resenha da palestra “IAEL e a reforma da lei de direitos autorais”
por inês nin e lonya mana gomes, riomarket 2010
A Reforma da Lei de Direitos Autorais brasileira é o assunto central em pauta já há algum tempo, tanto em fóruns de cultura quanto de Propriedade Intelectual. Diante das gigantescas controvérsias, opiniões variadas e embates judiciais que vêm ocorrendo ao redor do mundo, envolvendo violações ao direito de autor, legislações diferentes em cada país e, principalmente, as mudanças decorrentes do advento da internet, mostra-se necessária uma discussão ampla a respeito do assunto. Com as mudanças técnico-sociais de impacto no contexto mundial, práticas antigas como a pirataria ganharam novos modos de atuação, assim como também emergiram novas e interessantes oportunidades para a divulgação e distribuição de produtos audiovisuais.
Dado que a Lei de Direitos Autorais brasileira sofreu pouquíssimas modificações desde o século XIX, existe, atualmente, uma proposta de reforma dessa legislação com a intenção de atualizar as normas que regem as práticas de consumo e difusão. O principal motivo que rege essa iniciativa é que se mostra necessária, diante do contexto, a criação de uma base legislativa sob o prisma do Direito, visando dar conta dos problemas que têm ocorrido.
Por falta de legislação apropriada, inúmeros processos que vêm ocorrendo ao redor do mundo tratam os consumidores-produtores da rede como réus criminais. Diante desse panorama, foi elaborada, há pouco tempo, uma minuta que ouviu, em debate público, tanto organismos ligados à propriedade intelectual quanto empresas e pessoas físicas. O Ministério da Cultura elaborou, então, a partir dos resultados obtidos, um Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais. Após ouvir cidadãos e instituições em consulta pública durante mais de um mês, o Anteprojeto foi aprimorado e deve entrar em vigor já no começo de 2011.
Marcelo Goyanes (Murta Goyanes Advogados), mediador da mesa, apresenta o tema afirmando que não existe uma nova lei ou sequer um projeto de lei de Reforma dos Direitos Autorais. Para ele, o que existe é um “antiprojeto”, com o intuito de estimular a criação artística, possibilitando a todos o acesso à cultura.
Concentrando-se nas limitações e licenças não-voluntárias, Manoel Pereira dos Santos, da Santos & Furriela Advogados, expôs pontos dos dois principais capítulos do Anteprojeto. De acordo com ele, as principais limitações encontradas consistem na possibilidade do uso livre de bens culturais; em uma ampliação das hipóteses de limitação da livre utilização da cultura para fins didáticos, educacionais, informativos, pesquisas e como recursos criativos. Consta, também, uma sutil alteração em uma cláusula geral baseada no “fair use”.
O Art. 46 estabelece que “não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza”, em 18 casos especificamente detalhados, seguidos de “fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo” e de forma que os respectivos autores não sejam prejudicados. Segundo Pereira dos Santos, essas licenças sobre a cópia privada podem contemplar licenças não-voluntárias.
Há exceções para os casos de obras esgotadas, quanto aos titulares criarem restrições ou até mesmo se recusarem a reproduzir a obra e para obras órfãs. Mas, no todo – afirma Pereira dos Santos – praticamente tudo se torna permitido desde que não haja finalidade lucrativa no uso dos bens culturais. Existem condições básicas para se adquirir a licença compulsória, explica: há uma restrição aos direitos concedidos. O titular será desapropriado, mas mediante um prazo e a concessão é limitada a um interessado com legitimidade. Este deverá ter capacidade técnica e econômica, além de ter os mesmos fins previstos como na limitação, e os titulares receberão uma remuneração justa.
Para Attilio Gorine, da Dannemann Siemsen Advogados, a lei vigente não é moderna e não se adéqua ao advento da internet. No entanto, no Anteprojeto foi perdido o foco sobre os direitos de autor. Quanto às limitações, há uma permissão em relação às cópias integrais privadas; cópias para portabilidade e interoperabilidade; na exibição audiovisual em estabelecimentos de ensino; cópia; distribuição e comercialização aos públicos de obras para portadores de necessidades especiais; na não possibilidade de um acordo do pagamento das licenças compulsórias e para a conservação nas bibliotecas. Sobre isso, ele acrescenta: “Por que o deficiente não pode pagar pelo conteúdo?”. De acordo com Gorine, o Estado procura proteger excessivamente o acesso à cultura, sob a “desculpa do acesso ao conhecimento.”
No caso das exibições audiovisuais, há ainda casos como a finalidade de difusão cultural; a multiplicação de público; a formação de opinião ou debate; utilização da obra por associações cineclubistas; a difusão no interior de templos religiosos; para os fins de reabilitações ou terapias; nas internações médicas ou em unidades prisionais. O Anteprojeto se propõe a amparar todas as cópias das obras que não estiverem disponíveis para venda em quantidades suficientes, visando fins didáticos, educacionais, informativos, de pesquisa ou como recursos criativos. Attilio Gorini acredita que, em todos esses casos, as instituições não deveriam ter direito ao uso das obras sem o pagamento de licenças compulsórias, ainda que isso possa implicar em uma diminuição drástica no acesso, difusão e popularização das mesmas.
O norte-americano Mark Halloran, da Halloran Law Corporation, falou sobre a legislação de seu país, que é em muito centrada no consumo e no comércio: “but that’s how we are”, completa, sorrindo. Exemplos de leis e experiências recentes ocorridas nos EUA pairaram sobre o Anteprojeto brasileiro, em contraposição. Halloran diz que, no campo da música, graças ao livre acesso aos arquivos através da internet, o público não se deu conta de que a qualidade das músicas caiu devido à grande quantidade de criações. Cita uma experiência pessoal, na qual suas filhas, que anteriormente baixavam música gratuitamente para seus iPods, hoje, crescidas, compreenderam a questão e pagam pelo conteúdo que consomem.
De maneira geral, diz ele, os norte-americanos, por sua cultura, estão mais acostumados a pagar por conteúdo – ou mesmo por palestras dadas por pesquisadores em universidades, acrescenta uma senhora na plateia. Halloran deixa como sugestão, por fim, a necessidade de se dar atenção aos autores e também ao público, de modo que nenhuma das partes seja prejudicada.