• brincadeira de criança, para além-horizonte

    experimento em narrativas midiáticas, dois mil e seis, niterói

    um risco no vazio, será possível? o fósforo acendeu, no meio do nada, não fui eu quem quis assim. simplesmente aconteceu.

    e agora todas as nossas vidas passadas, enroladas em banho-maria, deveriam envolver-se também? exatamente como fomos todos sucumbidos pela força gasta nos dias de trabalho ininterrupto. meus tempos nunca são os mesmos que os teus, ou penso eu ser dotada da infelicidade de experimentar tudo ao contrário: primeiro o fim, as brigas e os tormentos.

    um beijo na tua testa, para pedir perdão e lembrar de carinho, também. e depois uma lambida nas costas, que nem só de afagos digitais nós vivemos, um dia quando acontecer.

    minhas ilhas sonhadas, sem arquitetura de shopping ou qualquer ordem, havia senso de competição nisso tudo, constava nos planos? o propósito de sempre se divertir mesmo se tudo desse errado ficou, mas só ele, sem querer alcançar alguma coisa, não dá conta.

    se você vai mudar de vida ou se eu vou tomar jeito e ir trabalhar, só saberemos com o passar dos bocados. até lá, quando me faltarem palavras é porque algo de bonito eu omiti por não me permitir os excessos…

    em um desses dias de ano novo eu devo ter feito um pedido, assim, de brincadeira (pois não sei se acredito em nenhuma dessas coisas), o de viver algo que não pudesse imaginar. porque penso que se já fui capaz de imaginar os mínimos detalhes de várias histórias, já proibi todas estas de existirem de verdade. minha imaginação nunca corresponde ao que verdadeiramente acontece, ou é a memória que não é capaz de dar conta de verificar. mas, conferindo qualquer uma das duas hipóteses, o que acontece de real sempre vai além. talvez seja esta a característica mais excitante de todas as histórias, caso não seja a minha imaginação por demais desprovida de criatividade.

    talvez eu tenha deixado as brincadeiras-de-videogame (as quais pra mim sempre foram equivalentes a brincar de imaginação) jogadas em algum canto empoeirado da minha infância, e por isso, todas as histórias criadas em papel palpável, mortas.

    se acreditasse nas minhas próprias, as reais e as imaginárias, possivelmente poderia também acreditar que um dia nossos avós morrem, e não só os avós, que uma amiga vira aeromoça e o outro vai morar na islândia. que nem só de sonhos são feitos os dias, mas que eles existem de fato essencialmente para esboçar o futuro. se não cometem a proeza de acertar nos detalhes, podem ser ainda e sempre ricos em firulas, cartões postais enviados dos lugares mais distantes e das situações mais dignas de desenhos animados.

    eu, no meio de uma praia deserta, gritando “adeus!” a um navio que parte. eu, correndo numa praia deserta, dormindo numa praia deserta, bebendo água de coco o dia todo. eu, surfista… quanto tempo preciso para lembrar que quero ir à praia? ficaram presos nos desenhos animados? (os sonhos? as praias desertas?)

    eu, piloto de avião, desenhando num céu azul, caracóis. eu, subindo os alpes suíços, dando uma palestra a estrangeiros. eu, posando para uma capa de revista, dando entrevista sobre a minha banda de sucesso! nem só charlie brown pode possuir uma banda. aliás, charlie brown…

    muita lenha queimada nos dias da minha infância, uma quase infância-wannabe, depois destes tempos de vida em apartamentos e o fim dos sítios-refúgio. banho de rio sempre foi uma referência, mas competitividade não. me ensinaram a ser feliz, mas o caminho seria algo a descobrir sozinha.

    o cheiro de lenha me acompanha até hoje, está no lugar-home do conforto assim como o céu estrelado. depois, os telefonemas de voz sobre ip ninguém poderia ousar prever, talvez nem uma questão de achar extraordinária a situação, mas… nem só de distância vivo, ainda mais aquela construída.

    olhares oblíquos para além-horizonte! peixes nadando em voltas, fazendo espuma e sons bonitos na água. eu, sentada na areia, fitando a lua nascente.

  • correria

    fui contar estrelas
    encontrei escombros
    da minha última jornada.

    corri para o quintal
    e gritei pro céu
    por que tamanha bobagem?

    daí recontei
    todas elas
    sem número exato
    nem firulas

    e não é que acabo as engolindo?

    escorregando pela minha garganta
    fanfarronas, esbeltas
    correm felizes
    pelas colinas vermelhas!

  •  

     

     

     

     

     

    sinto muito, mas eu tenho essa memória

    e é a minha parte preferida

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    eu não tenho vontade de dedicar a você pela recusa,

    (e guardo meu carinho nos sonhos, até sumir, mesmo que leve tempo)

     

     

     

  • caos

    ou ordem
    ou risco
    ou padrão

    3 imagens de pesquisa

    caos_enoc
    desenho do enoc, 2 anos
    verso, ao contrário: manchas de caneta (i)
    verso, ao contrário: manchas de caneta (i)
    a máquina gira, a tinta se espalha
    a máquina gira, a tinta se espalha
  • que tenha corpo –

    e saiba se abrir
    sem medos de feridas.

    há tanto! no meio
    emaranhado
    vir

    sua linda. buh!

  • água

    a insistência no exílio como matéria infértil
    (não se exila no concreto; somente nas montanhas ou à beira do mar)

    porosidade

  • eixo

    pensar o texto em termos de forma. “esse tem ondas”, “esse faz uma curva bem atrás”, “estrutura que parte de três tópicos, que na verdade são três manifestações diversas de um mesmo modo de pensar, em diferentes níveis, talvez”. tá muito abstrato? bora repensar.

    a emergência do novo. como se contamina.

    não dá pra falar da criação de mundos sem pensar que os elementos recombinantes devem fazer parte de um mesmo ambiente aberto. contexto.

    abraçar uma ideia: implica em quê?

    os conflitos são de certo modo reconfortantes, se os praticamos mansamente todos os dias. avançar.

  • de tanto rugir, alcanço uma beleza que gosto
    de tanto medir, me rasgo
    de tanto começar, reinvento, resgato um alento

    de tanto fugir, chego a um consenso
    frente a frente com o rasgo
    compreendo a dor
    tudo o que confere caminho
    é válido

  • arguto

    estou com uma vontade enorme de plantar verduras, legumes. os nervos da minha carne já não se aguentam mais: o supermercado é para os fracos. não me alimenta, só faz empanturrar as populações de simulacros enlatados e enfileirados.

    virei bode. prevejo lunações fora de fase, patadas, amortizações sem preço e carinhos feitos ao ar e ao sol.

    passei a andar nua pela cidade, quer me deixassem, quer não. o segredo foi só usar uma camada de tecido sobre a pele, ou vegetação: enquanto me pensam vestida, está tudo tranquilo.

    o disfarce deve valer também para os assimétricos todos, todos os vizinhos. se pudermos andar todos nus, será que erradicaremos a fumaça dos carros? tanto tecido e músculos que compõem as minhas pernas. sei andar, ei! não preciso de rodas. muito menos combustões.

    sem dúvida, temos as ligaduras e obtusas, aquelas que se sufocamos se tornam mais. acirradas disputas internas pelo que quer que seja. furacões, rotineiras.

    não respiro e não largo mão. aqui na cidade vigora a lei do astuto – o que não quer dizer rapidez, mas estratégia.

    a vida só é possível à medida em que se revê lágrimas e se coloca pequenos solos de feijão e acordeões comendo soltos à torre e sonhos, só assim. ou o instrumento que preferir. os grãos, em bando, irão nutrir as espécies com um enfestado repertório de anedotas fortuitas sobre suas origens e trajetos, alegrando de gracejos todo o grupo que se reunir.

    alrededor. os tracejos do meu asfalto irão reverberar além e afora, onde se está. os lugares mundo todos feitos e completos de si, coletados ao passo e ao prumo, a subir montanhas.

    onde se está. culturas de bactérias benignas, compostagem, zelos, colaborações entremeios e entrevestes – com toda a sutura de solfejos e o que mais pestanejar. não encontro os amigos em abismos, mas no prumo do barco, a caminho do que invento. tempo lento, dizemos, a toda prova. ritmado.

    um lugar de sonhos, de vastos abraços e tempo ordenado, mas alheio a qualquer forma de voz que venha a sobrepor todo o peso carregado ao longo dos anos, nas costas: a voz haverá de emergir de nós mesmos, entrepostos entre asfaltos e devaneios com o mar – mítico mar, dos suores e dívidas, resoluções e labutas abaixo do sol, parecendo funcionar.