• dirigir

    eu respiro embaixo d’água
    faço casulo comigo
    desconheço onde habito
    me faço em rasgo

    rompante de primavera
    a refazer articulações
    quadradas, desmemoradas
    creque, creque, fazem as pernas
    o torso, o pescoço
    tem caroços

    tremoço, tremeliques
    da sampaula envergada
    as memórias tantas
    passearam por aqui
    nos sonhos vagos
    da membrana

    cápsula que não se conecta
    flutua, enxerta
    uma cidade um quarto um telhado
    um cantinho no mato, bem afundado
    escárnio do dono
    negacionismo no quintal

    as conexões enteladas
    os olhos secos de luminosidades
    eu sei que vocês sentem
    também isso
    reinventar
    a vida o cotidiano os laços

    mas a estrada
    a estrada a estrada
    compõe minha espinha dorsal
    não o carregar tralhas infindável
    da minha avó
    a incompletude herdada como meta final

    é um movimento em espiral
    que torce a membrana
    faz das costas um eixo
    abre espaço
    respira

    a voz entalada
    atochada e engolida depois de
    se atrelar a uma circunstância
    um velho sagaz um jovem professor
    machocentrismo
    não tem vez

    o macho que se hospedou
    e trouxe uma pamelaânderson
    a fazer sexo de porta aberta
    o outro macho na sala
    a casa toda povoada de machos
    saí

    entreguei a casa
    devolvi o dinheiro pro pai, um macho
    que te ama, mas autonomia, meu bem
    movimento, destino, caminho, método
    quem pode escolher

    as rodas na estrada
    não verás por aqui
    não poderás pilotar
    dizer tua vez

    quem governa é o rei
    tarô me deu o imperador
    patriarcado não tem vez
    na minha voz entalada
    patriarcado inventa
    uma voz sem nome
    e corre feliz
    empossado
    inglório

  • horizonte

    ativar o corpo para remexer o que tanto paralisa. reorganização de práticas, adquirir novas trilhas e novos sustentos, é o que chamo de enviesar. olhar doutros modos, refazer maneiras, procurar.

    o que pulveriza por aí que vem em textos acordes almeja uma montanha, um monte, um percurso. é por ora um sopro, às vezes no vendaval. ainda acredito na potência da fala mas sobretudo da fala enquanto solfejo, em que nem toda a forma é apreendida e assim ela de certa forma se defende, não se diz de quê, da apreensão coletiva automática per se. da imediata conclusão. da voz que detona mas não se dá à escuta. e, também, a tudo que se refere a um modo de ler que a tudo já dá por compreendido, como se todas as referências fossem elas mesmas já conhecidas, e não se pudesse crer ou criar.

    outra coisa. obviamente que isso não é tudo. há uma beleza, por vezes, e uma beleza lancinante, algo agudo e inexprimível talvez, naquilo que criptografa. no canto do quadro que não podemos ver, na obra que não sabemos acessar, naquela pessoa que tanto nos instiga e fala de mundos desconhecidos ou que se sabem inventos, sustentáveis quiçá, outro chão.

    é fato que o mundo saturado de fala e de imagem, muito mais do que é possível uma pessoa absorver e decodificar – e é saliente observar, que por pura repetição e senso de participação são tantas as gentes que sim se habituam a tamanha quantidade, e tamanha qualidade nula que acaba por ecoar destes eixos – esse mundo me cala. provoca uma qualidade paralisante e uma espécie de asfixia não passageira, que em busca de sentido e conexão, começa a destinar-se ao ar ele mesmo, esse que não é nada puro mas espalha asfalto e carbono, combustão.

    e então só falo de combustão. observo a matéria de que são feitas as coisas, e isso inclui o meu corpo. começo a pensar sobre práticas cotidianas e as pratico a custo para que sejam reais, para que aconteçam, que não residam somente no discurso.

    por vezes acusam isto de gesto extremo, que à cidade tudo se converte, tudo se relativiza. diante do capital tudo se torna flexível, e a ele adentra. a loja mais barata é grande, pertence a um grande bilionário ou até a donos de um conglomerado, desses que são donos de quase tudo, muitas marcas. até da água. mas sim, a água é o primeiro elemento básico a servir à vida, e a vida serve ao dinheiro. para garantir isso devemos nos apropriar da água. para que nenhum corpo, vivo, possa escapar.

    um mundo sem volta. é o que dizem uns. pois que descubro que ainda há sim sementes de milho no brasil que escapam à monsanto, que são orgânicas, livres de alterações genéticas e pesticidas – aleluia – e as posso acessar. isso principalmente porque estão justo com aquelas pessoas que a muito custo as distribuem, e as buscam, às vezes viajam para reuni-las. participam da coisa mais bonita, que é o devir comunitário. é a salvaguarda da vida e do sossego, não sem luta. é a comunidade que fortalece. as vidas que se unem e só usam um mínimo do capital para sustento, e sim, participam, mas primeiro se dedicam a existir enquanto organismo, sim com alegria, encontros e coligações.

    almoços coletivos, orgânicos, em que cada um lava sua louça e todos se unem para alternar-se entre todas as tarefas, sem que haja empregados, relações trabalhistas, compra e venda e exploração. há o que chamam de comércio justo e solidário, comecei a lhe dar ouvidos, aprendo e vejo. é claro que ao iniciar esta fala corre-se o risco de romantizar, de crer que não haverá relações abusivas, divisões questionáveis de tarefas entre homem e mulher, o peso das tradições, as instituições da família e da propriedade.

    no intento da construção de mundos em que se queira habitar e em que respirar não seja um ato sôfrego, que se possa escolher destinos e inventar poéticas com alguma liberdade, é também a construção de um mundo que não esteja aprisionado pelo sustento. que possibilite a criação de asas próprias e que isso não seja uma mera expressão metafórica, tão desgastada e publicizada, nem que venha a ser uma substância comercial a gerar essa sessão de euforia tonal e fugaz, cuidadosamente gourmetizada, artificalizada e em suma, ineficaz.

    não existe autonomia que passe pela compra de sensações e de relações de sustento e de ganhos. é preciso cavar mais fundo.

    resisto à forma de protesto quase sempre por de novo me sentir tolhida na fala, me fazer também. zumbido na fala, fala demais. e então as polícias de estados absolutamente surdas e gravemente repetitivas continuam a tacar bombas a quem quer que fale, ou quem tenha aparência de, ou simplesmente a quem esteja vulnerável. lidar com o estado vulnerável em público, encontrar uma forma em que se acredite e estar sempre suscetível a ir mais longe no que atos produzem, atos que produzem barreiras. mas também abrem brechas. craquelê.

  • saída

    pensa-se que há audível,
    porém, ruído não há
    encontro botas largadas na sarjeta
    vestes difusas, andarilhos
    jacintos galhos a colecionar bocejos
    lentidão

    não encontro encostas e esfaleço montanhas
    são todos engasgos
    atalhos, firula
    meus olhos investem em corticóides e essas
    velharias que não fazem sentido algum

    remédios
    enganos
    farmacodominalescos e arbustos artificiais
    construídos por indústrias
    sem-noções

    meu cabo asfalto é doce
    já não me reconheço
    o resto, está sujo
    vou embora

  • a alegria do espírito vem da imensidão

  • sinusite

    silêncio e mídias sociais

    como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.

    existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.

    silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chip intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.

    mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.

    se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cámbios, cámbios.

    e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se fala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.

    fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.

    sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.

  • posição fetal agitando
    um punho um aceno um abraço
    garante que
    ao menos a gente tenha junto
    alguma voz

    um novelo
    e seu bagaço
    encontro da família
    com o asfalto,
    a rua dura

    as legendas dessa cama
    contam com duas ou três arestas
    não doces, não tem vez
    meu corpo
    os mosquitos
    o chão

    o saliente zumbido
    a tua voz
    no celular, àquela altura
    da manhã enviesada
    no rasgo, no sustento
    do que viria a ser
    e do que nunca foi
    e que provavelmente
    encerraríamos aqui mesmo

    o novelo o novelo absinto
    reanimo
    os bichos

  • spam

    eles têm os olhos vermelhos cheios de pontos de interrogações; dormem à noite e de dia também, no sofá; são inabitados por tempo indeterminado; alimentam frustrações buscando através da superação destas tornar seus dias mais felizes; comunicam-se esporadicamente com entes externos, em meios sociais diversos povoados por demais formas de sub-existência; não brigam; guardam beijos para o além; olham estrelas e o eclipse lunar; bebem quando lhe oferecem e o que lhes for oferecido; freqüentemente são encontrados tentando ler algum livro obscuro que mora na sua cabeceira ou estante: às vezes o vencem, às vezes não; navegam por estações indeterminadas; sonham em voar; sonham com frases desconexas; sonham em mergulhar em estrelas; sorriem com os olhos; brincam de fotografia; brilham no escuro; querem dominar o mundo – tendo a liberdade de poder desaparecer de vez em quando.

  • brilho

    sobreposição de montes, desta vez novidade;

    aprender a mover os montes um por vez. os cascos.

    astutos montes concedem abraços.
    acolhi.

    acolhedores cantos de tanta lucidez,
    sem firulas,
    com respiros,
    sem bocados,
    entredentes.

    acolhedores montes de tantas mantas
    cem invernos
    toalhinha

    praia no inverno entrecantos
    – um ritual de chão,
    lá em casa.

    escopo de porventura
    sossego
    se entende o que vem e deixa o que vai.

    sem erro.

    compreensão do esforço e do zelo
    cada qual se encaixa
    aquece
    por merecimento

    o tamanho das palavras
    e todos os silêncios imagéticos
    mesmo os sem imagem:
    só silêncio
    às margens.

    vento que tem campo
    e canto
    aberto à construção de
    flores
    e à recepção de
    sementes

    construção
    invento.

  • foguetinho

    um caminho abestado
    besta tem vez
    sabe embolado sufoco marcado
    besta tem

    invenção suplínio
    cabestadura e não sabe
    arrefecer do sossego
    desinventar o ódio
    embasbacar a zebra

    sabe enrolar uns novelos nocê
    sabe, sabe curtido
    imensidão de três ladinhos
    cascalho quando mente
    pede novela

    caboclo quando conta história
    inverte tudo ao contrário
    sabe novena
    (sabe nada)
    sabe mistério

    desembolar o asfalto
    AÍ SIM
    pede três foguinhos
    eles vêm embalados em
    papel de seda, pomposos
    consomem três florzinhas
    de zebra, três caramelos
    azulados, foguetinho

    ele já se perdeu
    não sabe o caminho do rabo
    a casa investe em montantes
    duradouros, ele sabe
    quisera eu