asphalt dance, scrambled and celestial

07112016

what we’ll be capable of. when we’re in residence. when we’re together. when we learn how to untie the bonds and not let us be tainted by the streets. by the noise that surrounds.

crossroads of encounters and a bit of peeling earth, house — many have lived here. we are. a short period of time, these days: i see transition. transition for me, transition at last, transition of polishing edges.

transience. we are. rio de janeiro comes transitory, poking its lands down, so many layers below. would it be not only the dust coming through the windows or the loud noise from the machines, it happens sometimes, just like samba. but it persists. this electric saw is as soap as our socks, you don’t question them. you don’t question the electric saw nor perhaps the helicopters (airplanes we feel more often ’round here), not even the drilling machine you think about. is this noise a choice of whom? do we dream of silent machines?

let us use only cranks and pedals and reco-recos at any cost so as not to deafen any neighborhood, whether we live there or not. then comes my home my debt, my doubt or desire or indeed something that does not exist. there are nearly any houses we can call home in such a city, where we cross subterranean tunnels and then we all turn into asphalt, gradually asphalt, marrying all the mafia of these construction companies that keep on striking us down.

taken by assault, abrupt, and yet it takes years. dream resort of so many brazilians, watching television, men and women, in this subordinate order with not so gentle and not so noble categories because yes, it was commanded, in a land where people were turned into slaves, once a refuge for some white europeans who then brought guns and they are still killing natives, today

multitude, we’ll make it and we are and we built bridges in between detaching membranes and layers that come to surface like fury, furiously letting us pass through layers that fall, little by little, every day, furiously pierced by noisy machines that build tunnels wherever passes all kinds of concrete and rivers that are no longer rivers but fetid detritus of what they call basic sanitation, people.

people join together, people collaborate. people think street. people will never be unison, that’s not what multitude is about. i have learned a great deal on dissent and distension, plus some practical knowledge of (urban) autonomy during times and times that occur from time to time, and we come across them. a terrain of mixture and utopias exposed, actions and hugs and joint confusions and parades of random accidents, among other movements

what about all this concrete around? can viaducts end up swallowing us? will cars remember what they once were, when there were no engines? what was it like to live without engines?

rrr rrr rr. i cross ruins with a bicycle.

physical effort, legs. like socks, soap: physical effort, arms. yoga by the morning, to settle muscles and not dwelling too much. gradually. i reach

hiking the mountains was a keen and long-nurtured intention in what they call rio, the city — forests, indeed — too complex to act as desired, perhaps by the excess of it, or maybe the classic fatality of days and nights (and the division of working hours, our most common obstacle, as well as partying all night long)

forests are still there by night, but while in town, we won’t go much often (survival; priorities)

i would fly there on the heights of the hills and strong legs, dormant legs, crescent legs as well as the moon now watching us from above, building other random homes much more gentle than any of these made of concrete

are made of fluid matter the longest and most beautiful dreams and also fastest to taste (it’s possible to live from matter, malleable and fertile component of other houses, other voices, elemental construction of inventions and worlds, yes, houses, dwellings and everyday life)

and of hectic schedules, my dear, we know, we’re overloaded. but if you think of another kind of motion, of speed, the one that occurs in dreams, in which you are here then somewhere else, just like this, followed, then overlapped, time-collage, turning

i wanted to work with old photography techniques because, ok, nostalgia, and also flea market, the best of all cities, full of memories of our grandparents who were never our own, but whose lives were part of an underworld that comes across us, jumping from almost forgotten places and coming here in front of us say that they still exist (and in vivid colors, vivid vivid and puerile)

foreign travel images also fill the flea market, at praça xv, and then so many mickeys populate a colonized children’s imaginary, which only three decades later we begin to fully realize what was that anyway, all those animals that were never seen in our lands, all those weird referents, yet so colorful, white and rather uncritical, after all

(and of criticism perhaps we’ll be many, but also breathing, breathing, not just that dust that comes around but also the importance so giant of being permeable, of not being affected and thus growing bones more resistant that can survive to all this scrambled ground matter, the most ancient and frightening past rising with such fury to the surface and dancing

dance, let’s go

eis a carta montanha, escorrendo pelas mãos:

n04

escrevi isso numa tarde, depois de ruminar por uns dias. procurar olhar para os acontecimentos com outros olhos. pensei muito nisso de enviesar o olhar, tentar observar sob outro canto, de outros lugares.

carinhosamente, buscando outros modos de encontrar, comunicar. um escrito longo. um fôlego, alguns. chove forte lá fora, de novo. quase tudo é água aqui. respirar.

corpo que se levanta, também. que observa.

seja o que vier, não segura, não

sejamos grandes

você é

 

n05

evocar todas as forças em uma. temos várias.

te sinto amor e abraços, corpo, espírito, trocas infinitas.

a despeito do quanto duraram nossos encontros, chamo todos infinitos. talvez porque houve plenitude, cotidiano, afeto.

amor grande estou, aqui dentro, agora observo. o mundo em volta e como nele me situo.

é verdade que a gente carrega tudo consigo, sim é claro, mas às vezes ao se deslocar variam também os ruídos, podem mesmo diminuir.

um dos maiores ruídos com o qual não sei lidar é internet. por isso tenho limitado os acessos.

aqui funciona, estava até melhor do que previa, mas ontem choveu e deve ter dado algo com a antena. logo volta, dizem. fato é que caiu um raio bem perto, eu vi, depois o estrondo foi tão gigante que tremeu a casa. estou no sótão, terceiro andar. uma caverninha quase escondida donde se vê as coisas do alto. teto baixo, inclinado. me sinto acolhida e me escondo.

tem muitos pinheiros em volta, me encho do cheiro que emanam e isso me faz feliz. ainda caminhei pouco, até agora, estou a me entender com os dentros e os modos de andar. pé machucado, em subjetivo, o corpo tentando se reentender na dança. que na verdade é inventar uma dança, posto que me encaro sempre em começos. um exercício gigante, e supremo, esse de memória. olhar para o caminho percorrido e tentar reentender o novelo, desatar os nós que forem possíveis de desatar, seguir adiante. tem muitos novelos embolados aqui, uns mais protuberantes que outros. uns brilham, têm diversas cores. em certa medida escolho com quais quero lidar.

um abraço em novelo, um abraço com zelo e afeto em nome de tudo o que passou.

n01

n02

tenho que reconhecer os meus medos partidos, as vontades de sair, toda a tormenta que saiu daqui e que depois que passa não lembro mais como nem quando, não com detalhes. estar no presente, em especial se esse pode ser mais alegre e de ânimo recomposto, me traz também uma espécie de esquecimento do que já foi. fazer esse exercício de retornar ao que já foi e como fomos, como agimos e tudo o que provocamos, qual foi o desenrolar das coisas até aqui, é difícil, mas importante para entender como fluir. uma vez que estou em relação, não é suficiente eu elaborar comigo quais são as minhas prioridades supremas e acreditar que o mundo simplesmente irá me abraçar de novo como se não houvesse outra vez. é bobo, mas é isso que tenho vivido. a cabeça anuviada em desespero, de tempos muito custosos, dolorosos, incomodamente insanos e sem espaço para existir um em si que se faz pleno antes de estar com os outros. e como isso é importante.

Inês Nin004

Inês Nin006

me lembro muito de escuta, que no primeiro e-mail que vc me enviou quando ficamos juntas você falava de escuta, que havia escuta, e eu lembro que não faz muito tempo me enamorei da palavra. estudava então escritos sobre som, ruído e escuta, nos quais a parte da percepção e do silêncio sempre se destacaram. eu já conhecia alguns deles havia muito tempo, mas ao organizar encontros em torno da escuta em 2014, junto a uma amiga, comecei a pesquisar todos os usos e flexões da palavra, e entendi que para a dança que me interessava era tão essencial escutar o corpo da/o outra/o. para estar no mundo é também necessário escuta. escutar a si mesmo, profundamente, é meditação. algo que tantas vezes não conseguimos, dado o ruído não só do mundo mas aquele que está na gente mesmo. encalacrado lá no fundo, mas também manifesto na superfície, latejante, e de verdade, se deixamos.

Inês Nin026

peço que você leia esse e-mail como uma carta, escrito fora da rede, fora dos tempos enlouquecidos de imediatez sem escuta. eu preciso de tempo para escutar, às vezes. a mim mesma. preciso desses esconderijos forjados, muito, e não raro acho difícil me dar a essas aberturas (ou fechamentos) estando junto, estando em relação, seja ela qual for. e estando no mundo, por isso fui morar só! mas não pretendo estar só, não é meu desejo não estar em relação, não fazer junto, mas o contrário. e quando falo em antes e depois, sobre existir só primeiro para depois existir junto, me lembro que esse é um movimento que acontece em ciclos, ciclos diários talvez, ciclos de minutos, ciclos mais longos às vezes. claro que o mundo nem sempre se transforma no ritmo em que nós nos transformamos, de modo que nunca sabemos que estado de coisas e de pessoas encontraremos ao enfim sair do esconderijo. e aí entra outro desafio, outra espécie de prontidão de corpo que se apresenta, que é estar em sintonia, em sincronia em tempos variantes.

daí, a dança.

Inês Nin019

penso em chute no ar. em pedra. colisão, sim. movimento desordenado. como antes de algo adquirir forma, ele corre sem rumo, arrisca, atira, colide. deixa sair o que há, que pode variar entre afeto e dor. é desordem. desordem que sai, não precisa sair junto, às vezes melhor elaborar só, mas tem coisa que só se vê e se lida se aparece, daí, quem sabe, junto. bicho informe, acho que aquilo de que vc mais tem medo. movimentos desordenados colisão.

é a sociedade que, polida, quer ver polidos todos os seus membros. um modo de manter a ordem, mas também de manter as pessoas distantes, com começos e fins bem delimitados entre elas, lugares.

Inês Nin020

eu gosto de fazer, procurar, estar junto. gosto de me dar ao caos do não saber e dançar junto, de me dar às proezas. estar junto sempre desafio, e não é estar junto qualquer pessoa, de qualquer jeito.

procurar um abismo onde deixar as coisas duras, vê-las colidir consigo mesmas, sumir. não dar atenção a elas.

te gosto, sinto um amor bonito nas coisas da gente junto. te acho tão bonita quando te vejo que das últimas vezes evitava olhar. porque estava ali toda a tormenta, todos sentimentos guardados, bonitos e feios, e uma vida que via você tocando, de modo ou de outro.

talvez um movimento entender e olhar isso de fato, num primeiro momento, pela alegria de toda essa troca em potência, e também pela conversa que se deu de fato em

Inês Nin010

n11

 

nuvem, visconde de mauá, janeiro de 2016

vox

para alocar a esquiva da fala, crio vox. os campos desarrumados, descontínuos porque transversais. de tempos assíncronos, porém menos mundo que isto aqui. mais presente que ahora, mas ainda negando as simultaneidades construídas. mundo de avessos, travessuras y trejeitos internos.

assista.

curvas

conjurar sistemas em meio às turvas águas de verão. chuva de verão é tão bonito.

faz seis meses que habito a cidade dos carros. me vejo atravessando viadutos gigantescos a cada dia, pensando em como construir mini cisternas em apartamentos, admirando casinhas num bairro bem perto daqui, de um mirante que traça a rota da horta comunitária descendo escadas preenchidas por graffitis coloridos.

não é só cinza a cidade dos carros. o caso é que me parece que tudo aqui se intensificou, e há mais tempo: há poucas brechas, nesse trajeto tão corrido, para refletir sobre os porquês dos sistemas vigentes. e, agora que quase não há mais água (no céu tem de monte), começamos a pedalar e cuidar de construir outros meios com mais afinco, a espalhar essas cores por aí. umas que, de fato, já lutam por seus cantos e contaminações lúdicas não é de hoje.

um embate confuso é: como ocupar as ruas (com passos, pedestres, ciclistas, crianças, festas, encontros, pessoas, vidas) sem que usem tais ações como alicerces para gentrificar. daí vêm aburguesamentos urbanos, progresso, terríveis prédios e demolições. gentrificação se tornou a primeira palavra de nossos dicionários de resistência, por necessidade, já faz alguns anos. para evitar a todo custo. sem deixar de ocupar.

[apropriadas serão todas as palavras: atentar para equívocos e truques ligados a ocupar e revitalizar espaços. e afins. e outros.]

de intensidades e reflexões: por mais que em distintas proporções, há bastante de ambas. corrijo. talvez, não necessariamente relacionadas. talvez o grupo de pesquisa só ande de carro particular. talvez umas figuras maravilhosas, ciclistas e horticultores, passem décadas de suas vidas gastando praticamente toda sua energia (física e espiritual) numa hipersaturação de festas ininterruptas, imagens ininterruptas, discursos fragmentários num fluxo sem fim. talvez, a ideia de tecnologia ainda demore muito para ser vista sob ângulos diversos, questionada a todo tempo sob o ponto de vista da necessidade (dentro da máquina de criar necessidades; no seu centro conflituado, cidade).

vista do edifício copan, são paulo, 2014

é demanda pessoal a confluência com florestas nesse percurso tão confuso, tortuoso, cheio de bifurcações. coloco assim para evitar questões maiores (mais silêncio, menos intensidades sem fim, pode ser uma necessidade de momento e pessoa, ou algumas pessoas e alguns momentos, enfim).

fato é que florestas são importantes para um sistema maior e mais fundamental de sustento da vida, algo visualmente tão distante, não raro, num cenário acimentado e controlado como este em que pisamos. por isso acontecem desconexões. interesse por natureza mediado por drogas sintéticas. interesse pelo capital que se sobrepõe a todos os outros. e inúmeras variações. em algumas delas, é possível um respiro, um ponto de fuga de onde emergem frutíferas ações.

enquanto isso, a cidade se expande, se mantém engarrafada, contínua. penso em como usar melhor o tempo durante essa estada, etapa de uma construção maior que talvez apontasse justamente para agora. ir para o olho do furacão, absorver e conhecer uns tantos interstícios e meandros nada simples. desse solfejo, da amálgama construída, gerar um sustento, encontrar abrigo, levantar faíscas, organizar.

08012015

coisa

um contador de miniaturas. para poder antever tudo o que se dará, daqui pra frente, nunca atrás.

contável porque coisadura, mercado, minérios, vastidão de mundos domesticada numa única pílula tátil, apartamento.

adentrei o prédio, era possível; o possível que conseguia visualizar diante de tantos desejos de nomadismo e floresta, de construção, viagens. não havia permanência em viagens, nem sustento, somente vontades: braço que não alcança as frutas nos galhos superiores.

necessária suspensão das correntes, ainda que (tanto), furtivos invernos, forjados em verões que voltarão, um dia.

construção. intento de construir uns grandes monumentos, começando por pouco, um espaço, um fluxo de chão. aulas, algo com que sei lidar, aprendo a lidar, lido – está na fala e nos gestos um pouco de imensidão, de conhecimento. aprendizagem é algo que só se faz em curso, assim como mostrar: tornar visíveis processos, saber responder perguntas, localizar as pesquisas e tornar embates as vontades críticas, os permeios do sistema, e uns tantos modos de construir misturas. voluvear.

grav_foguete

gravmatriz_raio

sustento: folha, linguagem

bambu0001

A ser executado em sítio específico, no período mínimo de dois meses

: Exploração. O ambiente, em seus aspectos imediatos e naqueles ocultos à primeira vista. Biblioteca, quarto, cama, comida, pessoas, trilhas, percursos, árvores, paisagem, conversas, textos, livros, ar, rotina, história, meios.

: Fabulação. Caminhos por entre as paredes? Antigas formas de comunicação? E se eu subir-? Mistura de tempos, memória evocada em camadas, gerando novas correntes. Fotografias. Desenhos. Vídeos. Colagens. Imersão em textos e caminhos. Criação de agentes; verbos que andam sozinhos, sobre duas pernas.

: Rumo. A experiência de estar em um lugar por um período definido, considerando o antes e o depois. Organização.

luz

: Vegetação. O primeiro livro de Hilda Hilst com que tomei contato se chama FLUXO FLOEMA. Em “residência” no IPEMA – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, fiz a conexão. Floema é o tecido das plantas vasculares encarregado de levar a seiva elaborada pelo caule até a raiz e aos órgãos de reserva. Ou seja, a seiva da planta flui pelas veias do floema. Fluxo, como sangue. O nome deriva da palavra grega para casca; o floema é parte do córtex ou casca primária da planta.

Fiquei pensando em cascas. Achei um ensaio do Georges Didi-Huberman que fala um pouco delas, na verdade, ele usa a ideia de casca para se relacionar com um lugar onde muita gente, dentre os quais seus antepassados, foi morta durante o Holocausto. Casca como solo, a última testemunha remanescente de um acontecimento terrível, no caso. A casca é a superfície com a qual nos relacionamos, à qual temos acesso. É permeável, e sujeita às ações do tempo. Assim como a nossa pele. Cascas são interfaces que carregam memória, às vezes se descolam com o tempo.

Curioso pensar sobre os solos. O que se passou por lá, quem passou, o que se sucedeu. Os caminhos e descaminhos que foram trilhados. E como nas cidades o solo primeiro, a terra, é quase sempre oculto, coberto de cimento. Solo de cimento. Solo-cimento é uma técnica de produzir tijolos.

solocimento

É possível construir uma casa, plantar comida ou escoar águas de chuvas com um solo de terra, mas por algum motivo (construção política ou regime de poder) eles vêm sendo ocultados. No lugar de solo, ou terra, cimento, que isola o sujeito e complexifica as estruturas. Não mais plantar, comprar. Casas de pau-a-pique são muito simples de fazer e usam terra, mas são proibidas em cidades. Imensos tanques de cimento, construídos com obras caríssimas e uso de escavadeiras, pretendem reunir as águas das chuvas.

Como diz Didi-Huberman: “Nada se parece mais com um chão de cimento do que outro chão de cimento. Mas, como é sabido, o arqueólogo defende outro discurso: os solos falam conosco precisamente na medida em que sobrevivem, e sobrevivem na medida em que os consideramos neutros, insignificantes, sem consequências. É justamente por isso que merecem nossa atenção. Eles são a casca da história.” (retirado de Cascas, ensaio publicado na revista serrote nº 13, março de 2013)

A ideia de estudar permacultura, agroecologia e sistemas agroflorestais, prática que dei início recentemente, deriva justamente dessa relação com o cimento. Antes, fiz uma série de trabalhos baseados em registros de deslocamentos em transportes públicos urbanos (seja de ônibus, trem ou barca). Em geral, eram trajetos casa-trabalho-casa, percursos estendidos e muitas vezes extenuantes. A necessidade de alheamento surge exatamente aí, na fadiga cotidiana dessa rotina que vai do cimento ao asfalto. Para chegar em casa.

Durante esse tempo, fiz diversas anotações sobre trabalho, que vão desde a manipulação de materiais até questões de rotina, cansaço e assuntos entremeados. Pesquei, ao mesmo tempo, relatos de canto de ouvido proferidos por pessoas amigas ou desconhecidos que cruzaram meu caminho. Percebi, também, que tinha diversos registros da ação “trabalho”, em vários modos diferentes. Decidi reunir essa memória, pesquisar outras formas de se relacionar com o termo e a prática, e transformar esse material, do mesmo modo com que procuro transformar a minha vida.

A vegetação de um lugar diz muito sobre ele, assim como os solos. Dado que as noções de “natureza” e “cultura” se confundem tão frequentemente, nos discursos de ontem e de hoje, praticamente pode-se dizer que não existem matas virgens, que não tenham sido manipuladas por humanos. Agri-cultura. A questão é que variam as formas de manipulação, e há algumas que não provocam estragos, ao contrário, recuperam solos, tornando-os mais férteis, e as espécies mais produtivas. Sem o uso de nenhum químico, muito menos queimas. Como as agroflorestas.

Quanto a jardins, sabemos que foram construídos, moldados para o desfrute humano. E também que há diversas maneiras de construir, a exemplo dos que imitam florestas, como o do Parque Lage, no Rio de Janeiro. São da necessidade de ar livre e puro, constraposta à saturação das cidades (em todas as suas instâncias). Por isso, estudar plantas. Encontrar seus fluxos e floemas. Unir plantas e literatura, material fértil, provocando mudanças e devaneios da vontade.

: Linguagem. Folhas, raízes, rios e seus afluentes, raios, e veias por onde passa o fluxo sanguíneo formam fractais, padrões comuns encontrados na natureza. Diversos outros padrões são formados, muitas vezes interpretados por matemáticos e físicos por meio de complexas ou simples geometrias. Números nunca dão conta inteiramente de interpretar a realidade, mas, como qualquer linguagem, produzem uma aproximação, com o fim de entender os meandros e particularidades do que fazemos parte e nos rodeia. Bambus não possuem linhas retas, como gostariam arquitetos de colarinho branco. Mas são maleáveis, formam estruturas.

Exploração da linguagem, unindo dois ou mais ítens nessa etapa. Todas se permeiam. Padrões, números, linguagem codificada. Decodificar membranas como quem transpõe barreiras assimétricas. Codificar de outra maneira, passaporte para percepções variantes.

: Livro. Exploração, fabulação, rumo, vegetação, linguagem. Cinco componentes formam um sexto, um livro, composição fabular a ser costurada à mão, incluindo o material produzido durante a residência, organizado de modo a formar uma unidade maleável.

Escritos, fotografias, percursos, desenhos. Com vários começos, vários fins. Em forma, inspirado em codex e outras anotações e linguagens antigas. Procura por escrita em códigos, jogos de linguagem, formas multilineares de leitura. E cotidiano.

: Além. Outras obras podem acontecer durante o caminho, tais como instalações temporárias, ações, ou vídeo.

 

fevereiro de 2014

i

atores mesmos são eles gestos. vozes que não se misturam, vazios intelectos, atos que vão seguindo pontos, dançando pontos, se perdem.

escandalosa miragem permanece forte na rua. quer invadir atos, vontades, mas só atinge a coisa mesma, sem nexo. é raso. ricocheteia nos prédios, nas pessoas, não vaza em ninguém.

conversa de bar que escorre e praticamente não existe. só imagens, sorrisos, rumos difusos e repetições. às vezes música, som alto vindo das vozes, subterrâneo de atividades sonoras, efeitos químicos. nada mais que urgência, não é importante.

converso no lugar, me junto, perco o dito das coisas e enfim faz sentido! entre perambular pelos escambos, pelas brechas, acessos à cultura e à imagem por um pouquinho de escape. mundos pequenos que apresentam eixos universos.

do verbo que ainda não existe, acontece.

situação simples que inverte, alimento, torna energia o fluxo. rodopia, cumpre, faz girar.

quase sem nada, meio sem nada, por isso lá.

sobre métodos

essa poesia de malas pesadas, de coisadura e já sabe que não espera e faz

º

azuis ainda carrega uma relação com o mundo real, objetivo e nada discreto: o furtivo implementado, a obrigação do caráter, o assumir os caracteres próprios das coisas.

mostrar-se ou não deveria ser algo facultativo. cadastros em geral. fluxos e caminhos desviantes, um direito em si, embora a própria noção de direito esteja calcada em uma certa ordem das coisas.

uma problemática talvez é que o discurso de crítica se faz ainda dentro das coisas, se insere no sistema para a partir dele propor outros caminhos. sobretudo, utiliza os mesmos códigos binários para dizer que são binários, ou refaz paralelos caminhos errantes como forma de chamar a atenção para aquilo que se faz. a linguagem permanece dura, atenta, aberta a infusões.

tormenta o imperativo de comunicar, concatenar bem as palavras de forma inteligível. a pobreza da forma é de algum modo o risco, no asfalto, no sincero cinzeiro tão cotidiano de coisas faz, e vai podando os sossegos, tentando furtivamente errar, tecer outros meios, fincar o pano em algo que vá além.

fustigar os sistemas, furtar o meio e o fim do veículo inerte, em todas as dimensões.

se o processo se inicia em um rio, rio acima irá, contracorrente. para adentrar as matas é preciso primeiro se perder. os modos de percorrer qualquer coisa são imensos, de muitos mundos e variáveis. eu nem matematizo, eu vivo. matemática é da ordem de uma objetividade que não me contempla. ao contrário: ajuda as mesmas coisas sãs como sãos são os dias corridos, as ordenações de trampo, o calendário.

a floresta está dentro, o curioso lá está. procura, desorienta, adquire métodos para o corpo externo sedimentar. não são mais que carcaças a conhecer o intelecto, roupa que veste algo incerto, curva dos dias que se ramifica por entre as frestas.

floresta

voraz

desentender binarismos. a oposição mato x asfalto, ou mato x cidade, é somente um artifício para entrar num assunto latente, que insiste em se meter em tudo o que faz. porque está na paisagem. entra pelas narinas, invade os olhos, preenche todos os cantos da imagem, se impõe de maneira voraz.

em 27 de dezembro de 2013 eu saí para ir meditar no interior (de um estado, dentro), depois me voluntariar num instituto de permacultura e aprender bambus, o que chamam de bioconstrução. depois não sabia. sabia que não queria voltar logo, que não tinha pressa, nem exatamente um rumo fixado. decidi pesquisar e viver permacultura e experimentar viver doutros modos, entrar noutras instâncias, redesenhar o percurso um pouco, desviar. ir visitar uns amigos, encontrar outros pelo caminho.

voltei para o rio só duas vezes, bem pontuais, a primeira no carnaval, cinco dias absurdos, de misturar bloco com afetos e tudo junto, família, amigos, sei lá, a cidade nonsense desenfreada, quase calada de políticas públicas insurgentes (não esperava), lixeiros em greve e o povo ajudando, era isso, caotizar.. de novo fuga, interior, amigos, uns dias mais, volto.

enumerar fatos sempre diz pouca coisa, desinforma, às vezes norteia mas pouco faz. é um modo de começar.

existem uns cadernos, cinco filmes de fotos, talvez mais. experiências acumuladas que se diluem no fluxo corrente de tudo, caí aqui e já estava a participar de um processo singular e potente chamado vocabulário político para processos estéticos, de novo intensidades.

andei lendo o hakim bey e ele fala de gente que vive a migrar entre intensidades, zonas autônomas temporárias, festivais, e talvez este seja um modo de vida, há outros. um desses que condensa mundos magias afetos coragens em um sempensar de caminhos, modos. compõe, constrói, mas entende que o contexto não dá conta ou não quer dar trabalho para dissidências fixas, pormenores, reescritas memórias por escrivãos sem vontade, embora gostaríamos, seria justo, indexar os atalhos que merecemos, todos nós e todos eles, sejam quem forem os envolvidos na história.

o percurso nós escrevemos, compomos anagramas, migramos de lugares, de países (e o que são essas invenções vorazes, cheias de exércitos e normatividades múltiplas?)

é preciso voar, só isso, o voo por si só já é um rumo

desenfrear-insigne-eu-ir2

(compêndio de anagramas, irá. esse aí é o primeiro espirro)

ponte

uma cidade que começa com uma ponte
ligando lugar nenhum a lugar nenhum:
um monumento ao espaço.

ponte venerada por ser matéria; veneração ao concreto.

escavadeiras como veículo “que torna o sonho possível”. é como se a decisão de um fosse de muitos, mas não.

vilarejo pacato com síndrome de auto-depreciação, alumínio.

terras férteis e de bom grado, mas não, escrutínio, quero ser grande, quero ser maior, quero ser super que é para não ter medo, coisificar, tornar planas as montanhas, construir teleféricos inertes, casas sobrepostas – que chique, os arranha-céus!

para onde foram os novelos, os sem medo que tomavam banho de rio até mais tarde, todas as coisas nulas (porque desprovidas de unidade material). valor!

são tão etéreos quanto nossas noites bebum, sentimento construído porque vontade, publicitárias vontades, aspecto vão de um supremo que não acontece.

bebemos pois a vida é curta e viver é ter força de trabalho incessante, até ver o pôr-do-sol no fim do dia; trabalhar mais, morrer do coração mas não deixar o serviço feito em cima da mesa. o lucro, meu caro, o lucro não é teu, ele é sempre de outrem, outra pessoa, aquela mesma que não dá valor pro teu ônibus ou para as tuas horas livres porque, bem, elxs têm o seu táxi, a sua boa comida, seu apartamento caríssimo em bairro nobre e toda a pompa. eles querem o serviço feito. e de boa vontade, porque tem tanta gente querendo lá fora..

aí você lembra da ponte, sim, a ponte! e não da árvore dócil da sua infância, que caiu num vendaval, dia de chuva furiosa, e tombou no chão.

a ponte é a matéria terrestre, legítima imperatriz do asfalto.. ops, se tornou. você nem lembra mais qual a origem ou o fim do processo, você não tem astúcia, foi se perdendo aos poucos, nos anos que se passaram e foram convertendo, sem que você sentisse, sua sensibilidade em automatismo, docilizando teu corpo e teu cérebro sem que percebesse, até que fosse só isso, corpo e cérebro, mais corpo que cérebro talvez, matéria pura, alheia de si, sem fluxo, sem devaneio.

porque o sangue correndo nas veias era também o teu chão, teu sentimento e pulsão em natureza mais que cíclica, veloz, modulável, rítmica. a pulsão que te fazia ou faria andar foi transformada em valor útil de mercado, tempo, vendido aos outros por um pouco de sossego, expectativa, comida, camisa e filhos, sem que pudesse notar o que acontecia.

teu sangue, meu caro, vale mais que a ponte. teu sossego é um devaneio à beira do rio. antes de virar canal, poluição, ponte.