• i

    atores mesmos são eles gestos. vozes que não se misturam, vazios intelectos, atos que vão seguindo pontos, dançando pontos, se perdem.

    escandalosa miragem permanece forte na rua. quer invadir atos, vontades, mas só atinge a coisa mesma, sem nexo. é raso. ricocheteia nos prédios, nas pessoas, não vaza em ninguém.

    conversa de bar que escorre e praticamente não existe. só imagens, sorrisos, rumos difusos e repetições. às vezes música, som alto vindo das vozes, subterrâneo de atividades sonoras, efeitos químicos. nada mais que urgência, não é importante.

    converso no lugar, me junto, perco o dito das coisas e enfim faz sentido! entre perambular pelos escambos, pelas brechas, acessos à cultura e à imagem por um pouquinho de escape. mundos pequenos que apresentam eixos universos.

    do verbo que ainda não existe, acontece.

    situação simples que inverte, alimento, torna energia o fluxo. rodopia, cumpre, faz girar.

    quase sem nada, meio sem nada, por isso lá.

  • &

    do silêncio que sumi
    sumi e parti

    e desabei e chorei
    cacos e caos

    terrível lembrança

    do que fomos
    do que vivi

    e se há tanto
    se recomeço

    é dois mil e vinte e três
    noventa e sete rasgos contados

    estradas que desejo
    e são meu corpo

    imenso
    povoado

    se perde
    quando retesado

     

    parado
    não fico não

  • ar

    o dia verso noite
    artimancada de invenções
    curvas, turvas
    as remoelas
    desacordar

    sair do espaço do sonho
    onde vivo uma vida inteira
    trazer o sonho pro caminho
    como se
    como se fosse
    [uma coisa simples, isso

    nunca haverá
    ou sempre há de haver
    uma possibilidade

    (e sempre me lembro
    quando disse:
    *possibilidades*
    e não veio)

    desaprender os castigos
    as artimanhas,
    as falcatruas
    e faltas, as
    dancinhas felizes e
    depois não ver
    a ver navios

    espaçamento gasto
    evocando uma memória inteira
    uma membrana tão antiga
    desgostosa
    pífia

    com manejos e rostos
    de histórias daquelas
    que não desejamos
    o mundo binário
    do desdesejo
    do não solfejo
    da soltura

    a recusa ao caminhar
    é uma fissura
    a desfazer
    redefinir

    —-

  • as palavras não dão conta de surrupiar os novelos
    ficam assim: pasmas

    e de tantos espasmos, começam a se mover de mansinho
    por entre encostas, espaços abertos esquecidos pelo tempo
    das multidões não mais seremos, até que

    não haverá verbo para cessar os fogos
    se não aquele gesto mínimo, da face
    dos mais próximos

  • arguto

    estou com uma vontade enorme de plantar verduras, legumes. os nervos da minha carne já não se aguentam mais: o supermercado é para os fracos. não me alimenta, só faz empanturrar as populações de simulacros enlatados e enfileirados.

    virei bode. prevejo lunações fora de fase, patadas, amortizações sem preço e carinhos feitos ao ar e ao sol.

    passei a andar nua pela cidade, quer me deixassem, quer não. o segredo foi só usar uma camada de tecido sobre a pele, ou vegetação: enquanto me pensam vestida, está tudo tranquilo.

    o disfarce deve valer também para os assimétricos todos, todos os vizinhos. se pudermos andar todos nus, será que erradicaremos a fumaça dos carros? tanto tecido e músculos que compõem as minhas pernas. sei andar, ei! não preciso de rodas. muito menos combustões.

    sem dúvida, temos as ligaduras e obtusas, aquelas que se sufocamos se tornam mais. acirradas disputas internas pelo que quer que seja. furacões, rotineiras.

    não respiro e não largo mão. aqui na cidade vigora a lei do astuto – o que não quer dizer rapidez, mas estratégia.

    a vida só é possível à medida em que se revê lágrimas e se coloca pequenos solos de feijão e acordeões comendo soltos à torre e sonhos, só assim. ou o instrumento que preferir. os grãos, em bando, irão nutrir as espécies com um enfestado repertório de anedotas fortuitas sobre suas origens e trajetos, alegrando de gracejos todo o grupo que se reunir.

    alrededor. os tracejos do meu asfalto irão reverberar além e afora, onde se está. os lugares mundo todos feitos e completos de si, coletados ao passo e ao prumo, a subir montanhas.

    onde se está. culturas de bactérias benignas, compostagem, zelos, colaborações entremeios e entrevestes – com toda a sutura de solfejos e o que mais pestanejar. não encontro os amigos em abismos, mas no prumo do barco, a caminho do que invento. tempo lento, dizemos, a toda prova. ritmado.

    um lugar de sonhos, de vastos abraços e tempo ordenado, mas alheio a qualquer forma de voz que venha a sobrepor todo o peso carregado ao longo dos anos, nas costas: a voz haverá de emergir de nós mesmos, entrepostos entre asfaltos e devaneios com o mar – mítico mar, dos suores e dívidas, resoluções e labutas abaixo do sol, parecendo funcionar.

  • andarilhe

    de toda intenção de florescer, agora revolto em sustento. de novo isso, mas isso sim, isso de novo, isso teremos de sustentar. sustentar o sustento. coordenar a procriação da dança, o benfazejo com esmero, toda esperança: laboriar, laboriar, laboriar.

    DSC_0912

    re-criar os modos como se laboreia. refazejo de forma, de estrutura. confecção de linha, porventura.

    das variáveis, constantes:

    esse fluxo de vozes imbocáveis que atravessa o corpo, todo o tempo. uma onda de caos, uma onda de amor. me atravessa, está aqui. agora grito, estribilho, tudo fica dentro. guardadinho. enviesar todos os preteridos para depois, todos os assuntos. não existe depois, existe uma linha que se domina, que se tece, é tecida pelo tempo. costura mesmo, invedação. corrobora com os caminhos se de caminhos é feita ela mesma. e então sair

    dominar o alimento. máquinas, admitirei cedo ou tarde, as esnobo. possuir o mínimo, agir como se está, simplificar os modos de andança. porém, eis que algumas, eis que usufruto, estou em. máquinas, operar com minimalescos botões de mimo, miniatura, antevendo já todos os traquejos que acontecem quando não se prevê máquinas, sim máquinas, botões, procedimentos, tudo o que já está dado como propriedade. o erro, o erro ocorre quando não prevê mas também quando excede, assunto de acomeço e invento, reverbera.

    re-estudar e estruturar os usos de uma série de ferramentas que coordeno. sim domino, algumas, algumas partes, mas então as re-descubro, observo, deixo reverberar. tem um montão de ideias e construções que não fariam parte se, se não houvessem madrugadas. e esses horários – não há mais horários escriturários com que cumprir.

    um mês depois, um estribilho. selo, carimbo, estampilho. criança acordada, criança turva, os olhos de novo, de novo, aqui.

    de andar pela cidade sem chão envolta em tinta de árvore urucum que seca ao redor do tempo. as ruas vazias, tantas ruas vazias na cidade gigante e a essa época sempre aparece um ou outro ciclista repentino cantarolando um funk, fantasiado de rosa, um pedestre contínuo.

    uma senhora bordada toda florida observa periquitos entoarem na copa de uma árvore. no meio do caminho, a saúdo, sorrio – a dar com os cães na rua como sempre me ocorre, ladrilhos, arredios, que me latem – ela diz: olha para o céu; as pessoas olham muito para o chão.

    e ficam duras, arredias. emburradas a empurrar suas crianças para dentro de caixinhas mínimas, elas não merecem isso.

    elas obedecem sim florear obedecem com esmero obedecem e des-existem aos poucos obedecem aprendem floreiam floreiam floreiam esperneiam e pois assim, subir em árvores, cair no chão. de maduro! assim como colhia mangas há dois tempos, o ano do verão, do relembro como é andar sem chão e sorrir

    andarilho, de novo essa peça, essa peça de cabeça que encaixa e ei! sei assim andar!

  • postulados de trânsito: afonso pena, no meio do trajeto

    chego sobre rodas, ponho os pés na praça

    pontos a favor em uma cidade última. parar de repetir monumentos.

    o que fazer com as histórias das gentes todas que habitam, como seguem seu ritmo diário, interrompido por fachadas de obras, tristezas, demolições, ruas sem sentido, gente sem ruas, gente sem mala para carregar por aí.

    aceitar mudanças. o que é possível de fazer para que justiças se efetivem nós faremos, mas é fato que há tanto e tão que é feito sem consentimento (das gentes que habitam) e que, ainda de tudo, desejam que fiquem contentes.

    criam mídia brinquedinho, todo tipo de propaganda, que olhos um pouco mais sérios (e nem precisa ser muito) já tiram de campo. só que o campo insiste, é poderoso e tem lugar. convive-se. como é que convive.

    adaptação e derivas noturnas pelo bairro trocado, que por vezes encontram medo, noutras simplesmente nada, ventinho. muito grato fica meu verão com seu ventinho, tijuca.

    um método de conhecimento: primeiro, tem que andar de ônibus. a pé, de ônibus, de trem, de metrô, de carro, de moto, de bicicleta. desses, os principais são os pés, para mapear os arredores mais próximos, conhecer a padaria, a loja de material de construção. o segundo muito útil é bicicleta, para poder ir a porções mais largas do lugar e por exemplo descobrir uma pracinha charmosa, um supermercado maior, até o lugar onde tem mato e escola de artes. conversar com as pessoas – eu não sou daqui – e se apresenta.

    andar de ônibus é importante (se contraposto a meios como carro ou metrô, fique claro, porque de fato os monstrengos engolem a cidade! eles são a cidade, aí é que está) porque deles se vê o trajeto, o meio do caminho entre um lugar e outro. entende por que é que é longe, por onde tem que passar, as ruas sujas ou pretas, o sambódromo. é louco que haja uma cidade com tantos viadutos e contusões, mas há! e muitas, com muito mais. esgoto e terras sujas temos de monte. como é que pode entender o asfalto que se instala nas terras férteis e perfumadas da serra, eu não sei. lá só é bonito porque a estrada é de terra, passa pouco carro, as árvores ainda estão em pé. os vizinhos se visitam e dão carona tranquilamente. e mesmo assim a cidade cresce, quer crescer, copiar nossos industrialismos importados, não vejo motivo.

    o que é curioso do ônibus é que ali se encontram dois ambientes contrapostos – interior e exterior – e um vê ao outro. um ambiente (dentro) é quase tão público quanto o de fora. tudo bem, mas assim é o metrô, que com sua alta voltagem passa batido das leis de trânsito. é um corredor. só que no metrô não há um fora. é primo distante do avião. a sensação de trânsito – de percurso, vivência do caminho, distância – quase se anula nesse dentro/fora que não transparece.

    a bicicleta é o meio máximo de euforia que um cidadão pode chegar, sem gastar um tostão. viajante que se arrisca a meio-mistério, tem turbinas próprias: um mecanismo simples e seu próprio corpo. atravessa montanhas se for persistente. a vida urbana tem seus afagos, e um dos mais subestimados é o potencial do ciclista. carros são da ordem do não fazer esforço, de monstros-máquinas, de posse. até mesmo de segurança, porque isola. há carros que não fazem nenhum sentido de serem tão grandes, soltar tanta fumaça. sem vento no rosto, sem mexer as pernas. não raro ignoram o ciclista como se ele não pudesse estar ali. quanto a isso, suponho que deveríamos difundir melhor algumas ideias básicas de convivência: na rua cabe eu e cabe você. a 1,5m de distância, para não haja feridos.

    //

    dois meses sem bicicleta, com medo do asfalto e do túnel que tem goteiras. irritação contínua com homens que, por puro hábito, só pensam em perpetuar a espécie. você desce da bicicleta e pede informação, te olham de cima a baixo. princesa. deseducação obtusa, delegação. insulto. queria ter um caralho bem grande para bater na cabeça desses homens todos. mas sim, sei, o processo é outro.

    daí que peguei a bicicleta e fui conhecer a praça afonso pena, de perto. antes, só via no trajeto da janela do ônibus. me parecia simpática. decisão, uma regra: pegar a bicicleta, ir até em casa. parar no caminho, pisar na praça. tentativa de entender o percurso, aprender o nome das ruas, somar com mais um rosto entre os passantes.

    escolho uma loja (a cidade nada mais é que um conglomerado de lojas, e ônibus). pizzaria, tem cara de popular, vende fatia. ponto. muito mais barata que qualquer uma das que tem perto de casa. no interior, só vejo velhinhos (uns 3 ou 4) que me estranham a presença, mais uma família com crianças e os funcionários do local (todos homens). assistem televisão. a pizza é boa, marguerita, servida na mesa, com catchup. compro água no bar do lado cujo balconista me diz: todos os caminhos aqui te levam à rua que você procura. que loucura de fácil, não pode ser.

  • concluí que não sonhei com você, eu sonhei com a saudade.

    eu me despedia de uma casa vazia
    à beira do mar

  • o que é que quebra e sai
    correndo
    queria viver por dentro das coisas
    sem ter que almejar
    torrentes nada
    justiça pelego
    divulgação supremacia
    emprego, asfalto
    divulgação
    essa coisa vã que consome
    todos os poemas
    todos os dias da vida

    já quis morrer
    inúmeras vezes
    porque todos os dias
    têm de ser pagos
    e o dinheiro torna a minha cara muda
    a necessidade
    embebe em substituições
    aquilo de que seriam feitos os dias
    instituições, vontades
    não andam juntas
    pois brigam dia-a-dia
    o estudo o apreço
    a escrita envelheço
    sem publicar livro
    não
    publico
    divulgo
    e emudeço
    de novo