseiro espalham todas, era pra ser diferente, estatuto em colisão.

    sim, colisão.

    e te deram tanto poder, tanta força, assim: armas.

    espada-foguete-vruuuuuuuuuuuuuum. não é anedota.

    )))))
    ))

    /

    assim: datas.

    (depois furacões)

    se não virar monstro em três tempos, esfaleço.

  • rumo

    1_semmedo

    compreender o sossego por entre as curvas. sim, é essa a tarefa suprema a realizar.

    como proceder? digo, conheço uma penca de procedimentos, talvez não aplicáveis a todas as instâncias. primeiro tem de compreender a fissura, olhar entre as bordas dos cadarços e cada modo de lidar com os ambientes. não se faz a novela como coisa pronta, tem de aprender a ver.

    pois que lide com o processo, seus não-lugares e trejeitos incômodos.

    talvez, o único jeito voraz de superar os acasos, aqueles que se convertem em desgostos, sem rapidez (como hão de admitir os jovens, vez ou outra).

    é preciso um plano. talvez?

    pontapé para o infinito, atadura. semmãos, semmedo, mmordedura. coragem, aquilo de que tanto falam os clássicos romanescos sem era, que se sobrepõem a uma realidade turva, demasiado complexa para nossos contos de fada caninos. anacronismos de infância, maus adestramentos. depois de um tempo, os embalsama todos e transforma em leituras de maniqueísmos diversos, notícias sem profusão nem densidade, as quais só se lê às partes. reitera discursos ou cria coisa alguma, mas segue algum rumo estrito que supostamente se concretiza. ou não, engole a rebelião e bate ponto no escritório, todos os dias, eis o método que seu pai lhe ensinou.

    o herói não compreende seus trejeitos, seu namorado no masculino como não poderia imaginar. e depois a família toda vê a foto, porque não a imaginava tão visível, todas as membranas da vida se sobrepondo, como cadáveres. é tudo tão transparente que dói, no semmesmo da estória. compõe de palavras e imagens uma contação sem fim de protestos, amores e títulos de algozes. todos estudantes e ansiosos por se formar.

  • de tanto rugir, alcanço uma beleza que gosto
    de tanto medir, me rasgo
    de tanto começar, reinvento, resgato um alento

    de tanto fugir, chego a um consenso
    frente a frente com o rasgo
    compreendo a dor
    tudo o que confere caminho
    é válido

  • sublevação

    o gosto das coisas. o pensamento.

    gosto de correria sem forma. gosto de lamento.

    e refuta. e refuta. e refuta.

    argumenta cinquenta vezes.

    cadê meu gosto pra escrever.

    gosto de cascalho. gosto – melhor que carro.

    qualquer coisa melhor que carro.

    qualquer coisa melhor que arguta. memória

    .
    .

    funcionário de empresa não sabe o que fazer com as férias.

    tiraram-lhe a vida – só lhe restam as férias. marcadas uma vez ao ano.

    agendadas com todo esmero, cinquenta mil meses de antecedência.

    a empresa detém todo seu escárnio. a empresa é dona de suas botas.

    pagou por elas.

    o instituto dormente lhe diz para esperar, esperar que as coisas vão mudar

    que vai chegar a aposentadoria e tudo será diferente.

    engrenagem. pra quê.

    funcionária vendo coisas para comprar na internet. qualquer coisa.

    afinal, o dinheiro tem de servir de algo.

    próximo passo, arranjar uma casa. tomar banho de praia.

    .
    .

    a lama nos meus calçados não vem da empresa. vem do solo.

    o sol lá fora não ecoa na empresa, pois janelas fechadas, argamassa

    ar condicionado, luzes brancas: muitas luzes

    pintura nova, limpeza constante

    funcionárias uniformizadas da limpeza sempre ao redor dos banheiros

    (que vida)

    pergunto a mim mesma o que faz um sujeito viver nesta condição

    é claro que temos os dados sociais, estatísticos

    sim, conhecemos umas vidas, umas histórias, mas

    o uniforme da empresa

    e a rotina e o ritmo de trabalho

    e a total rendição do sujeito em troca de – um troco –

    suas horas válidas

    não vale um pelejo

    .
    .

    sublevação

    supremo

    instinto

    de alguma coisa

    (existir)

    alguma coisa

    que seja

    vivo

    respire

    de portas abertas

    e saiba o valor do solo

    e das botas

  • ponte

    uma cidade que começa com uma ponte
    ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
    um monumento ao espaço.

    ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

    escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

    vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

    terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

    para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

    são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

    bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

    aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

    a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

    porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

    teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.

  • &

    do silêncio que sumi
    sumi e parti

    e desabei e chorei
    cacos e caos

    terrível lembrança

    do que fomos
    do que vivi

    e se há tanto
    se recomeço

    é dois mil e vinte e três
    noventa e sete rasgos contados

    estradas que desejo
    e são meu corpo

    imenso
    povoado

    se perde
    quando retesado

     

    parado
    não fico não

  • descaminho

    algumas coisas convergem para não colidir. an island shakes. universo florido num pedestal. glórias. desalentos. celebração numa floresta de cabos, demônios, inversões, acasos. invernos somos uns para os outros e tudo o que exalamos são vozes. imersões não consigo, tão fundo.

    eu deixo linkar e aqui não é lugar de esconder, mas expor, fazer. pressão demais. abre, mas abre pouco, que é pra continuar tendo aquele lugarzinho lindo que não sabe nomear, inventa, investe, coerção. de novo, o mergulho. ele se revolve. o som é uma mistura de muito do que eu faria e não faço, agora mesmo. simbólico caminho que trilha, esboça, atinge um caleidoscópio.

    não age e não procura. velozes vozes atravessam, não sei lugar. iria, mas iria mais bruto, embora desalinhe os abraços e admire mesmo a coisa como está. não é eco, se compõe um vocabulário de danças.

    tinha um mapa de lisboa na sala. intuito, acaso, descaminho. pegaria o avião. será fastio, desafio, vespa? impreciso de bocejos, gorjeio, minhas memórias. conheci o tejo, pelo mapa. dava margem e corpo a algo que nem imaginei, só esbocei em sonho. devaneio.

    existiam vozes que tocavam bateria, nozes diminutas que não permitiam porque ou assunto, mas faziam festa a cada vez que fosse notável, encontro. transformaria em obra, o encontro. mas nunca os tijolos iriam comparecer. faltava tijolo, diziam. só em outro país.

    o tejo, descaminho. as danças. eu vi você olhar e vi você buscar um lugar. eu estive aqui. migrei, mas sempre arbusto. perecível, passível de voltas.

  • sumo (reunir: anzóis)

    a velocidade dos acontecimentos; puro rasgo solto feito no ar. nosso sol dia-a-dia faz bolhas, brilhabrilha, e eu pergunto aos sóis onde é que se voam.

    seja dita a memória desses transeuntes: desembestaram na estrada, ao léo, inversamente proporcionais às mágoas acumulariam sem mordedura, nem abraços pontuais, de segurar o chão.

    a lama não escorre, ela cria anzóis. anzóis sem aros, de composição duraleza, para sustentar esse esqueleto. quando ele subitamente se esquece de ser e da força propensora necessária para seguir existir.

    ao ar. nozes cascos se entrerrevezam entre ares, de novo, que era fogo ontem, vai virar tudo água amanhã. lembraduras, com lambidas ao pé do ouvido, afeto, ternura, somos nós.

    anzóis. remexeu a terra por dentro de toda aquela multidão, ficaram pingando ares por aí. colaboraram uns com os outros, a pouco perceber a teia que formavam, tão fortezinha, assaz vindoura e safada o suficiente para seguir, seguir d’algum modo, a subir e ir e vir.

    da correria já bastava aquela fumaça toda, que tantos e nós acabávamos por engolir, só de sair na rua, e respirar esses jornais que deveriam provocar risadas. mas acabam, quase acabam com nós. sem bordas nem cascas ficamos, fragilizados e despidos em corpos celestes ao deus dará.

    pois as cascas reúne, e não há de sucumbir às tristezas vindouras, nem às tristezas repentinas que assaltam e vêm arrasar. ata tua rede, anzol, amigo fortuito e tanto querido que todos nós sentimos muito.

    , juntos, abraçamos abraçamos.

  • spam

    eles têm os olhos vermelhos cheios de pontos de interrogações; dormem à noite e de dia também, no sofá; são inabitados por tempo indeterminado; alimentam frustrações buscando através da superação destas tornar seus dias mais felizes; comunicam-se esporadicamente com entes externos, em meios sociais diversos povoados por demais formas de sub-existência; não brigam; guardam beijos para o além; olham estrelas e o eclipse lunar; bebem quando lhe oferecem e o que lhes for oferecido; freqüentemente são encontrados tentando ler algum livro obscuro que mora na sua cabeceira ou estante: às vezes o vencem, às vezes não; navegam por estações indeterminadas; sonham em voar; sonham com frases desconexas; sonham em mergulhar em estrelas; sorriem com os olhos; brincam de fotografia; brilham no escuro; querem dominar o mundo – tendo a liberdade de poder desaparecer de vez em quando.