resistência

RESISTENCIA

materializar os embates cotidianos na forma de uma linha vertical, que desprende do teto e chega a tocar o chão com os pés. exercícios de tentativa e erro, embate, testes de resistência e elasticidade diante de uma restrição – a corda – que preexiste à ação.

posto que nada está sob controle, o imprevisto faz parte do processo.

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performance | vênus terra | no lugar_ teatro ipanema | 16102013

entulho naborda do mar

função:
dessalientar.

(constroem engenhocas tão loucas
tapumes
invenção
esses que vivem tão próximos do asfalto–
azuis, eles vivem, contudo)

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“é preciso chamar as bruxas para estragar o conto de fadas”, dizia o bruno cava sobre a inauguração do MAR, aquele museu mumificado que se posta ao lado do atual “buracão da praça mauá”, futura via subterrânea que estupra o centro histórico do rio de janeiro. em tudo agressivo, inclusive na sua alvidez (é alvo, é ávido) que, tentando ser moderno, quer misturar prédio histórico com nuvenzinha e vidros, programação visual e desejos nefastos de apagar seu entorno.. o programa espacial do governo deseja polir as arestas, e o faz sem a menor sutileza de modos. em algum lugar bem distante daqui, provavelmente no alto de prédios (com vista para a favela) eles aprenderam as maiores técnicas de violência, pois poder se conquista com violência e expropriação. aprenderam que o mundo nunca seria para todos, e portanto decidiram garantir o seu naco da guerra. salve-se quem puder. é tão deprimente que não há palavras precisas; aqueles que se importam com os reais agentes dessa cidade e todos os os esforços feitos com dignidade entram em conflito, pois com os meios todos tomados (inclusive as ruas, pulverizadas de policiais à paisana ou em farda), uns acreditam que se pode ocupar então os espaços que há, em toda sua violência, mesmo que no timing perfeito para as campanhas publicitárias e eleições, mesmo com banco imobiliário de remoções, mesmo que..

sérgio bruno martins, que desconheço, faz apontamentos bastante precisos sobre toda a controvérsia que circunda esse novo estorvo monumental da cidade, a partir da visita que começa, turisticamente, no terraço do edifício. e não se trata de questionar o MAR por ser um museu, se precisamos de mais um museu, como diz o curador-chefe, mas sim, no caso, está em questão todo o teor “maravilhoso” (no sentido surreal) daquilo que ele quer representar, o que ele simboliza, como ele se coloca, e toda a ocasião de inauguração, toda a politicagem envolvida, num terreno de povo silenciado e política de sorrisos.. o que faz essa política representativa, funcionária exultante do não-pensar, todos os dias, dói tanto que dá vontade de vociferar, quando voz há. e se isso não adianta, procuramos outros meios, colocamos estacas no chão, usamos brilho, chão e máscaras, até mesmo escapamos para outros lugares. a guerra é estética, ideológica, insensata, brutal. todos os dias, está aqui, agora mais evidente que nunca. ainda povoada de disfarces. ainda procura verdade nos lugares errados. guerra de discursos, disputa estética, escadas, tapumes, invenção, sobrevivência, vultos, milagres.. uns tentam rir da desgraça, colocando um selo nas costas. e todo o perigo protuberante de se deixar fagocitar os discursos, torná-los brincadeirinha/alegoria dentro do quadrado branco, mais um objeto fonte de especulação na arte.. não nos deixemos afundar na lama política que nos envolve, ainda que seja duro, que não haja lugar. e, ainda assim, um cartaz.

está lá, e, posto que está, discuto, vou para a rua, bato latas, grito, visto máscaras, danço, abraço, caio em desespero, recupero, também não tenho onde morar. posto que está lá, precisamos discutir. produzir sentido sobre aquilo que nos atinge é a última ferramenta possível. é nisso que me apoio na hora de erguer cartazes, povoar. ativar um sentimento de solidão que em tudo está, que a tudo se impõe de forma violenta, combater isso – por grupos, enxames, ocupações.

não é possível estar em todos os lugares. mas é preciso defender o direito de acessá-los. todos. sempre. quem quer que seja. é preciso defender o direito da própria existência, já que esse vetor é constantemente violado, foco de ameaças, arrombado. por tudo isso, diante do estado vândalo que só quer solfejos, erudição e sangue; assumindo toda a controvérsia envolvida, de amigos e amigos e discussões e coiserrantes, ideias turvas, violência, vontades, espaços e desejos, estou lá. ainda assim, na rede, no papel – que o espaço físico inclui outras flexões de lugar.

na borda // vazadores // entulho

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o que coloco é um trabalho de 2012 em verso, foto, recorte. é sobre existir e sobre estética também. lado a lado há textos e ensaios em dissenso, não formam conjunto, não são conjunto, mas têm em comum a fala sobre um espaço. reconhecimento de arestas, talvez a procura de um espaço, embates políticos, existência e arte. o que faz esse entorno seria talvez a voz plural que buscamos, mas que às vezes se faz calar.

e sobre potência, assunto que subjaz e vem à tona – ação política é o quê? votar? escrevi algo assim, sobre, concomitante às discussões que antecedem essa edição. agora, em tempos de repressão policial desenfreada, de estado surdo, duro, perseguições sem sentido e tantas cores que tentam silenciar, faz tanto sentido. ler hannah arendt a cada dia faz mais sentido. para evitar loucuras e totalitarismos, só por meio da ação.

potentia // reflete-se sobre ação e não-ação. governo e trabalho. antiguidade e modernidade. discurso. política. rebelião. o escopo visível se limita ao livro de hannah arendt, que não é nada limitador. expande tanto que foi feita uma varredura pelos capítulos, a fim de amadurecer a questão. era inevitável. influências externas invisíveis são da ordem da ação política local (leia-se: rio de janeiro), coletivos de arte-ativismo, atritos internos e externos, porto maravilha, expropriações contemporâneas. por isso, dispersão. os discursos se complementam.

postulados de trânsito: afonso pena, no meio do trajeto

chego sobre rodas, ponho os pés na praça

pontos a favor em uma cidade última. parar de repetir monumentos.

o que fazer com as histórias das gentes todas que habitam, como seguem seu ritmo diário, interrompido por fachadas de obras, tristezas, demolições, ruas sem sentido, gente sem ruas, gente sem mala para carregar por aí.

aceitar mudanças. o que é possível de fazer para que justiças se efetivem nós faremos, mas é fato que há tanto e tão que é feito sem consentimento (das gentes que habitam) e que, ainda de tudo, desejam que fiquem contentes.

criam mídia brinquedinho, todo tipo de propaganda, que olhos um pouco mais sérios (e nem precisa ser muito) já tiram de campo. só que o campo insiste, é poderoso e tem lugar. convive-se. como é que convive.

adaptação e derivas noturnas pelo bairro trocado, que por vezes encontram medo, noutras simplesmente nada, ventinho. muito grato fica meu verão com seu ventinho, tijuca.

um método de conhecimento: primeiro, tem que andar de ônibus. a pé, de ônibus, de trem, de metrô, de carro, de moto, de bicicleta. desses, os principais são os pés, para mapear os arredores mais próximos, conhecer a padaria, a loja de material de construção. o segundo muito útil é bicicleta, para poder ir a porções mais largas do lugar e por exemplo descobrir uma pracinha charmosa, um supermercado maior, até o lugar onde tem mato e escola de artes. conversar com as pessoas – eu não sou daqui – e se apresenta.

andar de ônibus é importante (se contraposto a meios como carro ou metrô, fique claro, porque de fato os monstrengos engolem a cidade! eles são a cidade, aí é que está) porque deles se vê o trajeto, o meio do caminho entre um lugar e outro. entende por que é que é longe, por onde tem que passar, as ruas sujas ou pretas, o sambódromo. é louco que haja uma cidade com tantos viadutos e contusões, mas há! e muitas, com muito mais. esgoto e terras sujas temos de monte. como é que pode entender o asfalto que se instala nas terras férteis e perfumadas da serra, eu não sei. lá só é bonito porque a estrada é de terra, passa pouco carro, as árvores ainda estão em pé. os vizinhos se visitam e dão carona tranquilamente. e mesmo assim a cidade cresce, quer crescer, copiar nossos industrialismos importados, não vejo motivo.

o que é curioso do ônibus é que ali se encontram dois ambientes contrapostos – interior e exterior – e um vê ao outro. um ambiente (dentro) é quase tão público quanto o de fora. tudo bem, mas assim é o metrô, que com sua alta voltagem passa batido das leis de trânsito. é um corredor. só que no metrô não há um fora. é primo distante do avião. a sensação de trânsito – de percurso, vivência do caminho, distância – quase se anula nesse dentro/fora que não transparece.

a bicicleta é o meio máximo de euforia que um cidadão pode chegar, sem gastar um tostão. viajante que se arrisca a meio-mistério, tem turbinas próprias: um mecanismo simples e seu próprio corpo. atravessa montanhas se for persistente. a vida urbana tem seus afagos, e um dos mais subestimados é o potencial do ciclista. carros são da ordem do não fazer esforço, de monstros-máquinas, de posse. até mesmo de segurança, porque isola. há carros que não fazem nenhum sentido de serem tão grandes, soltar tanta fumaça. sem vento no rosto, sem mexer as pernas. não raro ignoram o ciclista como se ele não pudesse estar ali. quanto a isso, suponho que deveríamos difundir melhor algumas ideias básicas de convivência: na rua cabe eu e cabe você. a 1,5m de distância, para não haja feridos.

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dois meses sem bicicleta, com medo do asfalto e do túnel que tem goteiras. irritação contínua com homens que, por puro hábito, só pensam em perpetuar a espécie. você desce da bicicleta e pede informação, te olham de cima a baixo. princesa. deseducação obtusa, delegação. insulto. queria ter um caralho bem grande para bater na cabeça desses homens todos. mas sim, sei, o processo é outro.

daí que peguei a bicicleta e fui conhecer a praça afonso pena, de perto. antes, só via no trajeto da janela do ônibus. me parecia simpática. decisão, uma regra: pegar a bicicleta, ir até em casa. parar no caminho, pisar na praça. tentativa de entender o percurso, aprender o nome das ruas, somar com mais um rosto entre os passantes.

escolho uma loja (a cidade nada mais é que um conglomerado de lojas, e ônibus). pizzaria, tem cara de popular, vende fatia. ponto. muito mais barata que qualquer uma das que tem perto de casa. no interior, só vejo velhinhos (uns 3 ou 4) que me estranham a presença, mais uma família com crianças e os funcionários do local (todos homens). assistem televisão. a pizza é boa, marguerita, servida na mesa, com catchup. compro água no bar do lado cujo balconista me diz: todos os caminhos aqui te levam à rua que você procura. que loucura de fácil, não pode ser.