travesti

travesti é amor. aqui, outros nomes, uma apropriação. mídia travesti de asinhas de fora, se faz de amiga, quer assaltar as máscaras de multidão. violência de estado corrompeu nossas ruas. contação de alertas, gente no chão: pensamento difuso, escreve-se para fagocitar os termos, desentranhar os caminhos por entre as nervuras do acontecimento.

derivaceleste:

saber emaranhar os acasos nas estranhas lágrimas provocadas pelos anteriores.

o medo, a sede, a luta e o sossego se contaminam uns aos outros até não existirem mais.

não há permutas, marmotas, percepções inertes ou qualquer outro sentido além daquele visível, ainda que tão turvo, paspalho:

serão neves, tudo ao inverso. ou talvez não, coisadura. não serão fascistas a nos buscar nas casas, senhora no batente, senhor na multidão (infame ilógica inerte que perdura). enxame de refugiados na tijuca, naquela rua perto do estádio, encurralados no próprio quintal de casa. ninguém entende o assunto em voga, há tanta confusão.

de voz em voz uns tentam pintar as cores todas de verde e amarelo, as janelas de inferno, as lutas de brincadeira e então desvalorizam o todo, a própria multidão. em processos, recessos e mistérios, porque são muitos e mil-ações.

não tem jeito de cessar o grito porque vem de longe, de muitos, muitos anos, adormecido que estava nos pulmões de tantos, expelido enfim por aqueles que puderam se manter vivos de alguma forma. e não é caso de impeachment, sem surto. isso é tudo lorota turva, e muito simples, um caso de apropriação:

(explicaremos primeiro a oposição)

reacionário (adj.) é aquele que é contrário a quaisquer mudanças (sociais e/ou políticas); que se opõe à democracia; antidemocrático. sinônimos: antidemocrático, antiliberal, retrógrado e ultraconservador.

(nada como um be-a-bá das curvas)

tampouco nos iludamos com o liberal (s.m.), isto é, aquele que é partidário da liberdade em matéria política ou econômica. no plano econômico, é um perspicaz enganador, astuto defensor das desigualdades e do dinheiro no bolso dos indivíduos (sic) de bem.

nenhum deles representa um perímetro maior que o próprio umbigo. talvez, e digo sem muita convicção, sejam capazes de estender algum apreço a familiares e uns poucos semelhantes, pelo puro louvor conferido à família e à propriedade, ambas instituições tão intimamente conectadas. compartilham regras, egoísmos e convenções.

campo minado! acabaram nossos montes, direi. poderia ser – a crise já se estende por tanto tempo que mal é possível morar na cidade, e então lembramos de tantos problemas interestaduais e tão mais antigos: a polícia militar.

(militar é um órgão capaz de eliminar todos os outros, e, por isso mesmo, deve ter sua existência sumariamente questionada)

e então os bondes, as cores. os trios elétricos que se não estivessem cercados de tantos políciais (e nunca entenderemos tantos policiais) seriam carnavalescos, polivalentes quaisquer-uns com tanto orgulho de enfim existir. sua manifestação nada mais é que uma afirmação da própria existência. decidem ter voz. depois de tanto tempo que não se sabe ao certo de crença forçação velada em crer num sistema de números, morfemas, eixos temáticos e não se sabe ao certo e nunca em quem votar – requisito infame de uma política de delegações.

hannah arendt diz que quando há autoridade, não há ação política: o poder de agir, nesse caso, é outorgado ao governante ou pequeno grupo que governa. pois então expliquemos, para fazer frente os confusos, gente que confunde totalitarismo com revolução (soa surpreendente, mas vive-se num mundo de disfarces, e nem é tão nova a ideia)

desacredita no sistema em ritmo contagiante de alienação // os espaços abertos são ricos em propostas e experimentos // há aqueles (e são muitos) que procuram lideranças/desejam lideranças/querem depor o lugar // me pergunto se precisamos de lideranças em qualquer lugar // o plural é importante // não se trata de verde e amarelo // bandeiras vermelhas representam grandes articulações coletivas por direitos sociais, nunca se esqueça disso // mídia golpista, que termo sensacional // veja, minhas máscaras foram usadas por outrem // ela foi às ruas e não sabia porquê // os discursos mudaram e continuou seguindo a marcha // mudaram o rumo e alguém ficou?

aqueles que pintam de branco são aqueles mesmos que desejarão eliminar todos os que não puderem se vestir da mesma cor.

você quer ser eliminado? ou espera obter uma fatia do bolo?

política de recortes, de cartas marcadas, de confusão. publicidade, política de imagens, vote no cara legal! os códigos binários e seus comandantes esperam somente respostas de sim-ou-não, são surdos de formação. no ministério das cartas altas, há interfaces e intermeios, ideias que protegem outras, surtações sim, mas muita blindagem, tanto de gentes quanto de informação. as curvas se contaminam, se misturam, não existe pureza no sistema: política de disputas, muita gana, fica um lembrete: a política é dura, mas é negociação. é perigo quando não se definem os temas, fica azul de imensidão

(sabe, aquele que preenche as arestas, cega no horizonte e se deixa engolir no sifão)

baderna é nossa aliada mais vasta, sim, posto que: vândalos são os policiais e seus mandantes. mas se nos chamam todos vândalos, se inserem vândalos entre nós, se vandalismo é a última moda da passeata multicolor da esquina, se qualquer passante é um vândalo em potencial, se o opressor é quem tem razão, se dão vazão às armas, tratam rua de cartazes como batalha campal, em suma, se nos bloqueiam, e atacam, seja nas ruas, em casa, em todo lugar, se não pode tanta coisa, se a fifa pode, se os donos podem, se a tevê pode, se o jornal quer convencer a sua mãe do nosso vandalismo, então sim, somos todos vândalos, vândalos venceremos, vândalismo vão de caminhar na rua, correr do gás, cair no chão..

curioso notar que as bandeiras do começo eram pelo pleno direito de circular – de andar! pois se cortam as pernas e cobram caro pelas próteses, cobrem tudo de cimento e aqui só passa carro blindado!

que espaço é esse forjado sobre tanta argamassa de minérios e gente que veio porque acredita que precisa trabalhar, que não come se não tiver sangue pra derramar, massa de manobra e ahhh.

faltam dores cores palavras pra dizer o porque dos tormentos, a coisa é tudo menos plana, vigente mas cheia dos interstícios estelares e sem muitas rotas de fuga (antes houvesse – a rota maior pede uma passagem de volta, pagamento no cartão, endividamento)

roda de chão sem voltagem, rebobina tudo, eu não quero levar porrada de policial.

acordar com helicóptero, quintal de casa como campo de batalha.

celebridades felizes na televisão, todos canarinhos.

esporte é travestimento de exploração.

sinusite

silêncio e mídias sociais

como começa o nosso silêncio. leio mais uns textos da luisa nóbrega que fala de wittgenstein e audição e surdez e fala. nunca li wittgenstein, não ainda, mas isso não importa. o que me impressiona é algo que se conecta com um instinto que não sei verbalizar – ou às vezes sei, não de forma objetiva.

existem quaisquer coisas que não se encaixam no objetivo. experiência de outra ordem; procura; mundo vasto; subversão. uns chamam de acaso e outros dizem que ele não existe, e nem é isso. às vezes se vê. uma pista: olha, isso me comove. eu não sei como descreve, posso tentar, é assim uma sensação. ou uma imagem desfigurada. um referente real que só tem sentido no meu hemisfério (da cabeça). o direito. ou tanto faz.

silêncio. num mundo que valoriza a fala, em que a comunicação é tanta que quase sufoca. em que não se tem controle sobre os seus dados, sobre a sua vida, e ainda vez em quando se ouve falar de chips intracutâneos: há poucas coisas que me atemorizam tanto. tem tanta gente que me pergunta porque, qual é o problema de usar o facebook? mas a gente está sendo catalogado, produzindo informação que as empresas vendem e você não está nem aí. eu conecto com meus amigos, diz, então tá, que argumento. tenho preguiça de discussões insistentes. talvez não, mas não me preocupo em convencer. não tanto. jogo uma imagem – mas você sabia que – e a pessoa permanece indiferente. quase todo mundo tem essa leveza imberbe no rosto, de sim eu consumo e daí, não, não penso sobre isso, pra quê, ah tá. tudo bem. é trabalhoso querer se ocupar do mundo. ninguém disse que.

mais simples é não entrar naquele mundo. todas as horas a fio que você passou preenchendo formulários, madrugadas vãs ou porque-não-mais-uma-rede-social me levam a uma quantidade ruim de spams gerados sem que perceba, perfis em sites que mal lembro e alguns que pegaram carona em algum contato menos cuidadoso do facebook. a situação se revela quando decidem usar seus dados para alguma coisa e você percebe, quando arruma um stalker, alguém que usa seu nome etc. ainda assim, em certa medida pode ser menos do que as empresas fazem por você todos os dias. privatizam o conteúdo que você fornece de bom grado, se divertindo, e te oferecem de volta produtos “compatíveis”. depois que eu pesquisei por câmeras encontrei-as em tudo. relembrei do adblock plus: santo remédio. publicidade grita.

se tivesse na pele ia ser mais difícil tirar. sair mundo afora procurando um espaço que não esteja controlado. mané foursquare. eu não quero ser catalogado. feliz fosse vontade comum. mas é difícil, todo mundo está lá e já foi. ilusão de que quando apaga apaga. mas mesmo assim, tentativa. se o regime endurecesse tava todo mundo na mão – salve-se quem puder. e se não é permitido ter medo, ao menos que se procure remédios. fuga voraz da doença – o outro, a contusão – e se não soubermos conviver enfermos, do jeito que estivermos – que podemos fazer? escapar ao sistema, sustentação. de ato, de ideia. não há um ato singular que seja pleno, completo, sem que seja contaminado pelo que está em volta. toda criação é uma criação coletiva. que aceitem todos os defensores de patentes e propriedades e quinquilharias. sabe-se pouco sobre o mundo; tudo o que nos vejo fazer é tentar segurá-lo, torná-lo pleno de si, pensando abarcar as ideias, todas as vias, as vidas contínuas, a miséria. achar que a solução do mundo é ele mesmo – às favas, os governos! – e o que me faz melhor é o meu dinheiro. a minha moeda de troca, porque ver mesmo eu vejo cada vez menos. cambios, cambios.

e como todo o alcance que temos se limita aos nossos corpos – aos mesmo tempo vastos e limítrofes, de exaltações alegres e tremeliques – a eles tentemos ouvir. supremo: quando se cala se ouve mais. o canto dos pássaros. barulho da água. meu corpo. os dos demais. o vento – ah! e o metrô andando: ele urra! e a locução falando: tudo bem, você está aqui. a todo tempo. respire.

fui para miguel pereira ficar 10 dias em silêncio. eram nove, no último podia. ouvi um relato comovente de uma grávida, que ainda não tinha saído do silêncio. tinha as pupilas dilatadas e falava como se atordoada pelo burburinho em volta: eu não sei como vocês conseguem. meditação é onda flamejante. eleva em algum ponto que não sei perpetuar as horas vagas, elas se multiplicam. falar é difícil: só o silêncio escuta. e ajusta os intelectos.

sabedoria sem-nome que vive dentro, às vezes foge, indecorosa, ou se esgarça e quase some. ali está. comunica – mas é pra dentro. esqueci como é que se faz. ah. e aprendi a gostar de lavar roupa. nas autonomias, estava faltando isso. não é fácil ser mundo.