entulho naborda do mar

função:
dessalientar.

(constroem engenhocas tão loucas
tapumes
invenção
esses que vivem tão próximos do asfalto–
azuis, eles vivem, contudo)

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“é preciso chamar as bruxas para estragar o conto de fadas”, dizia o bruno cava sobre a inauguração do MAR, aquele museu mumificado que se posta ao lado do atual “buracão da praça mauá”, futura via subterrânea que estupra o centro histórico do rio de janeiro. em tudo agressivo, inclusive na sua alvidez (é alvo, é ávido) que, tentando ser moderno, quer misturar prédio histórico com nuvenzinha e vidros, programação visual e desejos nefastos de apagar seu entorno.. o programa espacial do governo deseja polir as arestas, e o faz sem a menor sutileza de modos. em algum lugar bem distante daqui, provavelmente no alto de prédios (com vista para a favela) eles aprenderam as maiores técnicas de violência, pois poder se conquista com violência e expropriação. aprenderam que o mundo nunca seria para todos, e portanto decidiram garantir o seu naco da guerra. salve-se quem puder. é tão deprimente que não há palavras precisas; aqueles que se importam com os reais agentes dessa cidade e todos os os esforços feitos com dignidade entram em conflito, pois com os meios todos tomados (inclusive as ruas, pulverizadas de policiais à paisana ou em farda), uns acreditam que se pode ocupar então os espaços que há, em toda sua violência, mesmo que no timing perfeito para as campanhas publicitárias e eleições, mesmo com banco imobiliário de remoções, mesmo que..

sérgio bruno martins, que desconheço, faz apontamentos bastante precisos sobre toda a controvérsia que circunda esse novo estorvo monumental da cidade, a partir da visita que começa, turisticamente, no terraço do edifício. e não se trata de questionar o MAR por ser um museu, se precisamos de mais um museu, como diz o curador-chefe, mas sim, no caso, está em questão todo o teor “maravilhoso” (no sentido surreal) daquilo que ele quer representar, o que ele simboliza, como ele se coloca, e toda a ocasião de inauguração, toda a politicagem envolvida, num terreno de povo silenciado e política de sorrisos.. o que faz essa política representativa, funcionária exultante do não-pensar, todos os dias, dói tanto que dá vontade de vociferar, quando voz há. e se isso não adianta, procuramos outros meios, colocamos estacas no chão, usamos brilho, chão e máscaras, até mesmo escapamos para outros lugares. a guerra é estética, ideológica, insensata, brutal. todos os dias, está aqui, agora mais evidente que nunca. ainda povoada de disfarces. ainda procura verdade nos lugares errados. guerra de discursos, disputa estética, escadas, tapumes, invenção, sobrevivência, vultos, milagres.. uns tentam rir da desgraça, colocando um selo nas costas. e todo o perigo protuberante de se deixar fagocitar os discursos, torná-los brincadeirinha/alegoria dentro do quadrado branco, mais um objeto fonte de especulação na arte.. não nos deixemos afundar na lama política que nos envolve, ainda que seja duro, que não haja lugar. e, ainda assim, um cartaz.

está lá, e, posto que está, discuto, vou para a rua, bato latas, grito, visto máscaras, danço, abraço, caio em desespero, recupero, também não tenho onde morar. posto que está lá, precisamos discutir. produzir sentido sobre aquilo que nos atinge é a última ferramenta possível. é nisso que me apoio na hora de erguer cartazes, povoar. ativar um sentimento de solidão que em tudo está, que a tudo se impõe de forma violenta, combater isso – por grupos, enxames, ocupações.

não é possível estar em todos os lugares. mas é preciso defender o direito de acessá-los. todos. sempre. quem quer que seja. é preciso defender o direito da própria existência, já que esse vetor é constantemente violado, foco de ameaças, arrombado. por tudo isso, diante do estado vândalo que só quer solfejos, erudição e sangue; assumindo toda a controvérsia envolvida, de amigos e amigos e discussões e coiserrantes, ideias turvas, violência, vontades, espaços e desejos, estou lá. ainda assim, na rede, no papel – que o espaço físico inclui outras flexões de lugar.

na borda // vazadores // entulho

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o que coloco é um trabalho de 2012 em verso, foto, recorte. é sobre existir e sobre estética também. lado a lado há textos e ensaios em dissenso, não formam conjunto, não são conjunto, mas têm em comum a fala sobre um espaço. reconhecimento de arestas, talvez a procura de um espaço, embates políticos, existência e arte. o que faz esse entorno seria talvez a voz plural que buscamos, mas que às vezes se faz calar.

e sobre potência, assunto que subjaz e vem à tona – ação política é o quê? votar? escrevi algo assim, sobre, concomitante às discussões que antecedem essa edição. agora, em tempos de repressão policial desenfreada, de estado surdo, duro, perseguições sem sentido e tantas cores que tentam silenciar, faz tanto sentido. ler hannah arendt a cada dia faz mais sentido. para evitar loucuras e totalitarismos, só por meio da ação.

potentia // reflete-se sobre ação e não-ação. governo e trabalho. antiguidade e modernidade. discurso. política. rebelião. o escopo visível se limita ao livro de hannah arendt, que não é nada limitador. expande tanto que foi feita uma varredura pelos capítulos, a fim de amadurecer a questão. era inevitável. influências externas invisíveis são da ordem da ação política local (leia-se: rio de janeiro), coletivos de arte-ativismo, atritos internos e externos, porto maravilha, expropriações contemporâneas. por isso, dispersão. os discursos se complementam.