o gosto das coisas. o pensamento.
gosto de correria sem forma. gosto de lamento.
e refuta. e refuta. e refuta.
argumenta cinquenta vezes.
cadê meu gosto pra escrever.
gosto de cascalho. gosto – melhor que carro.
qualquer coisa melhor que carro.
qualquer coisa melhor que arguta. memória
.
.
funcionário de empresa não sabe o que fazer com as férias.
tiraram-lhe a vida – só lhe restam as férias. marcadas uma vez ao ano.
agendadas com todo esmero, cinquenta mil meses de antecedência.
a empresa detém todo seu escárnio. a empresa é dona de suas botas.
pagou por elas.
o instituto dormente lhe diz para esperar, esperar que as coisas vão mudar
que vai chegar a aposentadoria e tudo será diferente.
engrenagem. pra quê.
funcionária vendo coisas para comprar na internet. qualquer coisa.
afinal, o dinheiro tem de servir de algo.
próximo passo, arranjar uma casa. tomar banho de praia.
.
.
a lama nos meus calçados não vem da empresa. vem do solo.
o sol lá fora não ecoa na empresa, pois janelas fechadas, argamassa
ar condicionado, luzes brancas: muitas luzes
pintura nova, limpeza constante
funcionárias uniformizadas da limpeza sempre ao redor dos banheiros
(que vida)
pergunto a mim mesma o que faz um sujeito viver nesta condição
é claro que temos os dados sociais, estatísticos
sim, conhecemos umas vidas, umas histórias, mas
o uniforme da empresa
e a rotina e o ritmo de trabalho
e a total rendição do sujeito em troca de – um troco –
suas horas válidas
não vale um pelejo
.
.
sublevação
supremo
instinto
de alguma coisa
(existir)
alguma coisa
que seja
vivo
respire
de portas abertas
e saiba o valor do solo
e das botas