resenha da palestra “transmídia”
por inês nin, riomarket 2010
Começava a segunda mesa de debates do RioSeminars voltada para as novas mídias. Antes, caminhando por ideias um pouco diversas, havia sido discutida a programação da TV brasileira, seguida por um painel sobre VOD – um novo modelo de negócios para a distribuição audiovisual que tem como base a internet.
A mesa Transmídia, mediada por Tania Yuki, da empresa de pesquisas comScore, trazia convidados com estórias muito diferentes para contar. Yuki apresenta o tema, primeiramente: “transmídia”, termo que desperta curiosidades, trata essencialmente de narrativas muliplataformas, e deixa a pergunta: “qual é o melhor modo de se contar uma estória?”.
Maurício Mota começa se apresentando. É membro da Divisão Transmídia da Rede Globo, da CGCom e do grupo Os Alquimistas. Para ele, o transmedia storytelling é a uma ferramenta para contar estórias com o objetivo de alcançar o maior número possível de pessoas. Mas, alerta, é importante ter estratégia e traçar uma trajetória coerente. Não é sempre necessário o uso de todas as mídias disponíveis para se divulgar uma ideia. Leonardo Sá, consultor técnico de multimeios da Petrobras, assim como Mota, fala sobre a contação de estórias de maneira direcionada à divulgação de uma marca. Nesse caso, a narrativa transmídia seria um modo de fazer as informações sobre determinado produto chegarem mais próximas do público.
As redes sociais desempenham um papel importante nesse ambiente, ainda que o discurso ainda não seja capaz de esclarecer alguns pontos específicos, como os usos e as vantagens dessas mídias. Talvez ainda estejam no terreno das descobertas – que aliás, ali, são constantes – até porque nunca cessa a busca por inovação. Mas, o que ganha destaque e parece ser ponto central do transmedia storytelling é a necessidade – e a possibilidade – de poder se aproximar mais das pessoas, levando-as se envolver com as narrativas. Através disso, consomem produtos ou ideias ligado a elas.
Na prática, enquanto Mota e Sá discutiam a difusão de uma marca, seja a venda de um filme – que se desdobra em game, site, twitter etc. – ou de uma marca de cerveja, Stephen Dinehart (NarrWare) falava no poder da imaginação para alterar o estado das coisas. Originalmente designer de games, Dinehart falou pouco na mesa, mas conseguiu deixar ao menos parte da plateia bastante entusiasmada.
Daniel Pereira, diretor do Convergence Culture Consortium (C3), vinculado ao programa de Comparative Media Studies (CMS) do Massachussets Institute of Technology (MIT), pontuou práticas e processos associados às narrativas transmídia, como indicam as pesquisas do C3 nos últimos anos: cultura participativa, convergência coletiva, transmídia e cultura popular. Seu ponto central é defender que as formas de engajamento do público são moldadas pelos protocolos sociais e culturais, e não pela tecnologia em si. “O mais importante não é o (uso do) dispositivo, mas os aspectos culturais e sociais que orientam sua utilização”. Ou, em outras palavras, “não é sobre o hardware, mas sobre as ações que se encontram umas às outras”.
Ao falar em engajamento do público, Pereira cita o livro “Inteligência Coletiva”, de Pierre Lévy, para nortear a plateia acerca de seu campo teórico*, e diz que a cultura de fãs desempenha um papel central nessa trajetória. Grandes narrativas de sucesso, como “Star Wars”, “O Senhor dos Anéis”, “Matrix” e o recente “Avatar” foram lembradas como os melhores exemplos para clarificar um pouco o assunto. Esses produtos audiovisuais são e foram capazes de atingir um número enorme de fãs; espalharam-se por meios que vão desde filmes, séries de TV, jogos eletrônicos até bonecos e artefatos dos personagens. Não há como não lembrar de fan fiction – versões das estórias feitas por fãs, usando os mesmos personagens e cenários dos ‘originais’ – e o poder que elas carregam ao apontarem o envolvimento do público com o produto que ele admira. Torna-se, de fato, mais que um simples produto. Já faz parte do imaginário desse público, que se envolve ativamente com ele.
A questão passa a ser, então, “como ativamos esses comportamentos”, coloca Dinehart. Para ele, “nós vivemos em um mundo transmídia”, então cabe apenas saber ativar esses processos, para que as ideias se multipliquem e ramifiquem. E isso vale tanto para uma marca comercial quanto para uma ideia ligada à transformação social.
Rene da Silva Santos, jornalista de apenas 16 anos, edita e publica desde os 11 anos um jornal no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde vive. Na mesa, apresenta uma estória que mistura sua experiência com o jornal e sua própria história de vida. A indiferenciação é curiosa, mesmo porque o jornal, intitulado “A Voz da Comunidade”, atingiu grande sucesso ao longo dos anos e é atualmente divulgado nas mais populares mídias sociais disponíveis, visando ampliar seu campo de atuação.
Sua história admira o público, sem dúvida, mas o mais interessante é observar a disparidade dos ambientes dos quais emergem os palestrantes ali presentes, e os discursos possíveis que se estabelecem a partir de uma ferramenta em comum. Santos não pesquisa tecnologias no sentido acadêmico ou comercial, mas as utiliza para difundir seu trabalho, e tem encontrado resultados admiráveis. Um diálogo maior entre todos será certamente muito proveitoso, no sentido de entender melhor os processos correntes e apontar novos caminhos.
*Daniel Pereira fez questão de mencionar alguns teóricos envolvidos em suas pesquisas sobre narrativas transmídia e cultura da convergência. São eles: Henry Jenkins (MIT/USC), autor do livro “Cultura da Convergência”; Marsha Kinder (USC); Geoff Long (MIT-CMS/Microsoft) e Ivan Askwith (MIT-CMS/Big Spaceship).