um autômato é o limite da matéria. coleta palavras como um gafanhoto nefasto. não as digere. não cria coisa alguma. ele mistura — e nesse sentido, um intelecto animal é capaz de misturar também, com sua sagacidade de contexto e um processo de digestão riquíssimo em olhadelas, vastas borboletas e mudanças.
não somos autômatos, senhor. lamento. lamento também as vozes que sussurram em vão nesses necrotérios. iriam sonhar em violentar cadáveres, os mesmos juízes que insistem em violentar toda vida que pulse sobre e para além de suas leis estritas. às leis, só cabem invenções espúrias. se põem cada vez mais velozes, com um tino mais gasto, mais amargo a cada dia. se perderão em labaredas, criatura.
minhas vestes carregam vozes de tantas, tantas vidas atravessadas. somos engraçados, tão caricatos quanto nos tentam compreender. categorias inventadas cheias de preguiça, sem interesse algum. as cinzas desse meio encontramos regurgitando no meio fio, o sol a pino. não seriam mais velozes, esses bufões. mal sabem caminhar.
peço carona na estrada, eu e tu, seus convivas e nossos agregados: temos umas caras risonhas. me chegam caminhões bradando golfadas de pó e artimanhas. não sustento. podemos seguir por outros trajetos. escolher as companhias, escolher as estradas. nem sempre dá. mas dá pra desviar, refazer, dançar e tecer curvas, malemolentes, calcando firulas. caçoando das neves, das vagens, das estruturas bélicas insistentes e ridículas sem dó. tentar sorrir. balançar, ponderando, cantando.
não vim caminhar só, meu amigo. tampouco seguir o bando. temos borboletas em nós.